“Sinto que não existe qualquer tipo de resistência à adaptação“- Entrevista J PURO
J PURO é um rapper natural de Vila Real, Trás-dos-Montes, que atua na indústria musical desde 2021. Após iniciar o seu percurso no Hip-Hop, lançou um EP e 10 singles, tendo em 2024 apresentado ao público as músicas ÚLTIMO SALTO e GENESIS. Este ano, estreou o seu último single OÁSIS e prepara-se para lançar o seu segundo EP. Reuni-me com ele presencialmente para saber mais sobre o seu processo criativo e caminho percorrido na área da música.
“Nunca marco golos fáceis não vou dar ao lado (…) Vês na cara que eu sou bola de ouro”. Fala-se muito de os rappers cantarem sobre vivências e cenários falsos, mas tu de facto na época 2017/18 tiveste um desempenho brilhante. Foram 18 golos em 20 jogos e uma taça da AF de Vila Real [risos]. Este Jota já pendurou as botas?
[Risos] Eu nem fazia ideia de que ias buscar essa informação, não faço ideia como é que foste desencantar isso [risos]. Sim, já pendurou as botas, foi uma fase da minha vida. Era algo sério, levo a música hoje da mesma maneira que levava o futebol na altura, então é normal que nas letras passe um bocado dessas vivências. Agora já pendurei as botas. Gostei muito dessa fase, ajudou-me a desenvolver ferramentas para lidar com tudo na vida.
Vamos então à música [risos]. No som TRAP C!TY, no primeiro verso tu referes todas as tuas músicas, desde a ZETA com o MainStorm que era a mais recente na altura, à ETÉREO. Acabas esse verso a mencionar ainda CAPITAIS, que música é esta?
Olha mano, tou mesmo a ver que fizeste ganda pesquisa [risos]. Essas barras dei na altura a pensar que só eu e ele (MainStorm), que está aqui ao meu lado, íamos perceber de onde é que vinham. Realmente fiz alusão a todas as músicas dessa altura e o verso acaba em CAPITAIS. Foi a minha primeira música a solo, algo mais sério, mas nunca saiu nas plataformas digitais. Na altura era muito amador, não sabia bem fazer as coisas: o beat era da net e não sabia meter o som no Spotify. A música ainda está no meu Youtube, mas escondida. Quem é de Vila Real é capaz de conhecer essa música, mas atualmente está perdida.
Esse som vem antes ou depois de Aproveita Essa Vibe, do MainStorm?
Depois. Eu fazia músicas com um amigo meu, foi com ele que me introduzi na música. Ele, entretanto, parou, esse som surgiu com o MainStorm e foi aí que percebi que queria fazer o meu próprio caminho sozinho, explorar os meus próprios temas e sonoridades.
De que forma é que a criação musical entrou na tua vida?
Eu sou de uma cidade muito pequena, Vila Real, então se alguém começa a fazer música, é facilmente notado e reconhecido pelas pessoas do meio de lá. O MainStorm já era conhecido na região, e eu comecei a fazer a minha própria música para o Soundcloud, com um colega meu. Eram coisas amadoras, mas com um input muito próprio e fora da cena, sem estarmos presos a ideias. Quando saí cá para fora, o MainStorm reparou em mim. Percebeu que estava a fazer alguma cena, então chamou-me para irmos a estúdio, em casa dele, para gravarmos uma música mais a sério. A partir daí, foram nascendo uns sons com ele, uma amizade e o gosto pelo projeto “J PURO”.
Era nessa altura que eras guia turístico? Como foi, ou como é, caso trabalhes, conjugar a música com o emprego?
Não, nessa altura estava a acabar a licenciatura em Turismo, mais tarde é que comecei a trabalhar. Antes era fácil conjugar, e agora ainda sinto que também seja. Era uma área que ainda estava a explorar, isto em 2021, então não sabia se era algo que ia querer fazer no futuro. A música apenas me divertia, era um hobbie. Como quem vai jogar futebol ao fim da tarde com amigos, eu andava a escrever as minhas cenas, era bastante fácil de conciliar. Atualmente, mesmo a minha carreira estando a crescer, continua a ser fácil. Como disse, éramos de uma cidade pequena, viemos de propósito viver ‘pra Lisboa e, portanto, quando esse tipo de mentalidade e motivação existem, não tem como a música não ser a tua principal prioridade e ser fácil conseguires encaixar na tua vida diária.
Fonte: J PURO
2022 ainda foi um ano produtivo, um EP e 4 singles. Como é que é o teu processo criativo? Fazes as músicas todas em estúdio ou levas já iogurtes ou guias para lá?
