Hip Hop Rádio

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Na escola que é o Hard Club, os Grognation são os melhores professores

No sábado passado dia 14, tivemos encontro marcado no Hard Club com os Grognation para uma aula de anatomia.

Nada é por acaso, nem mesmo a escolha desta data que o grupo revelou ser especial. Neste que foi o primeiro concerto de apresentação do álbum “Anatomia De Grog “ não houve jogo sujo nem orelhas quentes, chapadas de luva branca.

O concerto foi uma viagem anatómica onde de música a música sentimos um upgrade na forma como estas eram cantadas. Assistimos a  um trabalho que mistura a sonoridade de Sam The Kid com as ideias do coletivo, mas também tivemos a oportunidade de viajar a sons mais antigos que o público ia pedindo. Estes professores da “nova” escola andam na via há mais de 10 anos e com eles não há o politicamente (in)correto: $em avisar, lá foram dando a sua aula, examinando o body desde a cara ao calcanhar.

No próximo sábado, dia 21, vamos ter a segunda vaga desta apresentação no Time Out Market. Deles podem esperar a máxima energia e máxima entrega porque nem faria sentido de outro modo.

Nós vamos lá estar, e tu? Vais mesmo perder a aula com os melhores professores de Portugal e arredores?

QUEIMA DAS FITAS PORTO 22: O lembrete que todos precisávamos

Passado tanto tempo desde a última edição da queima das fitas, não havia melhor maneira para voltar: uma semana cheia de Hip Hop.

O que para  muitos significava apenas o início do mês de maio, para os estudantes aquela noite de sábado a bater a 00h significava o início da melhor semana do ano. Loner Johnny foi o primeiro a estrear o palco principal do Queimódromo ( e deixem-me que vos diga que a tarefa não podia ter sido melhor entregue). A nave vai em tour e nós fomos com ela porque o verdadeiro Trapstar mostrou-nos  que nem o DAMN/SKY é o limite.

Sem adornos, banda ou qualquer tipo de “distração”, Profjam sobe ao palco apenas depois do espaço estar todo arrumado e só existir uma coisa no palco: ele próprio.  Na plateia, o pessoal estava eufórico.. Prontos para gritar WOUW. Prof, desta vez todo #000000 e não #FFFFFF, estava pronto para matar o game. Não estávamos em Malibu mas parecia: energia quente e intensa que só uma água de coco poderia fazer arrefecer o ambiente. 

Domingo é dia de família e o Julinho KSD e o Plutónio encarregaram-se de não falhar com a tradição.  Julinho trouxe as suas influências Cabo Verdianas ao palco do Queimódromo, pois só assim é que Sabi na Sabura.  Acompanhado do coletivo Instinto 26 e do seu mix cultural, atuam todos sincronizados como se o beat falasse com eles. Deste concerto só se podia esperar duas coisas: frescura e originalidade.  Plutónio é, tal como o Julinho, um artista que tem as suas origens vincadas onde procura sempre encontrar um equilíbrio entre o rap e o R&B, entre a dança e a vida de rua. 

A sua atuação teve toda uma preparação demorada não quisesse contar algumas Histórias da sua Life com o palco organizado visualmente.  A sua identidade é inconfundível no entanto pode confundir os mais sensíveis: Desde o rap cru, ao rap cantado, ao rap agressivo, ao rap emocional… Disse e repito,  Plutónio é assim que canta, é assim que atua e é assim que é – inconfundível. 

Quarta feira foi dia de Wet Bed Gang e Dillaz. Foi a primeira noite esgotada da queima, mas também, pudera não é? Por muito que já fossemos a meio da semana e isso pudesse significar algum cansaço, a cabeça só sabia dizer go, go, go. 

Não foi a primeira vez que Wet atuaram na queima das fitas, mas pareceu. Porque destes Filhos do Rossi, Malucos e Sem Juízo nunca se sabe o que se esperar. Não importa de onde éramos, naquele momento éramos todos do mesmo Bairro não querendo ninguém Voltar para Casa.  Selvagens, sem remorsos e imparáveis, são assim, inesquecíveis. Porque goste-se ou não se goste, é impossível ficar indiferente à vibe deste grupo. E isso foi, mais uma vez, comprovado. 

Quanto ao Dillaz, este nunca tinha pisado o palco mas parecia que se conheciam desde sempre. Diz-se por aí que a música é a oitava maravilha do mundo e o Dillaz não poderia ter arranjado melhor sítio para esta morar:  no Oitavo Céu

Se com ProfJam sentimos a vontade de beber água de coco, Dillaz abriu-nos o apetite para a salada de fruta mais exótica de sempre: Só com Maçãs, Mangos e Papaias.  Este protagonista mostrou-nos que não há caminho errado e que sonhar nesta vida não chega.  Entre as variações de sonoridades que prometem, vimos Dillaz, ou André como preferirem, a transcender e quebrar barreiras, finalizando da melhor maneira esta que foi a primeira noite esgotada da semana: com saudade. Infelizmente, a semana estava a chegar ao fim e a queima das fitas despedia-se do Hip Hop na penúltima noite (sexta feira) com Nenny.

A Nenny representa a jovialidade, a frescura e a wave da  música de hoje e de amanhã, mas tem em si também uma maturidade fora de série. Proporcionou-nos um dos  momentos mais emocionais da semana: chamou a sua mãe ao palco e juntas cantaram intensamente para todas as Donas Marias do Mundo. A ementa era sushi e uma boa dose de tequila à mistura. Nenny, com a sua aura jovem e cheia de energia, não deixou o público ficar indiferente tornando assim a segunda e última noite da semana esgotada inesquecível. 

Assim foi a queima muito esperada pelos estudantes que há 2 anos já não a viviam: intensa, cheia de música para todos os gostos, e acima de tudo, um lembrete de como é bom voltar à normalidade. 

Maze: “É isso que me alimenta: continuar a pôr-me em rimas”

Várias são as estradas que Maze já percorreu, trajetos com vista para rimas e ideias, longos caminhos onde a gravilha pisada sempre foi feita de letras. O novo projeto que junta o membro de Dealema ao produtor Spock pauta-se pelo registo de spoken word e vê a luz do dia após longo processo de maturação. “Simbiose” é uma longa viagem composta por 20 temas. Entre devaneios e confissões, o novo álbum foi apenas ponto de partida para uma conversa que teve a palavra ao centro.

Começamos o álbum com um aviso à tripulação, umas primeiras palavras que contextualizam o ouvinte. Pedia-te exatamente este mesmo jogo: para quem ainda não carregou no play, o que é que vai poder encontrar?

A primeira faixa começa como se estivesse a receber o ouvinte para essa viagem, como se o estivesse a receber no veículo que é este disco. É um disco com vinte faixas e muitos ambientes, com um percurso delineado para passar por vários pensamentos, sentimentos e induzir vários estados. Todas as faixas estão ligadas em pequenos pormenores que dão essa cola ao disco. Quer eu, quer o Spock, gostamos desses álbuns à antiga que contam histórias e têm um fio condutor. É dessa viagem que este disco se trata, obrigar o ouvinte a ir para esse sítio interno de estar a ouvir as minhas palavras – ver-me quase como um espelho – e ver-se a ele refletido.

Em “Missiva”, referes “o spok deu o mote, eu soltei palavras”. Como é que foi o processo criativo? Ainda para mais quando existe um longo tempo de produção foram três anos.

