Hip Hop Rádio

Nova Escola HHR: MICSHYNE

Há caminhos mais bonitos em que a plenitude não está em viver sempre a rasgar

Natural de Vendas Novas, Miguel Heleno apresenta-se ao público como MICSHYNE. Foi em 2019 que publicou o seu primeiro trabalho de forma mais séria: OVERTHINKING, um EP bastante introspetivo que viaja nos problemas e nas questões do rapper. Atualmente, conta com um álbum, lançado no ano passado, dois EPs e mais de uma dezena de singles. Quarta-feira, dia 4 de junho, lançou o seu segundo EP, UNDERRATED ROCKSTAR, um projeto que conta com 8 faixas e será apresentado ao público dia 7 de junho no Tokyo Bar, em Lisboa. Com o lançamento do EP, e de modo a assinalar mais uma entrevista para a NOVA ESCOLA aqui na Hip-Hop Rádio, encontrei-me com o rapper para ficarmos a saber mais sobre o projeto.

Há um ano estreaste o teu primeiro álbum de originais, depois em outubro surgiu um tema com a Sofia Sousa, e foi ali a meio de abril, num “Real Breakthrough”, que deste o primeiro cheirinho do que iria ser o EP. Em que fase é que começou a criação deste projeto?

Depois do álbum como me senti um bocadinho preso e como comecei a pensar se já tinha chegado ao meu auge criativo, tive a necessidade de começar a fazer coisas sem me preocupar com o resultado delas. Acabou por ser um bocado poético porque comecei a lidar melhor com a repetição, comecei a desmistificar melhor os processos criativos, e acabei por ganhar mais experiência com tanta música que fiz. O resultado foi este novo projeto, que sinto que é a minha versão mais autêntica.

Diferente de TRANSPARENTE?

O TRANSPARENTE é muito sobre saúde mental, sobre os meus problemas com alguns vícios, é um álbum onde sou eu a limpar-me um pouco disso. Neste UNDERRATED ROCKSTAR, sou eu a assumir que todo esse trajeto foi difícil e necessário, para conseguir abraçar essa versão mais autêntica. Apesar de não ser tão conceptual, sou eu a libertar-me ao máximo.

Andaste entre Vendas Novas (Estúdio 747) e Lisboa (Munnhouse) a criar, com a companhia do kuffkiff, PLAGU3, Beiro, Lunn e Montoito. Como aconteceram estas ligações?

Com o Gustavo (kuffkiff), construímos o álbum TRANSPARENTE. Conhecemo-nos em 2020, creio, em 2021 começámos a trabalhar juntos e desde então tem estado sempre ao meu lado. A sinergia é ótima porque ele é um puto super talentoso, com ele tenho sempre um feedback de um rapazinho de ouvido absoluto – ele vem do jazz estás a ver? Cada vez que ele ouve uma coisa minha em que acha que me estou a repetir diz-me logo, e isso é brutal. Tou sempre aberto a esse tipo de feedback para poder crescer. O PLAGU3 é da minha zona, nós não nos dávamos em putos, mas com o passar do tempo percebemos que tínhamos interesses em comum. Fizemos bué canções juntos para este projeto mas acabaram só por entrar três no EP.

E os outros?

O Beiro conheci-o numa colaboração – juntamente com o UEST – para a Caixa Cartão. Tal como aconteceu com o QVXNO e com o PIBXIS. Entretanto, eu estava à procura de experimentar outras vertentes, e acabei por fazer pós-produção com o Beiro, tendo sido ele quem depois me apresentou ao Lunn. Quando estava numa sessão de estúdio a trabalhar com o Lunn, o Montoito estava lá e mostrou uns samples bué loucos.

A mix e a master passam somente pelas tuas mãos, diferente de TRANSPARENTE, onde tiveste o SassáNascimento a fazer essa parte. Sentes que para este projeto fazia sentido nessa área um toque pessoal?