Foi bastante produtivo sim, todos os anos têm vindo a ser. Nesse ano, o meu processo criativo era bastante diferente do que é hoje. O Storm estava em Lisboa na altura, ou seja, não conseguia gravar no estúdio dele, então o que fazia era ouvir os beats numa coluna e fazer as minhas melodias, tentando passar as minhas ideias e escrever. Foi um início humilde e simples, mas deu-me as ferramentas necessárias para atualmente conseguir ter algo mais consistente. Falando nesse EP, foi uma fase muito divertida e desafiante da minha vida. Foi a primeira vez que estava a levar a música a sério. Desenvolvi-o sozinho a ouvir os beats numa coluna e a escrever, como tinha dito, e gravava no gravador do telemóvel para depois levar para o estúdio. Sempre quis ir a estúdio, nunca quis descurar essa parte porque acho que é importante e se é para lançar algo, é para ser algo bem feito. Na altura estava a gravar com o Lil Noon, no estúdio dele em Gondomar.
Estúdio Q.
Exatamente. Gravei o EP com ele e foi muito importante para aprender e começar a minha jornada mais a sério.
Ouvi dizer que no estúdio nunca estás satisfeito com os takes dos vocals, sempre a querer regravá-los várias vezes. A malta que lá está contigo não se cansa? [Risos]
Vocês falaram? (para Henrique e MainStorm) [Risos]. Vocês falaram ya, tá se bem [risos]. Atualmente já aprendi a fazer as pazes com isso, agora, de 2023 até ao fim do ano passado, isso acontecia bastante. A música é algo decisivo para mim, é aquilo que dou mais valor neste momento e, portanto, não posso sentir dentro de mim que podia dar mais e que podia fazer melhor. Tenho a benção de ter o Storm e o Nedved comigo em estúdio e juntos fazemos uma equipa fantástica. Eles muitas vezes dizem-me que os vocals estão perfeitos e que não há maneira de sair melhor, e isso dá-me uma certa paz e tranquilidade, sem perder muito tempo no resto do projeto.
Mencionaste o Nedved, ele já marca presença nos teus trabalhos, seja na produção, na mix e na master, desde a TRAP C!TY. Como surgiu essa conexão?
Olha, não surgiu de forma, digamos, natural. Nós não nos conhecíamos, somos de partes do país completamente diferentes. O nosso mote neste projeto sempre foi trabalhar com as pessoas mais profissionais da área, acho que é assim que as coisas podem funcionar realmente para um artista. Nessa altura ele tinha lançado um álbum com o Heartless, o SAYONARA. Foi um álbum bastante importante nessa fase da minha vida, ouvi imenso, a qualidade era excelente. Adorávamos o Nedved seja a nível de produção ou mix e master, e achámos que era a peça que precisávamos para elevar o projeto “J PURO” para o patamar seguinte. O contacto surgiu, explicamos as nossas ideias, e de imediato senti que houve uma boa ligação entre nós os 3.
(MainStorm): O contacto surgiu até em ZETA. Sentimos que sempre que nos juntávamos, eu e o Jota, criávamos algo out of this world, extremamente fresco. Em 2023 houve em Portugal o fenómeno do Jersey, e um dia, muito naturalmente, surgiu um beat desse tipo da net, achámos que tinha potencial e quisemos então levar o som para um próximo nível. Falámos com o Ned para fazer a mix e a master do som, ainda captado por mim no nosso estúdio, e no fim gostámos de trabalhar uns com os outros. Depois disso, o nosso interesse foi fazer um som já produzido por ele.
Antes do ZETA, lançaste O 100 FALHAS com o Manuel Bastos, que traz uma estética totalmente diferente do que já tinhas feito. Como surgiu a ideia para esta malha?
Acho que não preciso de ter vergonha de dizer: foi na altura que um relacionamento meu tinha acabado, era um puto mais dado às emoções e quis levar esses sentimentos ‘pra a música. É difícil estarmos a fazer música e não passar isto que estamos a sentir para ela. Não me senti obrigado a fazê-lo, quis mesmo expressar-me sobre o que sentia no momento, e já que era para fazer algo com aquele tom, não queria trazer algo lame ou genérico. Falei com o Manuel Bastos, um grande compositor da cidade de Vila Real, para sugerir esta ideia e ele produziu a música inteira. Dei-lhe uma ideia, ele desenvolveu-a à sua maneira, e assim conseguimos combinar os dois mundos de forma perfeita. Sinto que toda a gente recebeu bem esta faixa.