Essa rima é muito especial porque nasce tudo precisamente daí. Quando eu digo que o “spock deu o mote” refiro-me ao momento em que ele comunicou comigo e enviou-me alguns beats. O beat que deu origem a “O Negro Luto”  ressoou completamente em mim. Escrevi logo a música e  foi aí que começou a nossa ligação, há mais de três anos. A partir do momento em que a tivemos cá fora percebemos que tínhamos um longo caminho pela frente, porque os nossos estilos encaixavam perfeitamente e eu tinha muitas coisas para dizer nos ambientes que ele cria: revejo-me completamente no trabalho dele. Então essa faixa foi mesmo fundamental. Depois a nossa relação foi crescendo: começou com um contacto digital e de repente cresceu para uma relação de amizade, fomos acompanhando as transformações de vida um do outro, ao longo destes anos, à medida que íamos construindo este disco. É uma história bonita.

Trabalharam de forma presencial?

Completamente. Quase todas as faixas foram gravadas antes de entrarmos nessa reclusão forçada. Depois fomos ultimando e fazendo algumas coisas digitalmente nesse período e regravámos uma ou outra, já depois do confinamento. Este disco já está feito e a parte criativa está fechada há algum tempo.

E como é essa parte criativa? Escreves muito de “rajada” ou editas-te muito?

Depende. Por exemplo, o trabalho que fiz com o Azar Azar, “Sub-Urbe”, escrevi-o numa semana. Este disco foi uma coisa muito mais maturada em que ia recebendo os instrumentais, ia pegando nos que me diziam algo naquele momento ou em que estava no estado de espirito para escrever naquele dia. Foi um processo mais demorado e ainda bem. Tive tempo para o amadurecer e para o ver com mais distancia e para criar essa cola que faz a passagem das músicas e que as junta todas nessa simbiose. Algumas até reescrevi: fui aprimorando porque havia esse tempo de não pôr o disco cá fora.

“Não fabrico a partir da literatura dos outros” referes em “Densidade do Vocábulo”. Ainda assim, contas com várias referencias. “Sem Arrependimentos” começa com um poema de Mário Quintana. Qual é a tua relação com as palavras dos outros? Lês muito ou ouves muito fora do universo Hip-hop?

É uma boa pergunta, confronto-me com ela várias vezes internamente. Gosto muito de ler, prosa e poesia, porque escrevo e vou gostando de perceber o outro: o outro vai-me mostrando que eu também tenho coisas para criar que são minhas. Gosto de ver outras perspetivas. Mas sempre com essa distância que eu falo nessa música. Eu vou-me compondo de coisas que vou absorvendo, como uma esponja, mas quando crio, apesar de ter isso tudo cá dentro, sai tudo da minha essência e da minha voz própria. Faço uma reciclagem e uma separação sempre que estou a criar, faço quase a pergunta de “isto é meu?”, “de onde é que isto vem?”, porque para mim só faz sentido se for realmente meu. Mas, de facto, nós somos compostos por tudo o que vamos absorvendo na vida não só as nossas experiências, mas também o que vamos lendo, vendo. Uma professora minha citava muitas vezes um autor e dizia: “nada nasce do nada, o novo nasce do velho. Por isso é que é novo”. As coisas que nos compõem alquimicamente transformam-se para gerar alguma coisa nova. E eu tento fazer sempre isso. Não copiar fórmulas. Olha o exemplo do rap português: a minha relação com o rap português é de alguma distância. Não consumo muito, vou ouvindo algumas coisas que eu reconheço e admiro, mas não consumo diariamente. Ouço discos, mas não os repito, precisamente porque quero impedir essa contaminação que fica a um nível subliminar. Às vezes ficam aqui coisas que não sabemos bem porque é que ficam e depois já estamos a usar a voz do outro, um flow ou uma expressão. Eu tento minimizar isso.

Recuando ao tema do tempo, que refere Mário Quintana, em “Que horas são?” são bem vincadas as mensagens referentes à fome, refugiados e guerra. É urgente sermos ativos?

É muito urgente começarmos a crescer em empatia, já deveria ter sido um exercício que deveríamos ter feito há muitas décadas. Estes processos de evolução de consciência são muito lentos e, como eu digo nessa música, espero presenciar coisas que acredito que possam acontecer nesta encarnação. Acho que estamos num ponto de viragem em que tem de haver um despertar massivo, não só um despertar, mas uma chamada para a ação direta, para nas nossas vidas pormos em prática e sermos essa engrenagem que causa transformação a cada dia, em cada pensamento, em cada emoção.

“O Negro Luto” é a faixa mais pessoal e íntima de todo o álbum. A escrita serve como terapia? 

Comecei a escrever por causa disso: queria-me resolver. Comecei a fazer esse trabalho interno e percebi que a escrita tem esse efeito transformador. Tenho-o feito ao longo de toda a minha carreira, mas agora estou num ponto diferente. Não consigo que as minhas letras não tenham esse conteúdo autobiográfico que me resolve, mas mais do que isso estou numa fase da vida em que estou dedicado à pedagogia e quero é ensinar essas fórmulas e passa-las aos jovens. Acredito que a transformação resulta fundamentalmente de uma mudança a nível educativo.

Em “Viva” referes exatamente isso “tenho a alma em rimas”…

Vou espremendo a minha alma e vou-a transformando em versos que depois canto, que vão parar aos ouvidos das outras pessoas e que ficam a ressoar nelas. É um ciclo. Depois elas vêm ter comigo e dizem que se viram refletidas em mim e fecham o ciclo aí. E isso é que me alimenta: continuar-me a pôr-me em rimas.

Já vais em trinta anos de carreira…

Não faço muitas contas (risos). Tenho 43, devo ter começado a escrever aos 15, já deve ser por aí…

No final de tantos anos, o que é que te falta escrever?

Falta-me escrever muita coisa. Sinto que vou tendo uma produção constante quer em discos meus ou participações, mas até aqui foi um processo de escrita para rap, como rapper, pelo menos do que pus cá fora, e estou a chegar a uma fase da vida em que a minha relação com a palavra está a transformar-se. Não vou deixar de ser o rapper que sou e que sempre que fui porque gosto de escrever neste formato de rap, mas começo cada vez mais a pôr os meus poemas de outra forma e ir por esta estrada da spoken word…

Este álbum nasce exatamente daí…

Completamente e tenho gravado coisas que vão nessa direção. Mas o que me falta escrever é muita coisa em prosa e tenho a certeza que nos próximos anos está reservado para mim dedicar-me algum tempo a escrever em prosa, escrever livros. Acho que é o que me falta escrever.

E ir mesmo por esse caminho, não digo deixar a música de lado, mas…

Não, não. (Risos) Isto tudo em simultâneo. Nunca são coisas que anulam as outras. Eu não deixo de ser o rapper que sou só porque faço uns temas de spoken word, ou recito poesia acapella, ou porque estou a escrever livros ou a pintar telas, estas coisas convivem; a criatividade em mim vai-me guiando, vai-me pedindo para sair. É só uma questão de eu perceber qual é a melhor ferramenta de eu pôr cá fora o que eu preciso de extrair de mim.

“Simbiose” é “um ponto de luz” que pretende criar novas estradas. Por onde é que vais levar este projeto?

É mesmo isso: é uma viagem que te leva a um sítio, a um ponto de luz que atravessa e nasce uma nova realidade. E isso é uma continuidade. Eu e o Spock durante o processo todo percebemos que temos muitas músicas para fazer e que queremos dar continuidade a este disco. Já há músicas na calha, já há temas alinhados e esboçados para fazermos um novo trabalho ainda com este fresco cá fora. Este disco vai ter continuidade certamente para breve. O Spock continua nas estradas dele, tal como eu nas minhas, enquanto vamos fazendo este trabalho. Vou abraçando essas estradas novas que me surgem e que estão muito relacionadas com a palavra, mas noutro formato, mais nessa palavra dita.

Unidigrazz: “Queremos mostrar às crianças que também podem fazer coisas noutros sítios sem ser na rua”

A Hip Hop Rádio marcou presença na inauguração do novo ciclo de exposições do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), que conta agora com “Prisma” da autoria de Vhils, “Naturezas Visuais – A Política e a Cultura do Ambientalismo nos Séculos XX e XXI” com curadoria do primeiro Coletivo Climático do MAAT e “Interferências – Culturas Urbanas Emergentes”, com a curadoria de António Guterres, Alexandre Farto (aka Vhils) e Carla Cardoso.

