Hip Hop Rádio

O segundo sacramento de Slow J: A confirmação.

Quem chegou cedo ao Mercado da Ribeira ontem pode constatar o que já se esperava: casa cheia. Os bilhetes para o 5º aniversário da plataforma digital RAPNotícias esgotaram como previsto, muito por culpa do próximo suspeito do costume: João Baptista Coelho, que apresentou no estúdio da TimeOut o seu mais recente projeto, The Art of Slowing Down (TAOSD).

A fila de espera rapidamente deu lugar a um DJ set de Lhast, à medida que o público ia enchendo o local. O produtor, cada vez mais em voga no quotidiano do hip-hop português, deu o mote para a noite: Xamã a rodar nos pratos, e o próprio Profjam sobe ao palco para alegria do público que nunca vacilou. Logo a seguir, chega a vez de Gson, apoiado por Conductor dos Buraka Som Sistema, e o MC dos Wet Bed Gang (que também subiram ao palco) deixou em delírio a plateia, principalmente com o tema “Voar”. O flow de Gson (e voz) e a energia eletrizante do grupo fizeram do showcase “pré-Slow” um dos momentos altos da noite, despertando ainda mais a vibe dos fãs. “Porque os meus sonhos falam ainda mais”, ouviu-se da voz do MC, que sai vai afirmando cada vez mais – os Wet “levaram o rap tuga a Neptuno” – e ainda bem que assim é.

O “pós-Slow”, que foi o concerto da noite e merece o maior destaque, chegou com um cypher secundado por Mike El Nite nos pratos (e mais tarde também com o mesmo a rimar, fazendo de storyteller e detalhando a sua história com o homem da noite), contando com rappers como Profjam, Bispo, Malabá ou Benji Price (a nova aposta da Think Music). “E com a tua ajuda lembrar, que também é fixe abrandar”, brincou Mike, num tributo ao rapper da Margem Sul muito bem executado.
Após o cypher, DJ Big agarra a mesa e termina a noite como ele bem sabe: hip-hop, hip-hop, hip-hop, relembrando os clássicos como Canal 115 e fazendo o público mexer com Alright ou Hot Nigga.

Chega, finalmente, a altura de falar do rapper prodígio que encantou o Estúdio da Time Out com o seu novo álbum. É, de facto, arriscado apresentar o álbum em concerto antes de sair em formato digital. Mas Slow J fez o que lhe competia: brilhou, uma vez mais. Após o chamado, “Slow J, Slow J, Slow J”, protagonizado pelos Wet Bed Gang, Francis Dale e Fred Ferreira começaram um instrumental que ninguém ficou indiferente. Beat de uma das músicas do EP The Free Food Tape, a surpreender o público, e Cristalina a ser cantada na íntegra (!!) pelos fãs, unicamente, sem o rapper subir ao palco. Só por este momento percebe-se a legião que o segue, sabendo cada rima de cor, elevando o espírito que se vivia no Mercado da Ribeira.

E é com a entrada de Slow que começa o riff de guitarra e bateria de Arte, lançada na manhã no concerto. A música, diferente do habitual, mostra aquilo que Slow é: um artista, dos pés à cabeça. “Eu queria ser como os grandes cantores” e “conta-me os teus segredos” são expressões vincadas da música que, como o título diz, é arte. Com breaks bem situados, e um refrão que levou toda a gente a mexer-se e a abanar os braços, Slow chega-se ao público e cumprimenta os fãs da frontline, agradecendo no final da música a todos os presentes.

Na segunda música do álbum, já que o concerto contou com o mesmo alinhamento, Casa remete-nos para África e para a família “de todas as cores” do rapper, em jeito de celebração. “Para quê complicar, em casa qualquer cor dá” – e a família de Slow vai crescendo cada vez mais.
Beijos, um interlúdio, que conta com a guitarra nostálgica de Francis Dale, introduz Sonhei Para Dentro, que traz um refrão tipicamente português, remetendo para o fado e acabando com um poderoso “24/7” que o público tomou logo como uma das keywords da música. Sem ninguém dar por isso, Às Vezes inicia-se com uma batida nostálgica, e Nerve sobe ao palco para cantar uma música que, segundo Slow J, “não deve ser cantada em concerto”.

“Aquilo que eu mais gosto de fazer”, diz-nos o rapper, entre músicas, agradecendo ao público que o acompanha. E, com isto, dá início às suas cem barras – Comida. A introdução da guitarra após o primeiro break da música transformou a sua track mais conhecida numa das mais aplaudidas da noite, mas nem isso seria necessário porque Comida tem tudo o que é preciso para se fixar no topo por alguns anos, e ninguém consegue ficar indiferente.

Com uma batida jazz encabeçada pelo trompete, Biza relata a história de Slow, antes de Serenata, que meteu todos os presentes no Estúdio da Time Out a cantar em uníssono. No seguimento, a história do concerto encaixa com três músicas excepcionalmente bem conjugadas: O Último Empregado, Pagar as Contas e Vida Boa. O interlúdio dá o mote e a track seguinte explica – “Pagar as contas, saldar as contas” – antes da entrada de Gson para, mais uma vez, trucidar o beat com o seu flow e dinamismo em palco. Papillon entra também, com as linhas sólidas e reais (“Quantos mais tens mais te cobram, quanto mais alto tu estás mais te dobram”).

Para finalizar essa conjugação perfeita de músicas, Vida Boa, que também contou com a energia de Gson para puxar o público a saltar, e que ambiente se vivia no Mercado da Ribeira! Parecia que todos se queriam aproximar de Slow e, de braços levantados, protagonizaram uma ode ao rap tuga que acredito que o rapper nunca se irá esquecer.

As últimas três músicas do álbum são então Sado (“Eu nunca saí da margem, Sado não julga quem volta, nunca se importa, nunca se importa”), em honra do local que viu João Batista Coelho nascer, P’ra Ti e Mun’Dança (“Depois dessa vida vai vir a outra”). Slow J não tem um estilo definido, e é neste álbum que podemos apreciar isso, contando com instrumentais baseados em géneros musicais como o jazz ou o rock alternativo. Slow apresenta a banda no entretanto, leva Speedy a palco (breackdancer que protagoniza o vídeo de Arte e que tem neste momento ativa uma campanha de crowdfunding) e, guiados pelo beat da última música de TAOSD, os rappers e amigos próximos de Slow J sobem a palco, entre abraços e danças.

Mas Slow não ficou por aí, e depois de sair, “finalizando o concerto”, volta com O Objetivo, Tinta da Raiz e, mais uma vez, Cristalina, que levou a maior ovação da noite.

É disto que o hip-hop vive. De festa, de momentos de loucura, braços no ar, beats fortes, líricas profundas. De momentos de improviso, da banalidade com que os artistas se mexem entre o público.

Slow J traz consigo inovação, novos estilos, sem nunca perder a noção de quem é e do que apoia, e tem nele os olhos postos dos grandes rappers do hip-hop português, como Valete, que esteve ontem presente para assistir à rampa de lançamento do “menino prodígio”. Agora, Slow, o que importa é nunca parar.
Lentamente, como tu sabes, mas sem nunca parar.

 

Escrito por: Bruno Sousa.