Depois de vários adiamentos e mudanças no cartaz, como a pandemia tanto obrigou, o festival ID No Limits voltou finalmente a encher o Centro de Congressos do Estoril, com uma segunda edição que contou com cinco palcos e mais de 40 artistas. De 24 a 26 de fevereiro, o espaço encheu-se de artistas conceituados e uma enorme multidão, sob luzes néon e uma atmosfera algo futurista e tecnológica -honrando a imagem promocional do festival- para dar destaque à atualidade da esfera musical, com um mix de música urbana, eletrónica e contemporânea.
Esta mistura resultou num cartaz de luxo com ilustres cabeças de cartaz, onde o hip hop esteve muito presente: de Rejjie Snow a Regula, passando por Lex Amor, T-Rex e Mynda Guevara o género brilhou com todo o seu esplendor e a tua rádio esteve presente.
Embora o dia mais antecipado – especialmente para os fãs de hip hop- fosse o segundo dia deste festival, o primeiro também não prometia ser benevolente no que toca à corrida entre palcos. Com nomes como Nenny, David Bruno, L-Ali e Yuri NR5, foi necessário levar calçado confortável e muita energia e partir para a pista, pois não havia tempo a perder.
O concerto de Nenny foi o primeiro a que assistimos, no palco Grand Hall Cascais, um local que se encontrava repleto, evidenciando o considerável progresso que esta artista tem feito em termos de performance. A sua energia constante em palco cativa o público de uma maneira muito própria, com as suas músicas ritmadas, passos de dança e interação com a audiência, que canta de volta todas as músicas da cantora e não exclusivamente o seu hit “Tequilla”. Durante a sua música “Lion” pediu aos presentes para entoarem essa mesma palavra, adequando-se de forma perfeita a tudo o que Nenny é e representa: uma verdadeira força da natureza ainda com muito para dar, como a própria música indica: “Tou a reinar sozinha a construir meu proprio lema” e “Tiara é minha atitude, presença de leoa”.
Consideramos o próximo concerto que testemunhámos, Lex Amor, como a grande surpresa da noite. A rapper e produtora britânica com raízes nigerianas encheu o palco do Auditorium com uma potente energia, mostrando o verdadeiro poder da simplicidade e conexão com a plateia. Mensagens importantes foram entregues através das suas rimas, com uma voz melódica e algo rouca, mas assertiva, que nos deleitou com músicas como “Mazza” , “Bones”, “Rocks” e “100 Angels”. Não faltou atitude nem flow em nenhum tema, sempre acompanhados pelo inebriante som do saxofone, nas mãos de Solaariss, que contribuiu (e muito) para a atmosfera sentida na sala e para as “good vibes” tão procuradas por Lex Amor, que as avaliava em percentagem através da receção do público, após a apresentação de cada tema. Começando no 7% e estando já a 70% na penúltima música apresentada, pela atmosfera sentida e concerto incrível que foi, atrevemo-nos a dizer que chegou a mais de 100%, atingindo assim o derradeiro objetivo da artista.
Seguimos para o concerto de L-Ali, já a acontecer no Room 002 Eristoff, com uma plateia considerável e das mais efusivas e pesadas que testemunhámos neste primeiro dia de festival. Ao longo de temas como “Tanque”, “BABA” e ainda hits de Colonia Calúnia como “Silna” e “Mosa Rota”, a plateia ia ficando progressivamente mais agitada, tendo culminado em “Banghello!”, “UAIA!” e “Siri”, onde o entusiasmo era tanto que as grades da fila da frente foram deitadas ao chão, enquanto uma multidão empurrava e gritava de volta as letras, de uma forma extremamente dedicada -um especial shoutout aos funcionários e seguranças, que tão bem lidaram com a situação, sem que ninguém se magoasse.
A festa continuou com David Bruno, no Room 001 Super Bock, já com a sala cheia. Acompanhado dos seus fiéis entertainer-natos Marco Duarte e António Bandeiras, estava montado o espetáculo que nunca deixa de ser uma experiência diferente, por mais vezes que se tenha visto ao vivo. Sempre com novas histórias para contar ao público e seguindo a narrativa de um jovem artista extremamente orgulhoso das suas origens, nunca faltam as entoações “Marquito! Marquito!” em homenagem ao guitarrista, piropos a António Bandeiras e o típico “Gondomar! Gondomar!” entre os populares temas a que já estamos habituados como “Bebe & Dorme”, “Salamanca by Night” e “Doucement”, do seu mais recente álbum a solo “Raiashopping”, sempre acompanhados de conversa e muita animação. Estes concertos são também a única oportunidade que os fãs do artista têm para ouvir o tão consagrado tema “Lamborghini na Roulotte” pois, como proferido pelo próprio David Bruno: “Nem que me oferecessem um milhão de euros eu lançava isto nas plataformas!”, argumentando ser uma prenda para quem faz questão de o ver ao vivo.
