Dissecação | ProfJam

“Ma’ nigga sou profjam, um tipo que vive num beat”

Em 2014, numa faixa intitulada “Mambo Nº1”, o MC de Telheiras cantou “Sou o prof dos putos da nova gen”. Hoje, quatro anos depois de The Big Banger Theory, EP de estreia de ProfJam, é indiscutível a notoriedade e a preponderância que o artista teve – e tem – no meio musical do rap. O auto-intitulado professor da nova escola não rimou mal: assimilou o trap e o autotune a uma multiplicidade de flows e a uma lírica que não é “água de coco”, contaminou uma verdadeira geração de ouvintes de hip-hop e inverteu o jogo. Prepara-se para lançar um novo projeto com Lhast e anunciou em março do ano passado que está pronto para “matar o game” |Por Bruno Fidalgo de Sousa

“Já viste e ouviste tudo, já nada te impressiona… Então se sentes isso, vem ter comigo à minha zona”

Foi em Telheiras (“Zona T, finest”) que Mário Cotrim começou a rimar, em 2008, depois dos primeiros contactos com a música, diretamente no mundo do hip-hop com Jay-Z ou Eminem, por influência da irmã, como refere em entrevista ao Três Pancadas. Menciona também nomes portugueses como SP Wilson, Halloween, Sam The Kid, Dealema ou Sir Scratch. Desde cedo um hip-hop head, nascido e criado no ceio da primeira grande explosão do rap (a acompanhar a explosão dos mídia online), afirmou-se com o nome artístico ProfJam, iniciando os primeiros passos através do SoundCloud e YouTube: “Nuvens” ou “Metades” foram algumas das faixas sem teto, ou melhor, sem Profecia – uma maquete que nunca chegou a ser mixtape.

“Víris, Gula e Sam, Mundo, Allen Halloween ‘tão dentro de mim
Por isso é que eu cuspo bué”

Em entrevistas passadas confessou ser um admirador de George Orwell e de Aldous Huxley (“admirável novo mundo, faz tu a tua Soma“), revelando uma faceta artística de Mário Cotrim que se espalha pela mensagem que inevitavelmente tenta reproduzir e passar, mascarada em referências (“só porque falo com ghosts tipo o Mill e o Kant, ou o Virgílio Romano, vivo a divina co’Dante“) e jogos de palavras, acondicionadas por um flow extremamente versátil, principalmente considerando o estatuto de newcomer com que chegou à Liga Knockout.

“Sou um puro rapper culto cultivado por 2pac
Tratado pelo Slim, paiado pelo Jay Rock
Comprado pelo Big, fumado pelo K-Dot”

“‘Tou quase a chegar à lua, sou gigante a rimar, pego no taco a brilhar e jogo bilhar com o sistema solar”

Em 2013, ProfJam destaca-se na Liga Knockout. Sai derrotado da battle com Young e voltou a esgrimar rimas na edição Hip-Hop All Stars contra 9miller. Com a simpatia de uma fanbase em formação, o próximo passo levou Mário Cotrim a Londres, para investir na formação enquanto engenheiro do som e produção de áudio. A primeira mixtape chegou às ruas em 2014, pela ASTRORecords de Vilão (atualmente extinta).

“tenho a doença do rap, um síndrome de MC”

The Big Banger Theory (TBBT) conta com vinte e duas faixas: da clássica “Frank Einstein” a “HydroGénio”, passando por temas como “O Jogo”, “Manny Pacquiao”, Money” ou “Viciada”. Navegando entre batidas mais trap autotune prodigioso, a metafísica e o existencialismo tácito sempre estiveram presentes no esquema rimático e no ideal artístico do MC que, meros quatros anos depois, se solidificou nas tendências do hip-hop nacional e com ele um novo prisma sobre o universo das rimas e batidas.

“Vou rumo ao topo, só que o topo sabe a pouco
E sozinho lá em cima aborreço-me a jogar o jogo”

O ano era 2014 e estavam dados os primeiros passos de um MC com muito potencial, colaborando lado a lado com os também newcomers Vilão, Papillon, Magboy ou Mike El Nite. TBBT tornou-se uma mixtape muito acarinhada pelos fãs de ProfJam, coincidindo com a sua ascensão mediática, também fruto do auge de sucesso que a própria Liga Knockout manteve durante as primeiras edição, e com as primeiras experiências com autotune registadas em Portugal. Uma entrada no Genius cita: “The Big Banger Theory vem de duas ideias. Criar um novo universo no hip hop nacional, daí no nome “Big Bang”. “Banger” vem da sonoridade.”

“Sa’foda that! Tou co’feeling do Valete quando ele deu lições visuais
Não tenho visões, tenho visuais, é que eu procuro dentro sempre mais”

“Desculpa amor, eu tive que me ir embora, criar a minha escola, fazer a minha turma”

Depois da temporada na capital britânica, em 2016, Mário Cotrim alia-se a Nélson Monteiro na criação de uma das labels de maior infuência na nova escola de ouvintes de hip-hop, reafirmando ao mesmo tempo uma posição cimeira no crescimento das diferentes sonoridades. A estrear na editora: Mixtakes, segundo trabalho da discografia do MC de Telheiras, o agora CEO da nova turma do hip-hop nacional, uma mixtape de 18 temas sem nenhuma colaboração para além de Hypnotic no primeiro skit, todos eles com sucesso imediato, aproveitando o hype de “Além” e “Queq Queres”, os dois singles que, atualmente, acumulam quase dois milhões e meio de visualizações no YouTube.

