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Nova Escola HHR: Dazed lex

“a minha música sempre teve como objetivo usar histórias para ver se alguém através delas consegue mudar”

dazed lex é o nome artístico de Alexandre Costa, um jovem rapper natural de Odivelas, que já leva na sua discografia 2 álbuns e dezenas de singles. Após ter lançado o seu último álbum semmúsica’tavam*rto, um projeto bastante intimista e introspetivo composto por 14 faixas, encontrei-me com ele para ficarmos a saber mais sobre o projeto e o artista por de trás das letras.

Contaste nas redes sociais que o deluxe do COSMÓPOLIS, lançado em outubro de 2023, marcava uma transição para o semmúsica’tavam*rto. Nesta altura já alguma das faixas que apresentaste agora, estavam prontas? 

Na altura em que saiu, não tinha nenhuma faixa feita nem nenhuma demo. Tinha alguns conceitos pensados: o grafismo e estética, tudo a preto e branco para dar um ar mais sério, e o nome das faixas em letras minúsculas e todas juntas – no final do deluxe do COSMÓPOLIS vês o nome das músicas a passar por essa metamorfose. A primeira faixa que fiz do álbum foi a omeulugar! um tempo depois.

afinalamáquinañparou é a faixa introdutória do projeto, uma espécie de ode ao que é a música para ti. Foi esta a faixa que ajudou a despertar os outros temas do álbum? 

Na verdade, essa música foi capaz de ter sido uma das últimas que fiz, foi uma faixa que passou por várias fases. A parte acústica dessa faixa surgiu já muito tarde, foi a penúltima coisa que gravei para o álbum. 

A produção, a mix e a master passarem apenas pelas tuas mãos foi algo que pretendias já desde início ou foi algo que apenas acabou por acontecer?

Não querendo levar isto para uma perspetiva quase egocêntrica, mas eu sempre fiz as cenas sozinho. As minhas primeiras músicas apareceram em 2015, numa altura em que passava por situações um bocado tensas na escola, que até falo no álbum inclusive, então sempre fui muito de estar sozinho e fazer as coisas por mim. Quando era mais novo, nem sequer tinha noção que podia procurar alguém que me ajudasse a produzir, e, portanto, fui aprendendo as cenas sozinho até que comecei a ganhar imenso gosto por fazer tudo. Sinto que se for eu a criar o produto inteiro, ele é mais meu. Gosto muito de trabalhar com outros produtores, principalmente em beats. Mix e master curto de ser sempre eu, mas gosto realmente de trabalhar com outra malta, tenho amigos produtores bastante talentosos. Eu até acho às vezes que, quando rimo em cima de beats de outros produtores, vou a lugares diferentes, principalmente algo mais de barras, ego tripping. Tenho muito mais facilidade em fazê-lo num beat de outra pessoa do que num beat meu porque sinto que num beat meu eu puxo demasiado de mim, então eu curto dessa dualidade. 

Fonte: Apple Music

O álbum está divido em 3 atos com dois interlúdios a separá-los: históriadabicicleta e históriadocamião. Ambas as faixas com o mesmo beat mas que me parecem para destinatários diferentes, penso que o teu pai e a tua mãe. A utilização do mesmo beat aparece como uma representação tua, ou seja, um ponto de ligação entre eles os dois?

Primeiramente, quando tive a ideia para essas faixas, não eram para ser assim de todo. Quando tinha o primeiro draft do álbum pensado, estas faixas iam ser interlúdios quase sem letra, algo muito experimental e impercetível, algo completamente diferente do que ficou. Acabei por decidir meter mais letra, até porque foram acontecendo coisas à medida que fui trabalhando no álbum, e senti essa necessidade. Essas faixas são counter parts, então achei que fazia sentido elas terem o mesmo ponto de partida, e além disso, sendo a falar dos meus pais, achei que deviam começar do mesmo lugar. Não queria que uma tivesse um beat mais a rasgar ou mais agressivo, porque depois podia parecer que estava a olhar para eles de maneira diferente. A ideia é estar lá o mais despido possível e por isso é que são melodias super calmas, os drums são uma espécie de uma marcha… o objetivo era mesmo ser um ponto de partida simples para depois culminar em algo grande a nível lírico e não necessariamente musical. 

reprisede2018, é capaz de ser a faixa mais pesada no projeto, onde tocas em problemas desde os pessoais aos de saúde nesse ano. Tu aí já fazias música, que impacto teve no teu trabalho? 

