Um ano de “Rap Consciente”, anestesia lírica e um baralho de cartas


Foi há precisamente um ano que “Rap Consciente” e “Poder” fizeram retornar um Valete do “abismo sem retorno”. Neste baralho de cartas mutável e inconstante que é o rap, onde o melhor MC está sempre à mercê da justiça poética de cada um e as rimas são ora moda, ora abalos progressivos na estrutura dita “normal”, o MC da Damaia – que já foi rei – estagnou e, agora, nem rei, nem valete, nem dama. Nem joker. | Por Bruno Fidalgo de Sousa

O “dono” de Educação Visual Serviço Público – trabalhos dos quais me lembrarei sempre com muito carinho – teve pouco mais que algumas participações e um projeto de super-grupo: editou o ano passado Língua Franca, com Capicua, Emicida e Rael. E agora, Valete? Onze anos, doze anos? Onde pousa o prometido Homo Libero? Pronto para sair do nevoeiro em força, ou sob anestesia lírica?

Reforço esta ideia: “anestesia lírica”. Se me permitem, vou cunhar este conceito e será, então, um amenizar da influência da mensagem (e não da lírica em si) ou do termo apropriado: contexto, perspectiva, reflexão. Uma pausa na relevância do que é dito (ou como é dito, lembrando-me agora de alguns MC’s nacionais cuja fórmula é repetida até à exaustão, uma fórmula já gasta). Será que é mais importante criticar o trap – que é disso mesmo que se trata – ou a nova vaga de rappers que em tanto diferem da velha escola do que, de facto, criar?

As duas faixas a celebrar o primeiro adversário nada acrescentaram ao portefólio de Valete. “Poder” é apenas uma lista de referências, em nada intelectuais, como seria suposto. “Rap Consciente” é um desbravamento infantil pelas novas tendências do rap, um olhar algo imaturo sob o futuro. Não foi um regresso, foi fogo de primeira-vista, porque o Valete de 2006 dizia, efectivamente, algo de único e diferente. Neste momento, a curiosidade em perceber qual o patamar de Valete e o que mudou com a sua ausência é maior do que a curiosidade em ouvir o futuro “melhor álbum” do hip-hop nacional.

Se existir um rei neste baralho, mora em Chelas. A posição de valete e dama é constantemente desafiada. O joker é demasiado lento para contar neste baralho de hip-hop (felizmente). E esta é a minha justiça poética. Homo Libero nas ruas ainda em 2018? Seria uma resposta, no mínimo, digna de aplauso.