Não desfazendo todas as exposições que vimos e tendo já entrevistado Vhils sobre a sua nova instalação, disponível para ouvir aqui, fomos convidados agora a entrar num mundo das mais variadas “Interferências” para visitar, nas palavras de António Brito Guterres, “ a cidade, mas desenhada pelas vozes de quem lá mora”.

Esta exposição carateriza-se por afirmar diferentes expressões da cultura urbana, explorando itinerários narrativos da cidade através de um diálogo que privilegia o museu enquanto espaço crítico, lugar de encontro entre várias comunidades e sensibilidades – as instaladas que o frequentam e as subalternizadas que o desconhecem -, ponto de partida para novos começos.

Nas palavras de António Brito Guterres, que introduziu esta parte da exposição, esta é também “uma exposição que fala um pouco da construção da cidade desde 1974 até hoje, da revolução de Lisboa e Democracia, sendo fundamentalmente sobre a área metropolitana. Funciona de acordo com uma certa cronologia, mas também grupos temáticos, sendo possível encontrar um diálogo entre obras conhecidas que estão em coleções em contraste com novos artistas”.

Estes “grupos temáticos” têm os nomes de “Contra a Mudez das Paredes”, “Coerção, Resistência e Identidades”, “Desenho de Cidade Comum, Nós por Nós e Cidade Rede”, “Direito ao Imaginário” e “Padrão”, que contam, no seu todo, com obras de MaisMenos, Abdel Queta Tavares, Alfredo Cunha, Ana Aragão, Ana Hatherly, António Contador, António Cotrim, Blac Dwelle, Carlos Bunga, Ernesto de Sousa, Gonçalo Mabunda, Herlander, Isabel Brison , Julião Sarmento, Julinho KSD, Kiluanji Kia Henda, Luís Campos, Lukanu, Mantraste e moradores do PER11, Marta Pina, Marta Soares, Mónica de Miranda, Nuno Rodrigues de Sousa, Rodrigo Oliveira, Tony Cassanelli (Aurora Negra), Wasted Rita, Né Jah, Primero G, Rico Zua, Apollo G, G Fema, Tropas di Terrenu e The real gunz.

Para além de todos estes talentosos nomes, juntam-se ainda à exposição os artistas convidados: António Alves, Carlos Stock, Diogo “Gazella” Carvalho, Diogo VII , Fidel Évora, Filipa Bossuet, Herberto Smith, Obey SKTR, Petra Preta, OnunTrigueiros, Rappepa Bedju Tempu, ROD (Rodrigo Ribeiro Saturnino), Sepher AWK, Tristany, Unidigrazz e xullaji.

Orgulhando-se de ser uma exposição que procura dar visibilidade a outras dimensões da cidade,  “Interferências” “coloca em diálogo obras de artistas contemporâneos que usam as ruas como contexto de expressão e experimentação e obras de coleções institucionais e privadas” contribuindo para a exaltação de uma narrativa que permite ao público refletir sobre como culturas urbanas contribuíram para o desenho da cidade de Lisboa e desta nova metrópole, também na espectativa de vincular o -algo tardio- início da cimentação da cultura urbana em espaços institucionais.

Falando de novas vozes, já há muito em diálogo, chegamos a Unidigrazz, um coletivo oriundo de Mem-martins, Sintra constituído por Diogo “Gazella” AWK, OnunTrigueiros, Rappepa Bedju Tempu, Sepher AWK e Tristany.

Ao entrar nesta parte do museu somos de imediato recebidos pelas bandeiras de Tristany, que contam com a letra de “Hinu Digra” escrita nas mesmas, enquanto se ouve a música a ecoar na entrada, o mote que serviu de perfeita introdução ao que se avizinhava, com uma das mais imponentes peças de toda a exposição, a meu ver, logo ao virar da esquina, pela autoria de ROD (Rodrigo Ribeiro Saturnino): uma faixa cor-de-rosa choque pendurada, com a frase “Não foi descobrimento, foi matança” pintada com tinta preta.

Passando por obras de vários ilustres artistas como Filipa Bossuet, Herberto Smith, Obey SKTR e Petra Preta, chegamos ao apelidado “cubico” de Unidigrazz, uma reinvenção de uma sala de estar, recheada de arte estática ou em movimento, convidando qualquer um a entrar.

Depois das cordiais apresentações de cada membro do grupo, dando ênfase ao facto de faltar um membro do coletivo, Rappepa Bedju Tempu, procedemos a uma conversa para tentar aprender um pouco mais sobre este coletivo, a sua arte e quais os seus principais objetivos, assim como significado que trazem para esta exposição.

Falem-nos um pouco sobre como surgiu este coletivo.
[Tristany] Já nos conhecemos direta ou indiretamente desde o básico/secundário e da convivência da rua. Mas intencionalmente, antes da Unidigrazz, há muitos outros movimentos que antecedem como a Awake?, os Monte Real, houve uma tentativa também inicial onde por exemplo os Instinto26 faziam parte, o ari.you.ok , ou seja, haviam várias cenas que antecederam o coletivo Unidigrazz. E na construção, em casa do Diogo Carvalho, do início do trabalho visual para o Meia Riba Kalxa, o Diogo,  eu, o Nuno e o Rapepaz começámos com uma ideia bastante descontraída e relaxada de estarmos ali unidos a fazer uma coisa digra. E a defender essa estética. Pronto, isto é um bocadinho, todos nós temos conceções diferentes do que é a Unidigrazz e de como começou, em meados de 2018.

E surgiu então de uma necessidade de fazerem algo digra, como estavam a dizer, de passar essa mensagem.
[Diogo “Gazella” Carvalho] Surgiu mesmo da necessidade de criar. Da necessidade também de dar identidade a algo que já estava a ser construído a algum tempo, então saiu esse nome, de digras unidos, Unidigrazz, e conseguimos com esse nome dar também uma identidade forte ao nosso grupo e depois mais tarde o Sepher também entrou para o coletivo.

E reúnem as mais variadas formas de arte. Têm as artes plásticas, a música, o graffiti, o cinema também. É certamente uma mais-valia, serem um único coletivo que dispõe de talento em todas essas áreas.
[Diogo “Gazella” Carvalho] Sim, acho sempre que quando há mais escolha é sempre melhor e como nós temos este leque assim tão grande de artes também nos vamos entreajudando, um bom exemplo foi o projeto Meia Riba Kalxa. Vamo-nos entreajudando e também conseguindo bem representar e dar rosto (melhor), por termos assim tanto leque. Melhor a quem não tem ou a quem se calhar não consegue chegar a certos sítios, não por falta de capacidades, mas por falta de oportunidade.

E sentem que podem dar essa oportunidade, através da vossa própria curadoria, por também terem ligações mais próximas com outros artistas destes meios?
[Sepher AWK] É mostrar se calhar que é possível, mostrar às pessoas desse meio de onde nós viemos e vivemos e criamos e mostramos, mostrar que é possível alcançar estes objetivos assim, tás a perceber? E conseguir fazer as coisas acontecer mesmo de alguma maneira, vá de certa maneira, começar de um patamar diferente, mas mesmo assim conseguimos. Aquela consequência de todo o trabalho que já consumimos e nos influenciou, queremos poder conseguir ser essas mesmas pessoas e ajudar nessa evolução e desconstrução de bué assuntos da sociedade também e conseguirmos esse lugar.