A versatilidade de flows e a exímia capacidade para rimar com o que quer que seja – “Rastafari! Se o demo for ter comigo eu mando-o p’ó caralho” – condecoraram Mixtakes como um dos melhores álbuns do ano, com críticas globalmente positivas e aclamado pelos fãs, ao mesmo tempo que mantém o seu aspeto conceptual, de acordo com a leitura do universo de Mário Cotrim.

“E se o John imagina, eu tiro a fotografia”

ProfJam, para a Rimas e Batidas, explicou que “a mensagem aqui presente é o balanço do nosso ser e por sua vez do Universo. O yin [e o] yang,a vida e a morte, o escuro e o claro, o bem e o mal, o ser e o não ser… Uma sopa da pedra de pensamentos“. Descreve ainda o projeto, produzido e construído durante a sua estadia em Londres, como “uma mixtape onde abordo e escrutino erros de navegação da vida para me tornar melhor indivíduo, os tais mistakes, sejam eles da nossa vida terrena ou a teimosia dos vícios do espírito que teimam em nos reduzir perante todo o nosso potencial divino”.

“Junta as mãos numa oração, pede ajuda a ti próprio
Cuidado com o vinho, o haxixe e o ópio
Cuida do teu vizinho, vive acima do ódio
Segue o teu caminho sozinho e o resto fode-o”

Quando da estreia da mixtape, afirmou: “Inspiro-me com a vida e os seus mistérios. Na minha opinião simplesmente não existe nada mais interessante do que a origem do cosmos e da consciência. Acredito que o estudo da nossa consciência individual e da nossa consciência colectiva contêm a chave para a paz e felicidade.” Por outras palavras, “a mensagem é que a mensagem és tu que fazes“, e isso sempre foi uma peça chave na base artística de Mário Cotrim, “génio monstruoso, Frank Einstein“.

“Eu ’tou no topo do meu game”

O primeiro aviso pós-Mixtakes surgiu ainda em 2016, com “Xamã“, produção de Lhast.Em 2017 publicou “Matar o Game” e “Mortalhas“, temas que colecionaram críticas de alguns ouvintes indignados, penalizando o “autotune abusivo” (“o peso da minha caneta partia-te o braço/e a dor de cotovelo impedia que ele dobrasse”). Em 2018 já conta no portefólio com dois temas a solo, “Yabba” e “Água de Coco“, último tema divulgado e que se junta a “Xamã” como single do próximo – e primeiro – álbum, que sairá com selo Sony Music, em conjunto com o produtor Lhast.

“Eu vim pa’ matar o game e vim po’ ressuscitar”

Atualmente, a “festa privada” de ProfJam não tem apenas a “paranóia” como convidada. Dois anos depois, tem a presença de MC’s como Mike El Nite, Yuzi, Fínix MG ou Prettieboy Johnson, servidos com instrumentais de Benji Price, Osémio Boémio, Rkeat, Ice Burz, Oseias e Ventura, e recentemente adicionou ao elenco os rookies do game SippinPurpp e Lon3r Jony. Os álbuns com selo Think Music ainda são escassos (para além de Mixtakes, apenas o EP Níveiseditado em 2017), mas todos os singles produzidos pela label têm gerado um tremendo sucesso – independentemente da participação do CEO, que disparou rimas em “UAIA“, com L-Ali, e em “Gwapo“, com Yuzi. É uma revolução musical com espaço para todos – e a Think Music tem sido uma das “turmas” no comando, com o professor a dirigir nos bastidores.

“Os que duvidaram agora pensam no “uau!”
Muitos me imitaram, desistiram, sou o auge
Juntos num destino num caminho curto e fausto
Na broa co’s meus putos a curtir e muito o caos
Esses não são meus filhos, nunca tive de educá-los
E se ficaram sem concerto é porque eu tive de ir tocá-los”

“Só me sai a voz da missa, meu pai deu-me a missão, Prof vai dá a lição”

A par de Slow J, ProfJam é muito provavelmente o MC que mais preponderância conquistou no rap tuga nos últimos quatro anos. Desdobrando-se entre colaborações (Vácuo, Mike El Nite, Isaura, D.A.M.A., 9miller ou Valas) e apadrinhando as novas promessas do rap nacional, o seu trabalho marca distintivamente a pessoa que é Mário Cotrim e o enquadramento artístico neste “game”, qual a sua missão (“eu não curto estrada, faço o caminho que m’apetece/ yes, irás a caminho do Everest/ Congrats! «you’re now fuckin with the best»!“), qual a lição a dar:

“Sê bem-vindo à aula, abre o estojo…
Eu nem vou à sala dos stores
Prefiro ir po intervalo, hoje é hoje…
E hoje é pa’ matar o game”

Em 2014, Mário Cotrim rimou ser “o prof dos putos da nova gen”: o verso não mente. É indiscutível a influência de Profjam como um dos catalisadores do trap nacional, para além de professor, um cientista musical com uma habilidade rara para escrever e uma enorme vontade de experimentar, criar, mexer. Com apenas duas mixtapes, a expectativa recai agora sobre o primeiro longa-duração do MC, um trabalho há muito esperado, mas também no que pode ProfJam construír com o selo Think Music, nos dias atuais, onde se vai afirmando como um dos mais aclamados artistas nacionais, certamente um dos mais criativos, construíndo bangers que se tornarão clássicos, desenvolvendo e alargando as barreiras do hip-hop.

“Dread eu vim matar o game, ay
Não vim sozinho, fiz a team metade do game
Tua não coube e eu vi o fade
Eu mato o jogo todo e também mato o treino”

Fotografias de Arquivo