Para ser honesto, foi uma competência que acabei por desenvolver porque também trabalho como freelancer na área do áudio, então acabei por afunilar o budget para outras coisas. Se eu pudesse viver a vida de artista a 100%, não sei se misturava e masterizava as minhas músicas. Ia ter mão, porque há coisas que gosto de fazer, mas há pessoas por aí – como o Sassá – que são muito naturais nessa área. A parte de mix e master desenvolvi com muito esforço e por isso sinto que não tenho grande naturalidade em fazê-lo, diferente ao escrever, por exemplo. Essa parte de engenharia foi só uma competência que desenvolvi quase por sobrevivência.

 

 

Fonte: MICSHYNE

No meio deste processo todo, houve músicas que criaste que agora ficaram de fora?

Fu…fiz perto de umas 60 músicas, não tenho um número exato. Houve uma altura que estava tão na zona, que havia vezes em que estava a abrir projetos que tinha feito na semana anterior e não me lembrava daqueles refrões. Estava num ritmo como nunca tinha tido na vida. Foi necessário para me desprender das amarras do TRANSPARENTE e dos projetos anteriores.

Vou te citar: “Ya, eu assumo, tive uma fase difícil / Não é fácil caminhar, num mundo cheio de vícios”, “Já nem vivo tão eufórico / Fui mais deep depois de sóbrio”.  Num projeto que não é tão experimental como o teu primeiro álbum, sentes que lançares estes assuntos para este género de faixas é uma forma mais descomprimida de te expressares?

Voltando a trás e pensando bem no meu trajeto, acho que sempre tive muito ligado a estes assuntos da saúde mental. Seja pelas coisas que aconteceram na minha vida, seja por excessos que cometi ou pela relação que tive com alguns vícios que acabaram por resultar em situações bastante complicadas. Mas isso trouxe-me aqui. Fez-me criar o meu primeiro EP, fez-me ter uma visão mais ampla para criar o álbum e fez surgir este projeto, onde admito que tudo isso aconteceu, mas que me sinto cada vez mais cleane com uma consciência mais alargada em relação a esses assuntos. Há caminhos mais bonitos em que a plenitude não está em viver sempre a rasgar.

Fonte: MICSHYNE

 

Há bocado mencionei o Estúdio 747. É uma iniciativa tua?

O 747 surgiu juntamente com um grupo de amigos, onde nem todos estavam ligados à música – com a ideia de criarum estúdio. Aquilo rapidamente desenvolveu mais para um negócio porque é o sítio onde nós criamos. É a nossa casa cultural e é onde vendemos os nossos beats, serviços de mix e master e captação. Recentemente, criámos uma associação cultural para podermos impactar o pessoal mais jovem da nossa comunidade, e, ao mesmo tempo, surgiutambém a Soro, a nossa label independente.

Fora do UNDERRATED ROCKSTAR, tinha aqui uma questão sobre o TRANSPARENTE. Tu foste o primeiro artista que eu vi a colocar um snippet num projeto. A ENERGIA ficou em modo voo?

[Risos] Isso era uma canção inteira, mas metemos só o refrão.

Exatamente um ano depois de esgotares o Auditório Municipal de Vendas Novas e com a alma ligada a Tóquio, apresentas o EP em Lisboa. Nas redes socias, falaste num formato diferente de concerto, vais estar acompanhado em palco?

Posso adiantar que vou ter banda no Tokyo. Foi algo que já tínhamos levado para o concerto anterior, mas ao contrário do auditório – onde a malta estava sentada, num ambiente mais intimista – neste concerto espero outra energia.

Vou te citar novamente: “Não é um teste / é um manifesto / pa‘ que os meus sonhos / um dia me conheçam”. Com o que é que sonhas neste momento?

Curtia muito de ter o meu próprio circuito. Sei que Portugal tem um mercado bué pequeno, apesar de haver espaço para todos criarem, não há espaço para todos subsistirem – talvez pelas dimensões do país ou por razões que até possa nem compreender, por estar numa fase de aprendizagem. Mas gostava de ter o meu próprio circuito onde pudesse dar concertos de norte a sul. Acompanho muitos artistas que têm grandes fanbases sem a necessidade de ter grandes números. O meu lugar é em cima do palco e se pudesse fazer isto recorrentemente curtia imenso.

 

Leave a Comment