Estavam a falar de influências, têm algumas influências para o coletivo e para os projetos que desenvolvem?
[Onun Trigueiros] A nossa influência acaba por ser todo o nosso meio que nos rodeia, todos os nossos amigos, a nossa família, os nossos passados em termos artísticos e coletivos e sim, acho que, de certa forma, a maior parte da inspiração que tiramos é daí. Depois também pegamos nessas pessoas e transformamos para os nossos trabalhos de forma mais subjetiva, não exatamente tão relatada como é, mas sim, damos o nosso toque e é isso.

Embora seja uma exposição muito extensa, é possível identificar que um dos pontos em comum parece ser explorar a ideia de que a poesia está nas ruas. Este é um statment com o qual concordam? Que é da rua que vêm talvez as formas mais autênticas de arte e dessa expressão cultural?
[Tristany] Imagina, eu acho que o nosso convite aqui foi muito até ir de encontro a esse mindset, porque facilmente se romantiza a rua ou o subúrbio ou a periferia como um lugar propício para as pessoas criarem ou começarem a ter narrativas boas para se criar. Aquilo que nós estamos a tentar fazer é através do cubico, de dentro, fazer surgir essa narrativa, porque nós não vivemos na rua, felizmente (risos), mas infelizmente o nosso único espaço, onde nós podemos estar, é a rua, e mesmo assim muitas vezes esse espaço é negado e oprimido. E também é importante dizer que a Unidigrazz quer-se digra, mas no sentido mais sensível, no sentido mais de afeto, de amor, porque inicialmente, ou se calhar o primeiro impacto, de tudo aquilo que é digra, é sempre visto como  muscular ou reivindicativo, marginal, ao mesmo tempo exótico, né? Distante. Então o que nós queremos é, acho que uma das nossas maiores narrativas é que digra seja um…
[Sepher AWK] Que não tenha medo de sentir.

Que não tenha medo de mostrar afeto.
[Tristany] Exato, uma pessoa mais sensível.

Essa pode ser vista como uma abordagem bastante fresca para trazerem para esta exposição, embora já se encontre bastante presente na tua (Tristany) música e nas tuas letras, por exemplo. Sempre foi algo que tentaste expor na tua arte, que é okay sentir e é importante ter esse lado mais soft, digamos assim.
[Tristany] Exato, eu não diria fresca, porque acho que sempre existiu. Sempre foi sentido, acho que é por aí.
[Diogo “Gazella” Carvalho] Como dizes, até se ouve nas letras, sempre existiu, acho é que estava mais oprimida, se calhar.

Sentem que agora há a possibilidade de lhe dar uma visibilidade maior?
[Tristany] Sim, mas não é agora que ela existe, e não é certamente por causa de nós ou disto, porque toda a gente sente amor e é algo que se deve mostrar.
[Diogo “Gazella” Carvalho] Tu vês pelas letras de rap lá de tempos mais atrás, em várias periferias, que já há essa necessidade também de deixar sentir, deixar que o digra voe.
[Tristany] Exato. E que não tenha medo disso tudo.

E qual é a mensagem que esperam que fique desta exposição?
[Onun Trigueiros] A mensagem que acho que nós todos pretendemos é… queremos fazer isto chegar ao máximo de pessoas possível e dar a conhecer um pouco a nossa história, quem somos e pronto, basicamente é isso, mostrar às pessoas e acho que às crianças também, principalmente às crianças, que também podem fazer coisas noutros sítios sem ser na rua. Se calhar nós crescemos e não tínhamos assim tantos artistas nos quais nos podíamos inspirar, mas hoje em dia nós queremos sair cada vez mais e dar esse…fazer sentir às crianças, passar a essas pessoas que é possível e que também podem sonhar com isso, que é possível. O objetivo é esse.

Por onde é que passa ainda, na vossa opinião, o diálogo de ser necessária mais representatividade neste ramo artístico? O que ajudaria a trazer mais iniciativas como estas, mais exposições como esta, a sítios com mais visibilidade?
[Tristany] Termos acesso. E isso deixa de ser uma questão.
[Diogo“Gazella” Carvalho] Reivindicar, como tinha dito na apresentação, um lugar que já é nosso, ‘tás a ver, mas que muitas vezes não é dado e revindicá-lo. Nós temos que ter acesso, temos que ter espaço também para conseguir mostrar, para conseguir criar e ter, se calhar, também uma maneira de viver diferente do que normalmente é mostrado, ou que deixam mostrar só, que a linha de Sintra e todas as periferias não seja só um sítio para ir dormir, mas também um sítio para criar, para fazer acontecer, não só arte, mas todo o movimento, que deixem as pessoas também de lá sonharem e terem outra maneira de vida.
[Sepher AWK] Seja o sonho que for. Mostrar às pessoas que é possível sonhar.
[Tristany] E que não precisamos de ir para Lisboa para consumir cultura.
[Sepher AWK] Existe bué cultura na linha de Sintra. Na periferia. Bué. Bué lugares que ninguém conhece, então acho que é mostrar esse lado.

Pode ser que agora passem a conhecer também, e a mostrar um maior interesse.
[Sepher AWK] Sim, sim. Exatamente.

Por fim, gostava de perguntar a cada um de vocês se têm alguma peça preferida das que trouxeram para aqui individualmente.
[Sepher AWK] [risos] Olha, o filme do Diogo é o melhor filme de 2022, pá, lamento Scorsese, toda a gente aí…

Fica a dica.
[Sepher AWK] Chama-se Nha fidju.

E há algum sítio para ver esse filme, sem ser aqui?
[Sepher AWK] Venham à nossa exposição, fica aqui [no MAAT] até setembro, mas vai estar disponível no Vimeo, o Diogo há-de tratar disso.
[Diogo“Gazella” Carvalho] E estamos aí a tratar de umas coisas se calhar… Nha fidju. Fiquem atentos .
[Onun Trigueiros] A minha peça preferida do Sepher é a das camadas.
[Tristany] Eu gosto bué da 1995 do Nuno Trigueiros.
[Diogo“Gazella” Carvalho] E eu gosto muito das bandeiras do Tristany, que estão lá na entrada.
[Onun Trigueiros] Mas o Rappepa também é muito forte…

Uma das minhas peças preferidas é este vitral pintado no teto, que foi o Rappepa que pintou, certo?
[Onun Trigueiros] Exato, é isso.

Braga a bordo do Expresso do Submundo

Os anos passam, o brio permanece. Se por um lado se cimenta a maturidade de Dealema, por outro continuam bem vincadas a irreverência e ousadia que os acompanha desde 1996. O Expresso do Submundo atracou em Braga e o Lustre abriu portas a uma noite pautada por um ambiente familiar, onde foram várias as notas de humor que pintaram aquela que se tornou, por momentos, a nossa casa.

DJ Guze girava os primeiros discos e a porta de entrada não tinha descanso: era longa a fila de pessoas que esperava entrar já a pensar na abertura do concerto. Rato54 entra para aquecer e afinar as vozes da plateia, iniciando o bom ambiente da noite: foram excelentes minutos com o rapper portuense, que só souberam a pouco porque o tempo que lhe era destinado era curto.

Mundo Segundo põe o pé no palco e atrevidamente pica o público, “toda a gente já se tinha esquecido de Dealema?”. O último concerto pré-pandemia de Dealema tinha sido neste mesmo palco para onde agora subiam . “Bom dia”, emana alegria por todos os cantos do Lustre. Seguidamente, vamos até ao Fado Vadio e, posteriormente, Escola dos 90 traz-nos recordações de um tempo que metade do público viveu e a outra metade apenas agora experienciava.

A porta foi esquecidamente deixada aberta e tons encarnados começaram a entrar no recinto. Pedia-se que se levantassem as mãos, entoava-se a uma só voz “esta casa tem demónios”; mas não só, também amor. O tema de não violência e liberdade já iniciado por Rato54, tinha agora palco:a sala do Lustre transformava-se na “Sala 101“.

