Hip Hop Rádio

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Russ e o lobo

A história de Russ é uma versão mais moderna de “O Pedro e o Lobo” mas felizmente, desta vez “There’s Really a Wolf” e todos acreditam.


Por André Batista


Começou a fazer instrumentais por volta dos 14 anos mas só gravou a sua primeira música aos 18. Quando criou uma conta no SoundCloud em  2014 já tinha 11 mixtapes lançadas num espaço de três anos, e depois disso lançou uma música nova todas as semanas durante um ano e já contava com mais de 80 músicas lançadas no SoundCloud antes de se tornar uma super estrela do rap com temas como “What They Want” e “Losin’ Control”. Nunca deixou de acreditar que havia mesmo um “lobo” e conseguiu demonstrá-lo a todos os ouvintes de Hip-Hop.

Na sua primeira visita a Portugal esgotou os bilhetes para o Coliseu dos Recreios em 36 horas, tendo por isso alterado o espetáculo para a Altice Arena, que não encheu mas esteve perto disso.

O norte-americano que já tinha fãs à espera dele desde cedo num dia com muita chuva entra em palco ao som de “What They Want” e “They let us in the rap game” é cantado em coro por praticamente todos os presentes na arena, que estremeceu com a emoção do público.

Os cerca de 13 mil fãs presentes começaram o concerto com energia e emoção a níveis elevadíssimos e a partir do momento em que Russ entrou em palco esses níveis só aumentaram.

Antes de fazer uma pequena pausa para dar umas palavras ao público português, o artista cantou “Do It Myself”, “Too Many” e “Waste My Time”. Depois disso dirigiu-se ao público em tom de agradecimento referindo que aquele era o maior concerto da sua carreira até à data enquanto mostrava uma bandeira do nosso país que alguém atirou para o palco.

Retomou com “Willy Wonka” e fez as delícias dos fãs mais antigos. Seguido de “Me You”, “Yung God” e “Cherry Hill”. A alternância entre temas mais antigos e temas mais recentes foi um ponto positivo deste concerto e o público português mostrou que não é fã de Russ há dois dias.

Tudo estava a correr bem até agora mas o melhor estava por vir. Após Russ dizer que pediu para abrirem as portas da arena mais cedo para os fãs não estarem tanto tempo à chuva (o que infelizmente não foi possível), começa o instrumental de “Wife You Up” e a Altice Arena acompanha quase cada frase que o rapper canta e mesmo depois do instrumental acabar a energia do público combinada com a excelente voz de Russ resulta no primeiro acapella da noite com a arena a cantar o refrão quase em uníssono.

Depois o artista interpretou “Maybe”, “Pull The Trigger”, “Don’t Flip” e começava na altura o instrumental do tema que tanta polémica deu em Portugal, “Some Time” foi cantado por maior parte da maneira correta, ouvia-se alguém a gritar por Mishlawi ou a cantar When they call my phone I press ignore” durante o refrão mas nada que chegasse para incomodar o rapper norte-americano. Que prosseguiu sem pausas para “Got This” e “Don’t Lie”.

O público não tinha outro sítio onde preferisse estar durante aquele momento, e notava-se que Russ também estava a desfrutar imenso da noite que estava a acontecer. Portugal I’m coming back to you foram as palavras que o artista escolheu para introduzir “Back to You”. Em “Psycho” pudemos desfrutar de mais um refrão acapella a prolongar a música e depois de “Ain’t Nobody Takin My Baby” Russ pediu para a plateia o ajudar a cantar um verso inteiro de “Ride Slow” acapella. E como se estes momentos soubessem a pouco, o tema seguinte “Scared” também acaba com um acapella. Estes momentos arrepiavam qualquer um que estivesse a assistir, mas o final desta noite mágica estava a aproximar-se. Os dois últimos temas foram “Losin’ Control” e “Goodbye” (que se trata de uma história real em que nenhum dos nomes é inventado).

Chegava assim ao final uma noite mágica para todos os que estiveram presentes. As luzes apagaram-se e enquanto uns ficavam a pedir que o artista voltasse, outros já se iam dirigindo à saída satisfeitos com o que viram e ouviram durante a noite.

No entanto, para aqueles que o ficaram a pedir Russ voltou mesmo para repetir “Do It Myself”, e apresentar a mãe aos cerca de 13 mil fãs que lá o estavam a apoiar. Deixando a promessa que iria voltar a Portugal mais tarde, feliz com a experiência.

