O silêncio português tem sido ensurdecedor. Em Portugal, a detenção de um neonazi russo, há algumas semanas, levou a centenas de manchetes – já a condenação a Pablo Hásel, MC do nosso país vizinho, não despertou o interesse dos media. As várias plataformas de esquerda reagiram, mas a única notícia nos principais orgãos de comunicação social sobre o caso espanhol foi dada pela Sábado. O que nos diz este silêncio? O que nos mostra essa decisão do Supremo Tribunal espanhol? Hip-hop não é crime. Mas a justiça espanhola parece, mais uma vez, querer criminalizá-lo. Depois do caso de Valtònyc (2018) ou da identificação dos membros do grupo Adebán por cantarem “Arriba, abajo, mandaremos al rey al carajo”, um rapper do outro lado da Ibéria é condenado a nove meses e um dia de prisão pelo teor das suas letras (e tweets). Mas Pablo resiste. Pois a resistência da sua expressão artística tem sido sempre a sua maior arma.
Pablo Hásel tinha até às 20 horas da última sexta-feira para se entregar. Não o fez. “Exilado” na Universidade de Lleida, na Catalunha, aguarda a sua iminente prisão. O seu caso tem gerado manifestações (e inclusive uma possível revisão penal). Um manifesto, assinado por mais de 200 artistas espanhóis (onde se incluem o famigerado realizador Pedro Almodovár, Javier Bardem ou Joan Manuel Serrat) defende a liberdade do MC catalão. Em Portugal, as palavras de solidariedade partem, principalmente, dos movimentos socialistas – Pablo Hásel é militante comunista e não o pretende esconder. A sua música é o bastião da sua liberdade. Seria impossível traçar qualquer paralelismo com a realidade do hip-hop nacional, mas não é isso que pretendo com esta crónica. Às horas a que as minhas palavras serão publicadas, as palavras de Hásel ainda ecoam – e ecoarão – pelas ruas do país com o maior número de presos políticos da União Europeia. Onde a liberdade de Pablo é condicionada pela Coroa bafienta.
Versos como estes (e 64 mensagens nas redes sociais) foram declarados como “injúrias à monarquia e à polícia, incitadores de violência e enaltecedores do terrorismo”. Comparações e acusações deste calibre já levaram, por exemplo, ao exílio belga de Valtònyc e, em 2014 e 2018, a penas suspensas ao mesmo MC que, hoje, se vê em risco de prisão. Pablo Hásel não pretende fugir do país. Espera que o vão “sequestrar”, como o próprio afirma. Resiste. O povo com ele. E levanta questões que não se podem ignorar, como os media nacionais bem tentam. Pode o hip-hop ser crime? Pode qualquer expressão artística ser condenada em tribunal? Pode um regime dito democrático silenciar os seus opositores pela via legal? Quantos rappers mais serão julgados pelo Supremo Tribunal espanhol e, encarcerados ou em fuga, continuarem a resistir – ou a calar-se para sempre?
A minha solidariedade está com todos os que usam a sua expressão artística como forma de crítica, resistência ou militância. Pablo Hásel é mais uma vítima do fracasso que é o sistema penal espanhol. Pablo Hásel é mais uma vítima do silêncio ensurdecedor da Europa – democraticamente falível, condenavelmente cega. A sua prisão é uma lâmina de dois gumes, o precedente para legalmente fazer cair “a espada de Dâmocles que paira sobre a cabeça de todas as figuras públicas que ousem criticar publicamente a atuação de alguma das instituições do Estado”, como se lê no manifesto em sua defesa. Enquanto Pablo espera o seu “sequestro”, permite-se, em Madrid, uma concentração nazi. O branqueamento do fascismo começa em Franco e continua quando a extrema-direita se senta no parlamento. E quem se opõe, como prova o caso de Hásel, passará a ter medo de exercer a sua liberdade. Ou a continuar resistindo.
Pablo Hásel será preso pelas letras das suas músicas e pelas palavras dos seus tweets. O confronto perante as injustiças, perante a classe dominante, perante as instituições falhadas do Estado, será sempre um dos ex-libris de um género irreverente, onde a palavra pesa mais do que a pena, onde a arte cumpre o seu papel de resistência. Hip-hop não é crime. Crime é e será o silenciamento de quem o canta, perante a omnipotência de uma democracia em ruínas, perante “un ataque contra nuestras libertades”.