Mundo Segundo prepara o publico para o que advém dizendo sem merdas que é “um dos melhores temas de sempre”. DJ Guze engana-se no beat a lançar e o MC do Porto não perde a oportunidade para referir que muitas vezes “DJ Guze é mais DJ Gozo”. A sala ri-se, o engano é a prova viva que os temos ali.

Acertadas as agulhas, emana das colunas “Brilhantes Diamantes” de Maze. Seguidamente, a bússola gira para Mundo Segundo com “Bate Palmas”. Recua-se depois até 2003 para um álbum que vai a caminho das duas décadas, “Dealema”. Entre a viagem pelos melhores temas do grupo, Expeão distribui elogios pela escrita dos colegas e confessa que está farto do rap do “blim blim”, levando a casa a reagir euforicamente. O humor continua, a energia de Expeão é contagiante, e este está tão enérgico que até faz uma bola de espelho desprender-se do teto. Mundo atira que ele é “o último rockstar”. Algo que nunca caiu foi o concerto: de faixa a faixa, entre sorrisos e batidas, escrevia-se uma bela noite de Hip Hop.

Mas o tempo não para e antes de Verdadeiros Amigos encerrar a noite, Mundo refere que nunca se sabe o dia de amanhã. O melhor será aproveitar cada concerto do coletivo como se fosse o último, pois, como nos bem ensinaram e se entoava na penúltima música da noite, nada dura para sempre.

Sérgio Godinho recriado pela mão da cultura hip hop

Até 22 de abril vão ser revelados novos singles em que se cruzam alguns dos maiores nomes da cena Hip Hop com clássicos da obra de Sérgio Godinho.

SG Gigante é o nome do projeto que pretende “recriar” Sérgio Godinho através da cultura Hip Hop. Capicua foi a responsável pela coordenação e por dar asas a este projeto, e contamos já com duas faixas disponíveis.

Que Força É Essa” é o nome da música que estreou o projeto e junta Nerve, Keso e Russa.

Com participação de Papillon, Valas, Amaura, e produção de Charlie Beats, “O Primeiro Dia” levanta mais um pouco a ponta do véu que é um SG Gigante, e este segundo single já se encontra disponível em todas as plataformas digitais.

Queima das fitas ’21: O Retorno

Sexta-feira acabou com a primeira Queima das Fitas, em dois anos, e parece que com o fim do festival académico terminou também o bom tempo. Um último dia de Queima, onde São Pedro não foi nada amigo dos estudantes, mas em que Baco esteve ao lado dos boémios e a festa fez-se à chuva, ao vento e ao relento.

Quando as portas do recinto abriram pela primeira vez, já se ouvia hip-hop nas filas que chegavam até à ponte de Santa Clara. Rony Fuego e Wet Bed Gang foram os primeiros a estrear o palco pós-confinamento. O protagonismo da noite vai para a energia do grupo de Vialonga que deixaram o público de mão no coração a cantar o hino de Portugal. “Nós sentimos que, como artistas do povo, mais que a questão pandémica é que nós sentimos que tínhamos que devolver ao povo (…) Em relação a hoje, foi uma noite histórica, enquanto irmãos, estamos na estrada há relativamente pouco tempo, desde 2017, e depois isto parou na altura em que o nosso comboio estava na melhor fase. Foi uma altura muito complicada mas que superámos muito bem e esta noite deu para lavar as nossas almas e estamos muito contentes e à espera do próximo jogo.”, partilharam os Wet Bed Gang com a Hip Hop Rádio após a atuação.

No segundo dia da Queima das Fitas, a nave pousou sobre o Parque da Cidade e Lon3r Johny trazia todos os lugares preenchidos. O artista presenteou o público com convidados como Profjam, Lhast e Cripta, e do nada, todas as expectativas tornaram-se realidade. O concerto deu-nos tudo desde bom som a bons visuais e uma vibe aliciante que fez o público entoar até ao fecho das portas do recinto. O artista ainda nos adiantou que há um álbum a caminho e já começamos a magicar onde é que a nave nos vai levar.

Após dois dias repletos de boa música, domingo e segunda feira foram dias dedicados às tradições académicas confinadas durante dois anos. Mas, ao quarto dia, fez-se Chá de Camomila e recebemos Toy Toy T-Rex bem relaxados e de braços abertos. Tivemos a oportunidade de observar todas as influências do artista em palco, o mix de toda a cultura que inspirou cada nota de som do seu projeto musical. O artista já tinha sido convidado à cidade na semana em que se regeu o primeiro confinamento, após adios e cancelamentos, T-Rex chega a Coimbra e manifesta um misto de emoções pelo calor na sua receção por parte do público. No mesmo dia, a dose de hip-hop volta a ser dupla no palco principal do recinto, e Plutónio traz do Bairro da Cruz Vermelha até aos estudantes, começando com uma clara sátira a todas as notícias precedentes ao concerto. O artista entrou em palco de uniforme típico de prisioneiro, algemado e acompanhado por dois oficiais da polícia. Não foi só a entrada que marcou o concerto, mas sim um repertório muito bem conhecido pelo público e ainda com direito a convidados como Richie Campbell.

No quinto dia, o palco principal pareceu sofrer alguns contratempos, Nenny e Julinho KSD sendo os alvos de falhas técnicas e má propagação de som. Os artistas viram-se obrigados a trocar o microfone a meio da performance e mesmo assim, quem estava para lá da frontline sabia-lhe a pouco o que ouvia, mas quem sabia a letra juntou-se à festa e correu-se contra o contratempo. Já no palco secundário, contámos com a companhia de vários Dj’s sets de Stiff, TrillSeco e Nedved juntamente com alguns artistas da Andamento Records; a estrela, contudo, brilhou quando Xtinto sobe ao palco com a participação especial de Dez no tema “Sangue Novo”. Se a voz em algum tempo falhou, havia quem soubesse a melodia, a letra, os acordes, os beats.

Para a Hip Hop Rádio o último dia foi na quinta feira com a participação de artistas como Waze durante a atuação dos Karetus; Madman e Mitcha no palco secundário deram a conhecer um pouco de Ponte da Barca aos estudantes, e Sacik Brow trouxe-nos uma vibe mais old school junto com R&B: nada melhor para uma balada da despedida. Não fiquem tristes, a chuva trouxe algo bom. Em Maio, voltamos.

Mais Um Tom de Azul – Cálculo apresentou “Royale” em Lisboa

Estávamos em pleno Halloween e a noite estava chuvosa, mas, fosse qual fosse o cenário, um concerto de Cálculo é sempre bom. O palco escolhido foi o Musicbox e a receção na capital não podia ter sido melhor.

Por Daniel Pereira \ Fotografia de Beatriz Dias

22h00 – portas abertas e uma casa (ainda) modesta – inicialmente o espetáculo seria na Casa do Capitão e dois dias antes, sendo a alteração por motivos meteorológicos. Passados dez minutos começa o concerto e a cena muda de figura. A música chama o público e o público chama a música. Quem foi, foi para ver, todos estavam à espera de ver apresentado ao vivo um dos álbuns mais melódicos (senão mesmo o mais) deste ano do rap tuga.

Cálculo percorreu todo o álbum como seria de esperar. Começou com “Quadro”, primeira faixa do disco que conta com a participação de Macaia que não esteve presente. Sem esquecer as sempre açucaradas intervenções de Steve September, houve sempre uma forte luz azul royale a iluminar o concerto. No fundo era possível ver uma alusão à “Royale Radio” e uma bela camisa azul que, confessamos, adoraríamos que Cálculo a tivesse vestido durante faixas como “Conflit$” ou “Mobile” para estas ganharem ainda mais groove.