Odiado por muitos por acharem-no demasiado convencido, o self-made man Russ não deixou essa impressão em Portugal, pelo contrário.  Durante o concerto demonstrou humildade, apreço pelos fãs e sobretudo talento. Se realmente voltar a Portugal, como prometeu, nós vamos lá estar de novo.

O lobo existe mesmo e nós comprovámo-lo ao vivo.

Deau | Dissecação

A música marca-te pelo que tu vives e sentes no momento.
E é através da música que Deau, ou de seu nome Daniel, marca corações e move gerações.
Nascido em Vila Nova de Gaia, este Menino dos Subúrbios, orgulha-se de carregar no peito a sua essência, 4400, a representação da sua identidade que une e define todos os gaienses: 44 Asas Para Voar atrás do sonho, 00 Punhos Cerrados para lutar.
É com esta filosofia que Deau percorre o caminho do Hip Hop tornando-se no artista incomparavel que é.

A minha postura, vem da altura em que a cultura era pura”

Com apenas 7 anos, foi ao seu primeiro concerto de Hip Hop e, desde logo, ficou fascinado pela cultura transmitida pelo grupo Mind Da Gap. A partir daí, o seu interesse por esta cultura foi aumentando até que, com 10 anos, começou a fazer os seus primeiros graffitis seguindo as pisadas do Rasta e o Rato, artistas de rua que admirava e que serviram de inspiração.
Aos 14 entrou num concurso de freestyle.
O improviso tem a particularidade de ser algo único e espontâneo, é uma arte em que nem todos são artistas. E foi, sem dúvida, o freestyle que o trouxe ao estatuto tão merecedor que é dele. No entanto, é curioso que só percebeu o que era uma battle quando viu o mile.

Quem é o quê? Quem é o D? EAU”

Mas quem é o Deau? Deau é a prova viva que “Basta Acreditares”, que basta motivares-te a ti próprio para alcançares o que desejas. Deau lançou o seu primeiro álbum enquanto rapper, estudante e trabalhador e mostrou-nos a sua realidade: a forma como o meio condiciona tudo aquilo que nós somos, mas que és tu que decides que rumo seguir; mostrou-nos que Deus existe Apenas Um; mostrou-nos a sua forma de estar no rap e a maneira como ele surgiu.

Se foi trabalhoso? Se foi difícil continuar a escrever rimas sentidas, mas incompreendidas? Se custou acreditar que amanhã seria diferente?

A música começa com essas questões. A ambição, a inocência e o trabalho é que te levam ao sucesso. Foi preciso ser muitas vezes o Menino Da Primeira Fila, foi preciso procurar uma parte íntima e madura, foi preciso ver a realidade de uma forma mais completa.

“Promete-me uma coisa única que p’ra mim és cara-metade, p’ra eles apenas música”

As pessoas reveem-se nas músicas porque as palavras dos músicos são as nossas palavras.  
E Diz-me Só se isto não é verdade: a música é a maneira mais pura de transmitir as expressões que mantivemos em polaroids. A música é um Império de Sentidos. A música faz de ti a Semente mais bonita do jardim, faz de ti um Super-Homem, faz de ti uma Rainha/Rei de Bugiganga.

“Sinto que as linhas do meu destino eram estas”

Cada um pinta o mundo da sua forma e Deau com apenas 23 anos já hipnotizava comunidades com o seu ” filho” Reticências nascido em Janeiro de 2012 (Parabéns Diego!).
É no seu filho que vemos tudo o que o Daniel é: o seu carisma, a sua definição, as suas vivências.
Em 2015, 10 anos após ter pisado o seu primeiro palco, acabou o seu segundo álbum e abriu-se para os fãs como um livro aberto.

“Há tempos ouvi rumores, Deau tem o rei na barriga, enganaram-se todos, ui era a minha mãe que tinha.“

Hoje, Daniel é, como sempre foi, um filho da puta de que se orgulha, porque somos sempre uns filhos da puta quando conseguimos mudar o que nos rodeia, não é verdade? Somos sempre uns filhos da puta quando temos todos os contratempos contra nós e mesmo assim vingamos pela nossa inteligência, não é? Que haja mais filhos da puta como este que não muda o mundo porque a realidade é dura, mas que muda o seu quintal para dar outro ar à sua rua. 

Escrito por: Rita Carvalho