Nessa altura até lancei um EP, que nem sei se ainda está disponível, o MESS. Fi-lo em 2017 mas só o lancei mesmo em 2018. Estava num período um pouco chato onde via tudo a andar para trás: relações de amizade, relações amorosas, o divórcio dos meus pais…foi um ano que me custou imenso, não estava a viver bem dentro de mim mesmo. Quando penso em 2018, há imensas cenas que não me lembro porque eu próprio forcei-me a esquecer as coisas, como um género de mecanismo de defesa.

Fixe teres pegado no MESS porque na eu’memo falas sobre problemas na infância, que até já tinhas pegado na bullying em 2018 nesse mesmo EP. Neste som, a tua música passa além de um libertar de sentimentos, é também um apelo à educação. A tua música tenta agir diretamente. 

Além de ser um escape para mim e me ajudar a fugir um bocado à realidade, a minha música sempre teve como objetivo usar essas histórias para conseguir passar essas mensagens e ver se alguém através delas consegue mudar. Na eu’memo eu digo “Eu já não posso voltar atrás / Mas podemos educar os putos” de certo modo para as pessoas se ficarem a sentir mal.

Tu até dizes antes do refrão “De certeza que vocês não querem / Ver alguém morrer só porque não teve coragem de dizer / Eu vim pa ser eu me’mo”. 

Exatamente.

“Ok, meu mano, já entenderam que a tua tropa domina / ‘Tá na hora de seguir em frente e mudar a cantiga”. É uma dica para o dazed dex do passado?

Ya, 100% [risos]. O dazed lex do passado, na altura do COSMÓPOLIS, tinha completamente a certeza que que ele era o gajo mais versátil do underground, e tipo, não era [risos]. Ainda hoje não sou e está tudo bem com isso, a ideia é termos as nossas características e não necessariamente lutarmos para sermos os mais diferentes de todos, basta sermos nós mesmos. Ainda hoje tenho traumas com a RIVAL sempre que ouço “A minha tropa domina” [risos]. A cena é que esse foi o primeiro som que lancei depois de entrar na faculdade, então os meus colegas andavam todos a ouvir esse som, quase como um culto. Atualmente não me identifico com o som, parece que nem é um som meu. 

Em junho de 2021, recebeste uma resposta a um story de uma pessoa que hoje te é muito importante. A partir desse momento, demorou muito até começarem a trabalhar juntos?

Ya, ya, foi o Xanny7k! Não tenho a certeza, mas acho que não foi uma resposta a uma história. Acho que ele me reencaminhou uma publicação minha, onde tinha uma prévia da Auge, a pedir para entrar no som. Eu disse-lhe que o som já estava fechado e que não dava, até porque não queria que tivesse um feat por ser algo mais pessoal, mas para mantermos contacto e que ele me fosse enviando cenas para fazermos algo juntos. Ele mandou-me a Online e a partir daí aconteceu. A Online saiu em agosto, gravamos o clip em julho, portanto foram uns 2 meses até surgir a cena. 

 

Fonte: dazed lex

O Xanny7k marca presença neste álbum, na querosergigante!, e nos teus últimos projetos temos sempre contado com várias colaborações. O que é para ti trabalhares com outros artistas?