Houve também algumas participações especiais como Nasty Factor para os temas “Boo” e “Bandida”, onde nesta última também entrou em palco Mace. Numa altura em que foram tocadas faixas de “A zul” e “Tour Quesa” como “Hugo” e “Não Paro”, Harold apareceu para “Iguais”, uma das faixas de maior sucesso do rapper de Barcelos.

“Caixinha” encerrou o concerto e o público presente foi fiel ao lema artístico de Cálculo: desprovido de (pre)conceitos e sem nunca colocar a música em gavetas, ou neste caso, em caixas.

Duas breves notas: em breve poderemos encontrar “Royale” em formato Vinil e há mais uma data de apresentação do álbum: 5 de novembro, no Hardclub.

HHR no Festival Iminente ’21: Quatro dias na Disneyland da cultura Urbana

Depois de alguns avanços e recuos e toda uma pandemia pelo meio, um dos mais míticos eventos voltou em toda a sua glória, para nos agraciar com o melhor que sabe fazer: enaltecer a cultura urbana. A Hip Hop Rádio marcou presença na décima edição do Festival Iminente, que decorreu entre sete a dez de outubro de 2021, quatro dias repletos das mais orgânicas expressões de arte, oferecendo exposições, instalações, graffiti, dança, tatuagens, e música…muita música.

Anteriormente realizado em Oeiras e depois no famoso Miradouro Panorâmico de Monsanto, este festival criado por Vhils tem agora uma nova casa:  Matinha, localizada num dos mais recentes e prolíficos focos de cultura em Lisboa, em constante expansão, o Beato, perto da Underdogs Gallery.

Desta vez com um tema relacionado com feira popular, fazendo alusão à diversão efémera, fugaz e elétrica da qual sentimos tanta falta, foi-nos proporcionado um recreio de arte espalhada, paredes outrora abandonadas vestidas de graffiti e outras obras de arte ocupando os espaços por artistas como Mariana a Miserável, Pedro Podre, Pipoca e OpenField, honrando um dos principais conceitos do festival: pegar em algo abandonado e fazer dele uma enorme instalação de arte, como tão bem sabe Vhils fazer.

Depois de mais de um ano a conter a vontade de atender a um bom festival, com copos reutilizáveis, pó, espaços cheios de gente e a correria entre palcos na esperança de apanhar todos os preferidos, o retorno teria de ser épico: e foi. Com cabeças de cartaz de luxo como Slum Village e The Alchemist, capazes de fazer qualquer hip hop head largar tudo e ir, a vasta oferta de performances não ficou por aí, podendo contar com mais de 50 artistas distribuídos ao longo de quatro dias cheios de cultura, na sua maioria esgotados, não diferindo muito das edições anteriores.

A festa nunca parou, tomando lugar em três palcos, para além de todo o recinto que respirava arte: Palco Gasómetro, com maior capacidade, o Palco Choque, uma literal pista de carrinhos de choque e o Palco Cine Estúdio, que nos matou as saudades de uma boa estufa de calor humano e entusiasmo.

Começámos o primeiro dia logo com uma grande voltagem de energia, numa data que parece ter sido estipulada para dançar, como tanto tínhamos saudades. Honrando o sentimento, a primeira atuação vista foi uma batalha de breakdance no Palco Choque, que mais tarde continuou no Skate Park. Acontecendo duas vezes por dia, as batalhas de breakdance revelaram-se como uma das mais entusiasmantes performances a não perder, reunindo sempre uma grande e entusiasta multidão para as ver, sempre acompanhadas pelo host Wilson e thebboywannabedj.

Não abrandando na energia e adicionando-lhe mais uns quantos volts poderosos, dirigimo-nos ao Palco Gasómetro para ver Pongo, num concerto que incendiou o palco, a plateia e todos os que poderiam estar a ouvir, mesmo que de longe. Este concerto foi a personificação de tudo o que mais sentimos falta, a energia radiante e unida de todos os presentes, o cantar em uníssono, a dança desenfreada, os empurrões, coros e pó levantado; tudo isto coordenado pela artista, que dançou e cantou incansavelmente, levando-nos desde hits como “Bruxos” -que apresentou no A COLORS SHOW – a uma nova versão de “Kalemba (Wegue Wegue)“, não fosse ela uma exintegrante de Buraka Som Sistema. A artista chegou a saltar do palco e ir dançar para o meio da multidão, tal não era a energia sentida, naquele que foi um verdadeiro grito desafogado de liberdade em forma de concerto.

 Seguiu-se Herlander, artista lisboeta que espalhou magia para uma também considerável multidão, desta vez no Palco Choque, e voltámos para o palco principal para ver outra das cabeças de cartaz da noite, Plutónio.

Não se afastando muito da energia sentida em Pongo, Plutónio veio devolver algo há muito em falta: um moshpit, ao som de “Cafeína”, um dos seus mais conhecidos temas. Este concerto serviu para mostrar que o público nunca parou de ouvir as músicas que mais gosta, como o próprio agradeceu pelo feito, tendo como prova disso o coro de vozes em uníssono, que respondia a todas as músicas apresentadas. Este coro explodiu em “Lisabona”, validando os versos: “Depois do coliseu, a única coisa que bateu mais que eu foi o corona”.

O ritmo não esmoreceu, passando desta vez para o palco Cine Estúdio com Scúru Fitchádu, numa performance de pura garra e calor humano, e seguiu-se o Palco Choque, que não estava menos cheio, onde uma multidão fez papel de carrinho, na área dos carrinhos de choque e se agrupou para ver DJ Glue. Este icónico DJ eletrizou todo o recinto, com remisturas de hinos do rap, do mais antigo ao mais recente, arrancando aplausos e gritos da plateia.

Em simultâneo estava a acontecer o concerto de DJ Shaka Lion no palco principal, numa onda mais reggae, naquele que foi um dia de triunfo para DJ’s. A noite acabou honrando este facto, de forma explosiva, com DJ Ride a causar estrago no palco Cine Estúdio, com uma destreza invejável, exibindo diversas técnicas de scratch e domínio da mesa de misturas.

Ainda a recuperar do dia um, seguiu-se o que considerámos o dia mais aceso do festival. Para além da promessa da enorme cabeça de cartaz reservada para este dia, The Alchemist, avizinhava-se um verdadeiro arraial de dança com nomes como Julinho KSD, Dino D´Santiago, Cintia e Holly.

Começando pelo concerto de Julinho KSD, naquela que foi a tão esperada apresentação ao vivo do seu primeiro álbum “Sabi na Sabura”, sentiu-se no ar toda a libertação após ano e meio de dançar em casa. Com convidados como Dino D´Santiago para cantar o tema “Kriolo” e Instinto 26 para cantar os hits “Gangsta”, “Sólido” e “Bandidas”, o público não parou um segundo, dançando ao som dos ritmos quentes e dançáveis de populares temas como “Mama Ta Xinti”, “Sentimento Safari” e “Hoji N´Ka ta Rola”. Este concerto terminou com uma roda, que levantou muita poeira ao som de “Stunka”.

De seguida dirigimo-nos ao Palco Choque para mais uma eletrizante performance, desta vez pela parte de Cíntia, que também fez uma multidão dançar ao som de populares temas como “Savana”, “African Queen”, “Grana” e um dos seus mais recentes singles “Je t’aime”. Este mesmo palco acolheria mais tarde HOLLY, que manteve em chamas todos os presentes, com ávidos remixes de obras como “Donda” de Kanye West, envergando uma sweat estampada com o nome e imagem de um dos grandes nomes do hip hop, DMX, falecido recentemente.

