Hip Hop Rádio

O último a sair apaga a luz

No final de uma rua vestida a rigor com as clássicas decorações do Dia das Bruxas, destaca-se um bar. De cada lado da sua porta de entrada, situam-se janelas que não conseguem suportar toda a luminosidade que o edifício carrega e transborda para a calçada, vindo um feixe de luz até aos meus pés. Dessa porta, chegam até mim abafados acordes dedilhados. A cada passo dado, encurta-se a distância e aumenta a familiaridade com o meio envolvente. Contudo, ainda sinto no ar aquela nostalgia que, até em pleno Dia das Bruxas, faz falta Halloween nas ruas.

Assim que passei a porta, fui iluminado por um espaço completamente diferente daquele que o pensamento podia adivinhar. A luz ficou nas janelas – serve apenas de aviso para os que ali passam. Quando se entra, penetra-se num ambiente estranhamente íntimo, uma escuridão familiar. Com uma cerveja na mão, dirijo os ouvidos para o palco. Já ninguém vê o que todo o bar ouve: Halloween preenche este espaço, todo os dias, seja altura para se ser criança ou tempo para ser adulto. Aqui não há artificialismos, nem preocupação em polir o que se toca: lima-se o conteúdo ao máximo.

A noite vai a meio e “Livre Arbítrio” resplandece diretamente de uma viola por todo o ar. Na mesa ao lado comenta-se que “Unplugueto” dá nova vida às palavras, devolve-lhe o seu peso. “Sobre o amor, sobre as ruas”, é um álbum maduro para gente crescida que não pretende ser perfeito – seja lá o que isso for. Ao que se propõe, consegue-o perfeitamente.

Junto ao palco estão alguns cães caídos. Ao balcão, um assassino, um bandido, uma menina rica e o rei da ala. A hibridez sempre foi marca distinta de quem não tem gavetas e que em termos gastronómicos sempre considerou que a liberdade é o melhor petisco.

Sentei-me na mesa habitual, no canto da sala, com o palco em vista. Ao lado da cerveja tenho um caderno que há muito espera pelas palavras certas para me despedir do que já não decora o palco, nem vagueia pelas ruas. Vejo agora aquilo que toda a gente ouve: a razão dessas palavras levarem tanto tempo a chegar, é pelo simples facto de não ser tempo de dizer adeus.

Allen Halloween deixou um espaço bem marcado na cultura. Ainda hoje permanece perfeitamente iluminado e não será com um sopro leve que cairá no esquecimento. Parece-me que será eternamente uma miragem o dia em que não restará ninguém, a luz se apaga e se fecha a porta do bar, pela última vez.

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