Sinto que há uma grande diferença de quem é o J PURO antes e depois dessa faixa. Não digo que vejo esta mudança como algo amador a tornar-se mais sério, mas sim como algo que ganhou uma forma mais coesa, pelo menos a nível de transmissão de ideias para a música. Se calhar vem mesmo daí, de te teres aberto mais para essa faixa e desbloqueado outros caminhos.
Isso é verdade. Não por ser a faixa que foi, mas sim por ter surgido numa fase da minha vida onde percebi que música era mesmo o que queria fazer. Vi que as pessoas estavam a receber bem o que eu faço e queria dar um step maior, tentando tornar isto em algo rentável. Olho para esta faixa com esse carinho de ver um J PURO mais inocente.
Na Ser Puro Ser tens uma barra que é: “Até aparecer na SIC e tudo a cuspir o meu trap”. Toda a gente a ouvir os tens sons ainda há de acontecer, mas podes já dar check no aparecer na SIC. Dia 9 de janeiro estiveste a receber o LON3R e o Prof no aeroporto de Lisboa [risos]. De que forma é que artistas como eles te inspiram?
Pois foi. Desde sempre que ouço hip-hop, consumi muito Mundo Segundo e Valete, mas nunca foi o estilo que mais gostava. Ouvia muito Arctic Monkeys, The Doors, até ao momento que conheci o Profjam quando lançou Mixtakes. A partir daí percebi que a perspetiva dele sobre o universo, a vida, e as ideias que ele transmitia na música vinham dar ao encontro com aquilo que acreditava. Nunca tinha visto ninguém a levar esses pensamentos e a expô-los na música como ele, então houve uma conexão muito grande logo. Gosto também muito da estética e da música do LON3R JOHNY, portanto não tem como eles não influenciarem o meu trajeto de certo modo.
Fonte: Apple Music
Lanças o som GENESIS, como uma faixa retirara de um futuro EP intitulado de In Vitro. O que podemos esperar dele?
Vai ser o meu primeiro que levo de forma mais séria. Este EP vem marcar um novo J PURO, mais maduro, mais consciente da sua arte, daquilo que é capaz e do universo que quer abordar. Para quem vai ouvir pela primeira vez e não me conhece, vai ser uma lufada de ar fresco. Uma abordagem completamente nova aos beats e a nível de linguagem.
Ainda como faixa desse projeto, entregaste-nos recentemente OÁSIS, com o Mirai. Como surgiu a colab?
Eu sempre fui fã do Mirai, já desde miúdo o seguia, seja a nível musical ao através da presença dele no Twitter. Ele é uma personagem mais ou menos, digamos, famosa nessa plataforma [risos]. A música dele sempre me chamou imenso à atenção, sempre apreciei muito aquilo que ele trazia às canções: os flows, as melodias. Como tenho estado a trabalhar com o Nedved e eles já se conheciam, até ganharam O Game juntos, perguntei-lhe se achava se faria sentido o Mirai entrar aqui. Ele gostou da ideia e disse que ia falar com ele. O Nedved presentou-lhe a ideia, o Mirai gostou e aceitou entrar, foi basicamente assim.
No videoclip havia uma espécie de caixa/dispositivo com o nome do EP, In Vitro. Desconstruindo todos os elementos e figuras dele, que significado é que ele tem?
Sem ainda querer revelar muito o propósito da caixa e o que ela representa, posso dizer que In Vitro existe. Estou a criar in vitro num universo que para mim é real. As minhas motivações, inspirações e ideias brotam de um local em específico, tudo o que estou a criar está a vir de uma fonte muito poderosa. A caixa representa o universo In Vitro e todos os elementos que ela contém contam um bocado a história deste local. É basicamente a prova material e física de um sítio que existe, de forma primordial, num reino etéreo.
Além desse EP, tens mais planos em mente para 2025?
Eu não sou muito de definir planos para o futuro, tudo depende do meu próximo projeto. Se a minha próxima música corre muito bem, tenho de repensar os meus passos. Sinto que não existe qualquer tipo de resistência à adaptação. Quando lançámos ZETA houve uma receção muito boa. Fomos tocar à Caloirada aos Montes, a receção ao caloiro lá da nossa cidade, e sentimos que estava a haver cada vez mais público a ouvir, levando-nos a lançar TRAP C!TY. Adaptámo-nos àquilo que a música e o projeto nos trouxe e, portanto, agora há de ser o mesmo.