Dependendo um bocadinho do projeto, tenho opiniões diferentes. No semmúsica’tavam*rto para mim não faria qualquer sentido ir mais gente além do Xanny7k. Tinha planos para incluir mais gente antes, mas depois acabei por não avançar com isso porque como é um álbum muito introspetivo, queria apenas incluir alguém que faz parte do meu dia-a-dia. Adoro trabalhar com outras pessoas, inclusive estou agora a trabalhar num projeto que quero que tenha um bocado mais de participações, também por ser algo menos introspetivo e menos pesado a nível de temas. 

Já que estamos a falar do Xanny7k, ele está contigo na 14 desde 2022, quando foi criada. Como é que surgiu o projeto da 14?

A 14 surgiu de um grupo do WhatsApp que era o Xanny7k, o salvxs e eu. Nós já estávamos todos com essa ideia de “e se oficializássemos este grupo” até que acabei por sugerir. O Xanny7k até me contou que já estava numa de sugerir isso então foi algo que surgiu de uma maneira muito natural. Depois o salvxs acabou por sair da formação principal da 14, por conflitos de interesses só, mas continua na 14 como dj. Como artistas principais estou eu e o Xanny.

Voltando ao álbum, no videoclip da comdor, aquele duelo no xadrez é uma referência ao Sétimo Selo do Bergman?

 Exatamente. Eu tenho curso de Cinema, tirei no secundário na António Arroio contra a minha vontade [risos]. Eu queria ir para Som mas como não abriram turma e como a minha segunda opção era Cinema, acabei por entrar. Eu nem curto muito, não tolero cinéfilos, dão me um bocadinho de nervos [risos].

Fonte: dazed lex

Engraçado então escolheres um filme do Bergman. 

Foi o primeiro filme que vi quando estava lá no curso, um professor mostrou-nos, então acabou por servir como uma referência pessoal minha daquela fase da minha vida. Inspirei-me na estética desse filme em geral para o álbum todo. 

Que peripécia é que foi gravar o videoclip?

Gravar esse videoclip foi provavelmente um dos clips mais stressantes que já gravei. Tínhamos de levar alguns adereços, eu levei os meus, e o Marcelo, o nosso videomaker, ficou encarregue de levar a faca, mas esqueceu-se [risos]. Ao sair do estúdio para ir buscar a faca, o carro estraga a caixa das mudanças, e eu nem me lembro como é que depois se resolveu. Foi uma grande confusão, estava num stress gigante porque estava a pagar à hora para estar no estúdio e ,com aquilo tudo a acontecer, não estava a acreditar ser possível [risos]. No fim, correu tudo bem. 

Este ano marca-se uma década desde que começaste a fazer música…2015, Caras e Coroas [risos]. Como é que tudo começou?

[Risos] Olha mano, tudo começou com um puto que queria cantar. Lembro-me bué bem de estar no pátio da minha escola no verão, quando andava no ATL, pegar num caderno e começar a escrever umas rimas super podres [risos]. Aí foram as minhas primeiras cenas, tinha 13/14 anos.

Suponho que fosse nessa altura que os sons surgiam a ouvir beats na televisão e a gravar a voz no telemóvel [risos]. 

Era sim [risos]. Eu tinha uma cómoda alta, até à zona do peito, então metia lá o telemóvel a gravar e metia depois um beat aleatório na televisão. Aliás, a Caras e Coroas nem tinha beat [risos], foi só acapela, nem sabia procurar beats. Esse som está em privado, não sou capaz de o meter cá fora [risos]. 

Agora com lançamento do álbum, tens a cabeça mais desligada da música ou continuas a desenvolver planos?

Estou ultra ligado na mesma. Já tenho dois projetos pensados: um para este ano, um género de mixtape, e outro para 2027 ou para 2028. Ando também focado em networking, acho que é algo muito importante e às vezes desvalorizo. Sou uma pessoa muito calada, gosto muito de seguir a minha rotina, sem ir a muitos sítios, então às vezes tenho preguiça de sair da zona de conforto e ir a cenas que me podem abrir portas. Tenho tentado lutar contra esse instinto e tentar estar presente no meio, às vezes fico só focado na música e esqueço-me um bocadinho do que está à volta. 

 

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