Este dia contou com uma das mais aguardadas e entusiasmantes performances: The Alchemist, uma verdadeira lenda no que toca a produção. Depois do aclamado álbum “Alfredo´s” que partilha com outro dos maiores nomes do hip hop atual, Freddie Gibbs, o artista preparava-se para atuar para um recinto cheio de pessoas que envergavam o merchandising da obra, em pulgas para ver um dos maiores produtores existentes, diretamente da Califórnia. The Alchemist encheu o recinto do Palco Gasómetro, onde fãs deliraram ao assistir a um puro espetáculo de mistura de poções, fazendo jus ao nome, obtendo as maiores manifestações de entusiasmo com a batida de “$500 Ounces”, ou qualquer outra faixa presente em “Alfredo´s” e beats que pareciam estar a ser cozinhados à nossa frente.

O penúltimo dia de festival não esmoreceu em termos de cabeças de cartaz de luxo, sendo o prato principal desta vez Slum Village, diretamente de Detroit.

A festa começou no palco Gasómetro com GHOYA, rapper criolo, que contou com leais fãs nas primeiras filas a cantarem os seus temas. Seguiu-se Tekilla no Palco Choque, que encantou mais uma vez com temas como “Sinónimos”, faixa que partilha com Sam The kid, “Love You”, uma das preferidas do público e mais canções do seu mais recente álbum “Olhos de Vidro”.

 O Palco Gasómetro foi ainda pisado por Chullage com o seu projeto Pretú, onde cativou toda a audiência com as suas letras carregadas de mensagem, sobre beats mordazes, alguns em colaboração com grandes nomes como Scúru Fitchádu e Cachupa Psicadélica.

 Mais tarde foi a vez de Nenny se estrear neste festival, para uma multidão enorme que ansiava a performance de temas como “Tequila” – também presente em A COLORS SHOW-, “Bússula” e “Sushi”. O principal destaque foi, no entanto, para a música “Dona Maria”, onde a artista chamou ao palco a sua mãe, acompanhada de vários familiares, para dedicar esta profunda canção, num momento que não deixou ninguém indiferente, em busca de lenços para toda a emoção sentida.

Sem grande tempo para recuperar de tanta emoção, seguiu-se um dos momentos mais altos da noite, Slum Village, que proporcionaram um concerto que ficará para sempre na história. A performance de conhecidos temas como “The Look of Love”, “Selfish” -que partilham com Kanye West- “Fall in Love” e inúmeras menções e homenagens a J Dilla vieram mostrar como se faz, num display assertivo de MCS old school, que sabem como levar uma plateia à euforia.

Seguimos para dar mais uma volta no Palco Choque onde atuou Carlitos Lagangz, rapper que deu uma aula de drill internacional aos ouvintes, colados a colunas que quase rebentaram com a agressividade das batidas.

A noite terminou com um DJ Set esgotado de Branko, que fez todo o recinto, na sua capacidade máxima, dançar ao som dos seus temas, não fosse também ele um ex-integrante de Buraka Som Sistema. A quem sobrasse dúvida, podia verificar por todo o merch, vestido pelos fãs presentes no recinto.

Não menos entusiasmante foi o quarto e último dia de festival, que arrancou com a performance de um dos mais icónicos gaienses, David Bruno, acompanhado pelos seus fiéis e talentosos comparsas, Marco Duarte e DJ António Bandeiras.

 Num trio apelidado por David Bruno como “Os power rangers de Rio Tinto”, com indumentária à altura, constituída por e somente um fato de treino, estes artistas brindaram-nos com as habituais histórias, interação com o público, crowd surf de António Bandeiras e o lançamento da regueifa e rosa de António Bandeiras, num concerto que nunca nos cansamos de ver, por ser sempre diferente, divertido e, especialmente, único.

A noite contou ainda com Pedro Mafama, na apresentação do seu novo disco “Pelo Rio Abaixo” e  Eu.Clides, que mostrou os seus dotes de cantor e produtor, tendo encantado todo o público do palco Cine Estúdio.

De destacar ainda a incrível e derradeira batalha de breakdance que ocorreu no Palco Choque, onde nem o público esteve a salvo. Os moves apresentados numa que foi uma das mais e impressionantes exibições de talento em todo o festival, acompanhados da reação efusiva de todos os que viram, vieram relembrar a relevância desta arte e a importância de se dar mais atenção à mesma. Um verdadeiro bónus em pontos de nostalgia, para quem cresceu a ver America´s Best Dance Crew, vidrado no ecrã.

Terminou assim mais uma edição de um dos mais importantes festivais para a nossa tão adorada cultura. Este festival de cariz nómada consegue ser pioneiro na sua essência e conceito, sendo assim importante enaltecer a excelente plataforma que oferece a um grande número de artistas, nas mais variadas vertentes. Depois de todos os contratempos sofridos com a pandemia e a ressacar há mais e um ano sem festivais, Vhils montou uma verdadeira Disneyland para a cultura urbana, onde certamente todos nos sentimos crianças livres e felizes outra vez, rodeadas de arte na sua forma mais pura e crua, durante quatro dias onde só apetecia gritar “finalmente”.

Jimmy P apresenta “Heartbreak”: um projeto experimental e terapêutico

No passado dia 24 de outubro, Jimmy P esteve no rooftop do Espaço Porto Cruz no Cais de Gaia a apresentar o seu novo EP Heartbreak numa listening party exclusiva a convidados.

O evento estava agendado para as 18 horas, mas como a vibe assim pedia não houve nem pressas nem horários rígidos, só a certeza de que o tempo ia ser bem passado a recordar aquilo de que tanto sentimos falta: música ao vivo com uma boa companhia.

Fotografias de Igor de Aboim (https://www.instagram.com/igordeaboim/)
Fotografias de Igor de Aboim (https://www.instagram.com/igordeaboim/)

Fotografias de Igor de Aboim (https://www.instagram.com/igordeaboim/)

Mais que a apresentação do novo EP, foi a paixão, união e identidade que se viveu naquele rooftop. Desde a apresentação de novos temas à recordação de temas antigos, Jimmy desvenda que a escolha do espaço não foi por acaso: O Espaço Porto Cruz é um espaço frequentado pelo artista e parte das ideias deste ep (que sai dia 01 de outubro, não se esqueçam) nasceram ali. Afinal de contas, o estúdio do MC fica bem perto deste espaço que acaba por ser um “escape” para alguns bloqueios criativos.

A energia sempre foi on fire: Mais que amigos, eramos todos amantes daquele pôr do sol, daquela música, daquela sinergia.  

Muito mais que esqueletos, todos estavam ali de corpo e alma: Jimmy, a sua banda, Syro (com quem apresentou ao vivo o seu novo tema Volta para ti”), Guga (ao qual o Jimmy se dirige com muito orgulho afirmando que o mesmo tem um futuro promissor no rap – vale a pena recordar que o jovem lançouAmor Antigo” recentemente com selo 808 Media) e Nelson Freitas (onde juntos se alinharam perfeitamente).

Segundo Jimmy, “há alturas na vida em que temos de saltar” e este novo EP é “um projeto experimental e terapêutico” como o mesmo diz. Desenvolvido durante o 2º confinamento, verificamos que a temática do amor está bem presente como é habitual, mas com uma sonoridade diferente, mais leve e melódica. 

Não sei se a vontade de dançar era gigante porque tivemos confinados este tempo todo ou se simplesmente é mesmo a energia do Jimmy que nos deixa assim. Sei que ficaríamos ali até de madrugada e que só um taxi nos levaria a casa.

O concerto não poderia ter acabado da melhor maneira: deixamos o ano velho e vamos viver o Ano Novo. Não em dezembro, mas em pleno setembro porque o público assim o quis e haviam motivos mais que suficientes para celebrar.

O Jimmy é um artista do mundo: nasceu no Barreiro, mas entre Paris, Angola e o Grande Porto desenvolveu os seus projetos “Momento da verdade”, “#1”, “Family First”, “Essência”, “Alcateia”, “Newborn”, “Abensonhado” e o mais recente em parceria com Carolina Deslandes “Mercúrio”. Em todos eles vemos as suas influências e raízes e apesar de num estilo diferente, o seu novo EP “Heartbreak” está recheado desta identidade tão característica do rapper.

