Hip Hop Rádio

you are forgiven

“You Are Forgiven” de Slow J – Crítica

Por Beatriz Freitas | Fotografia de Alicia Gomes

“You Are Forgiven” não é apenas o mote para este álbum: os fãs também perdoam Slow J pelos meses sem música. Lançou o single Teu Eternamente” a novembro de 2018 mas após um período – não necessariamente longo, mas que assim pareceu – de ausência, o rapper, que nos surpreendeu pela primeira vez em 2015 com “The Free Food Tape”, já deixava saudade. Autor de verdadeira poesia em forma de música de que são exemplo famosos temas como “Serenata” e “Às vezes” , Slow J presenteou-nos em 2019 com nove faixas de puro exorcismo emocional, dotadas de uma escrita bastante crua, à qual nos tem vindo a habituar e que se faz acompanhar de melodias produzidas com a ajuda de produtores de luxo como Lhast, Charlie Beats e Dj Ride. Entregues ao público pela sua voz ora melódica, ora assertiva, com a qual sabemos que podemos sempre contar quando se fala deste artista, algumas das faixas presentes no álbum contam ainda com participações de Papillon – popular nome na esfera do hip hop atual- e da icónica Sara Tavares .

Ao longo de nove músicas somos transportados numa viagem de autoconhecimento, carregada de sentimento, sofrida pelo autor, onde nos é confidenciada a história de dor, perda e de redefinição pessoal que o artista viveu no decorrer da realização deste disco, culminada em faixas como “Lágrimas”, talvez a música mais emotiva do álbum, e “Também Sonhar”. Em canções como estas conseguimos perceber a sua acentuada mudança de mentalidade no que toca à fama e a maneira como o artista necessitou de dar “um passo atrás” e analisar o que, de facto, é mais importante para si, num ato individual de redefinição de prioridades face a esta nova fase da sua vida, após ultrapassar novos desafios a nível pessoal, na maioria trazidos pela paternidade -como explana no vídeo – e letra – de “Lágrimas”.

Existe espaço ainda para faixas onde reina o sentimento de celebração da vida, acompanhado de ritmos mais dançáveis como a faixa “FAM, que conta com a participação de Papillon. Através desta colaboração, o membro dos Grognation conhecido por usar ritmos mais animados – como nos mostrou no seu álbum de estreia “Deepak Looper” e tem continuado a mostrar com os seus mais recentes lançamentos- vem assim atribuir um vento de mudança com ritmos quentes que contrastam com todo o sentimento mais melancólico do álbum, oferecendo um escape dançável.

Com este álbum, Slow J veio assim cimentar o lugar de destaque que ocupa no hip hop português, posição conferida pela sua autenticidade enquanto artista, nunca pretendendo dar mais importância à fama do que à mensagem que pretende passar e que, por isso, nos apresenta cada obra carregada de honestidade e intimidade -para com os ouvintes – muito caraterística. Não tendo segredos com os fãs, pode inclusive ouvir-se na música “Onde é que estás”: “diz ao mundo se estás triste, deixa o mundo saber disso”.

“You Are Forgiven” apresenta-se assim como um hino de superação por viver, dividido por múltiplas faixas que demonstram, como mapa, o caminho percorrido pelo artista na complexa viagem da qual foi protagonista, dando-nos a possibilidade e o prazer de, agora e de certo modo, acompanharmos o itinerário percorrido, visto pelos seus olhos e contado pelo próprio.

Slow J, onde é que estavas?

”Eu desapareci durante este tempo porque tinha de encontrar quais realmente são os meus sonhos”. Depois de um ano em Silêncio, Slow J voltou ontem aos palcos no Festival de Integração de Aveiro.

Após The Art of Slowing Down, em 2017, Slow J volta ao topo com You Are Forgiven. Os universitários de Aveiro foram os escolhidos para ouvir ao vivo cinco temas do novo álbum do artista. Entre eles, ouviu-se ”Também Sonhar”, ”Silêncio” e ”Onde é que estás?”.

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O silêncio que fazia falta ouvir

Há muito que fazia falta ouvir a voz de Slow J. Mas, curiosamente, não é a sua que abre o seu novo álbum: Sara Tavares dispara o gatilho, “arranha as costas” de quem ouve e abre jogo para João Batista Coelho também sonhar. As duas vozes conjugam-se depois na última estrofe da música, acabando por ser o início perfeito para “You Are Forgiven“.

Papillon é o próximo a ser chamado para a mesa. “FAM” traz o melhor dos dois artistas, contando com um ritmo africano que entusiasma qualquer um. Afinal de contas, foram várias as mãos responsáveis pela sua elaboração: produção de Chromonicci, Holly e Slow J, com “pós” de Fumaxa e Lhast, voz adicional de Gson e guitarra por Francis Dale – uma criação complexa, em vários tons, que percorre todos os temas.

Onde é que estás?” e “Lágrimas” trazem a melancolia ao projeto. Transportam o fado, carregado de amargor, e evocam os espinhos ainda cravados na sua pele que são expostos, seguidamente, em “Teu Eternamente“. Esta foi a única carta revelada, antes do lançamento do álbum, que fecha este fragmento mais escuro para depois ressurgir e voltar a rir. Afinal de contas, Slow J “Só Queria Sorrir“.

A sexta música do disco é um grito que motiva qualquer um a ser o que quer ser. Uma chapada que nos faz levantar da cama – “esta é prós dias de chuva” em que não nos lembramos de querer mudar o mundo – e nos passa o microfone para as mãos: responsáveis por deixar cravada no mundo a nossa impressão digital.

A que figura na capa, precisamente, não é a do músico: é a de cada um que ouve o álbum, cada um de nós que está perdido no seu próprio labirinto e tenta encontrar o seu caminho. O de João Batista Coelho é coberto de culpa, como o próprio confessa, mas também de sonhos, lágrimas e sorrisos.

Mea culpa” é a ressurreição de Slow para depois saltar “Muros“: 2 minutos de música que nos abanam por todo o lado. J tem a capacidade de cozinhar autênticos shots de motivação que põem qualquer puto lento a correr, qualquer pragmático a virar sonhador.

You Are Forgiven” é uma sádica história escrita com o sangue jorrado pelos espinhos que tem cravados em si – e que nos leva a encontrar os nossos – onde Slow J faz da confissão o seu laboratório. Para mim, já está, seguramente, mais longe que os seus ancestrais. Esperemos que não abrande e que continue, sempre, com fé nessa merda: cá estaremos para ouvir o seu silêncio.

Já se pode ouvir o novo disco de Slow J

You Are Forgiven, o novo trabalho de Slow J, foi divulgado nas plataformas Tidal e YouTube Music esta manhã.

O disco conta com a participação de Papillon e Sara Tavares, com produções de Richie Campbell, Fumaxa e Charlie Beats, que também se encarregou da engenharia de som.

Teu Eternamente“, que já fora divulgado pelo cantor, foi a primeira das nove canções a ser ouvida pelo público, no início deste ano. O último disco de Slow J foi The Art of Slowing Down, em 2017, que sucedeu a The Free Food Tape, em 2015.