Não sei quem é que tem o coração partido, mas sei que a música é – e será sempre – um ótimo meio para canalizarmos a dor e juntar todos os pedacinhos.

Não se esqueçam: dia 1 de outubro, o EP “Heartbreak” estará disponível em todas as plataformas.

Tekilla no Time Out Market: Shots de energia numa festa de reencontro

Na passada quarta-feira, dia 22 de setembro de 2021, noite de trovoada, o Time Out Market recebeu mais que um abalo que abanou (e de que forma) as suas estruturas: Tekilla, uma força da natureza.

Uma noite que estava destinada à apresentação do seu novo álbum “Olhos de Vidro”, e na qual se prometia a presença de vários convidados especiais, acabou por ser muito mais que isso: uma verdadeira festa, onde se celebrou o lento e há muito esperado regresso à normalidade, na presença de amigos, fãs e família. A energia elétrica de Tekilla fez-se sentir em todos os segundos do concerto, onde houve momentos de dança, extrema interação com o público, desabafos e até abraços, num culminar de um concerto eletrizante. E nós estivemos lá para testemunhar.

O ambiente foi preparado pelo DJ Kool Isac Ace, que proporcionou ao público uma viagem aos primórdios do hip-hop, deixando de imediato a sala na expectativa do que se avizinhava: uma performance conduzida pela vontade de passar a mensagem, da maneira mais crua e eletrizante possível.

A suave mas inesperada transição de hip-hop para a música “Saudade Vem Correndo” de Stan Getz trouxe com ela uma bailarina de dança contemporânea, indicando assim a chegada próxima do tão aguardado artista, que surgiu breves momentos depois, estreando o palco com o seu tema “Homens”.

Frisando sempre a gratidão sentida em relação a este regresso à normalidade, e agradecendo com largos elogios ao público que saiu de casa para o ver, o artista prosseguiu com o tema “90s”, incitando os presentes, fervendo para se levantar, a abanarem a cabeça, mencionando o quanto arriscaram para realmente proporcionar uma performance “à altura” pois, nas palavras do artista, o seu objetivo é sempre apresentar a melhor performance possível, “não só porque ouviram e gostaram do álbum, mas para superar as vossas expectativas”.

De seguida, foi aberto o leque de convidados especiais com a chamada ao palco de Ana Semedo, apelidada de Underground Diva, para cantarem o tema “Puxão de Orelhas”.

Não faltaram momentos de interação com o público entre músicas, onde Tekilla fez questão de relembrar o seu principal objetivo no rap: passar a mensagem. Estando há mais de 20 anos no rap, o artista defende que não é, nem alguma vez foi a parte financeira que o estimula, mas sim o veículo que esta forma de arte proporciona, para poder passar a mensagem.

Seguiu-se a apresentação do tema “Love you”, que suscitou um pico de energia na sala. Tekilla incentivou todos os presentes a proferir as palavras “Fuck You”, num exercício libertador de expressão, contra as amarras da liberdade de expressão artística, o que abriu caminho para o próximo tema apresentado: “Tem Juízo”, “aquele single mesmo sujo, onde tens que cuspir muito”, nas palavras do próprio.

A plateia ao rubro ficou de novo em silêncio, para mais um momento de conversa, onde o artista elaborou sobre a existência de dois tipos de pessoas: os sugadores e os doadores. Identificando-se como um doador, Tekilla mostrou-se agradecido pelo sentimento de reciprocidade sentido na sala, uma das principais ignições de um espetáculo tão voltaico.

A festa continuou com o tema “Se Eu”, com direito a solo de bongos no fim, por Afrogame, pintando o ambiente para a faixa especial apresentada de seguida: “Sinónimo“, um clássico que partilha com Sam the Kid.

Em mais um momento de interação com o público, em tom de desabafo, o artista proporcionou um momento refletivo onde falou sobre deixar a sua música falar por si, independentemente das opiniões de outrem, afirmando que sabe quais são as suas causas e as lutas que abraça. Tekilla explicou que atribui a maior importância ao facto de pretender espalhar uma mensagem de inclusão, especialmente depois de uma pandemia: “agora é uma bênção estar a partilhar convosco cada minuto.”

Com influências de nomes como Method Man, “Oportunistas” foi um dos temas onde mais se sentiu a energia presente na sala, tendo Tekilla saltado para o público enquanto cantava o tema, porque seria, a seu ver, “uma falta de respeito não transmitir esta energia”; uma energia que foi certamente recebida e interiorizada, pelos gritos que se ouviam na sala a perguntar onde era a after party.

Com a aproximação do final do espetáculo, Tekilla apresentou o tema “Olhos de Vidro”. Sendo o tema homónimo do seu álbum, foi apresentado um momento especial: reforçando a importância dada à letra e à passagem de uma mensagem, o artista proporcionou-nos com um momento acapella.

Não abrandando nos momentos especiais, foi chamada Amaura ao palco, para brilharem “Em Sintonia”, como o próprio título da música indica.

Com uma plateia em chamas, envolta num ambiente de intimidade quase familiar, juntou-se desta vez Dino D´Santiago em palco, para incentivar à dança com a melódica “Meu Bem”, faixa que o público recebeu levantado e com toda a vontade para se mexer.

Estando o ambiente de festa no auge, como tínhamos tantas saudades, Dino não abandonou o palco, presenteando-nos desta vez com uma homenagem a Tito Paris e aos anos 90, com o tema “Dança ma mi criola”, onde se juntaram todos os artistas convidados, assim como a plateia, numa animada dança que honrava tradições.

Terminou assim o concerto, em nota alta, com a entoação dos parabéns ao DJ presente e com a apresentação de toda a equipa e convidados, acompanhados de uma vénia coletiva ao público. Foi ainda possível ouvir a entoação, em cântico, das palavras “Olhos de Vidro”, seguida de um abraço pessoal a cada pessoa do público, pela parte de Tekilla.

Mais que um concerto, este evento revelou-se como uma experiência: um hino de volta à normalidade, um grito de esperança e uma relembrança do que é dançar, numa sala envolta em energia. Embora permaneça o distanciamento social, Tekilla, honrando o papel de Master of Cerimonies, não só entregou uma performance cheia de garra, como há muito não se via, como moveu toda uma sala pelo espírito de união e amor pela cultura, uma das melhores sensações que a música pode proporcionar. As rimas mordazes com os beats ferozes, acompanhados pelos bongos de Afrogame e seguimento de DJ Kool Isac Ace, fizeram a sala do Time Out Market parecer menos um amplo sótão, e mais um transporte aéreo para a viagem vivida pelos presentes. Tekilla chegou viu e venceu e pela importância dada à escrita, cultura e entrega, parece-nos que veio para ficar.

O álbum “Olhos de Vidro” encontra-se disponível em todas as plataformas digitais.

Noite de sombras na Casa do Capitão

Ontem reinaram as sombras na fábrica da Casa do Capitão.

Nerve pisou o palco para assassinar rimas, sobre mordazes beats de Il-Brutto e ainda com um convidado especial: Tilt. 

Mas as surpresas não ficaram por aí. Antes de Nerve, Il-Brutto assombrou-nos com meia hora de um DJ set, onde mostrou sneak peaks de música nova de Tilt, Nerve, e o assombroso trio em Escalpe. Com o couro cabeludo ainda em sangue de tal puxão, Nerve apresentou uma faixa nova intitulada “TDE”, que fez questão de repetir duas vezes, não fosse algum ouvido mouco não estar atento ao sermão. Depois de uma hora e pouco de concerto em forma de poesia declamada, o Monstro Social retornou às sombras, deixando os reféns sedentos por mais, num começo de espera por novos mandamentos.