Houve também tempo, no meio da intensa correria entre palcos – que certamente já deixava saudade- para visitar uma das maiores rainhas do rap crioulo em Portugal, Mynda Guevara, que se encontrava a incendiar o palco do Auditorium. Com músicas carregadas de significado, que servem como veículo para discursos sobre a luta feminina e batalhas interiores, a artista apresentou temas como “Tra pa fora” e “Valor Kez Ta Danu” para uma plateia que se encontrava sentada até ter sido mandada levantar para dançar nas últimas músicas. Obedeceram todos de bom grado, criando um bonito momento de celebração da música crioula.
O concerto acabou num forte tom feminista, onde a artista pediu que todos se juntassem em frente ao palco, de punhos erguidos a gritar “girl power” e “Mynda Guevara”, no culminar de uma atuação empoderada.
Presenciámos ainda um pouco do concerto de Yuri NR5 a decorrer no Room 002 Eristoff, uma sala que estava completamente a abarrotar. Chegámos precisamente na altura em que estava a cantar o seu maior hit “São Paulo”, numa sala cheia de caras familiares que entoavam a música de volta. Este concerto afirmou-se como uma prova do fenómeno que é este jovem artista em ascensão, que moveu um mar de pessoas totalmente investidas nas suas palavras e instrumentais que ficam no ouvido.






O tão aguardado segundo dia deste festival contava com nomes de muito peso: Rejjie Snow e Greentea Peng carregavam o título de cabeças cartaz, mas certamente não estavam sozinhos. Juntamente com Regula, xtinto, Sippinpurpp, T-rex e Lon3r Johny, este dia estava um verdadeiro banquete, novamente e ainda com mais intensidade, para os amantes de hip hop.
Começámos por assistir na integra ao concerto de Tristany, que se fez acompanhar da sua extremamente talentosa comitiva, constituída por Suzanna Frances, Black Fox, Ari.you.ok e Celio. Com um forte cheiro a incenso e um Auditorium bem composto, mais que um concerto este foi também uma experiência algo cósmica, envolta numa mística aura embrenhada com as bonitas melodias apresentadas pelos artistas e os cânticos de Tristany, que agiam muitas vezes como mantra também, repetidos a pedido pela plateia. Numa atmosfera de encontro, amizade e receção/envio de energias, este foi o concerto que mais se destacou no que toca a interação com o público, onde foram partilhados conselhos de paz, amor e amar o próximo através da linguagem mais comum a todos: a música.
Tendo também sido, na nossa opinião, um dos concertos mais bonitos de todo o festival, gostaríamos de destacar a performance das músicas “Rapepaz”, “Naxer du sol parte 2”, por serem músicas emprenhadas de sentimento, o que claramente transparece e se destaca pela performance em si. De olhos fechados a danças entre os membros, passando pelo bonito som de violino de Suzanna e vozes secundárias que pareciam vir de cima foi criada uma atmosfera que desenvolveu um enorme sentimento de pertença e amor pelo próximo, algo que Tristany nunca parou de incentivar ao longo de todo o concerto: “Amor em forma de matéria, amor projetado em alguém é aquilo que nos faz vibrar”.
Seguimos para o Room 002 Eristoff para ver xtinto, um artista progressivamente mais conceituado a cada dia que passa, algo totalmente justificável não só pelos seus lançamentos, como pelo concerto que apresentou. Embora estivessem a acontecer outros concertos de populares nomes ao mesmo tempo, como o próprio artista fez questão de frisar, a sala estava bastante composta e mais que pronta a cantar com o rapper todas as músicas que ia apresentando, com uma garra e flow de louvar. A plateia já ao rubro com a apresentação de temas como “Pentagrama”, “Android”, “Interlúdio” e “Saia”, que partilha com Stereossauro, foi levada à loucura quando xtinto chamou ao palco dois convidados: Harold, para cantar a sua música “Pontas” e Benji Price, para cantar os temas “Éden” e “Pó de Cosmos”. Depois desta sua prestação fica um claro entusiamo pelas próximas.
Sem nunca abrandarmos no entusiasmo, dirigimo-nos a passo rápido para o Auditorium onde atuava Regula, um dos nomes mais esperados da noite. Com a sala bem perto de atingir a sua capacidade máxima e com toda a gente em pé, encontrava-se no centro do palco uma das maiores lendas do rap tuga, a fazer o que melhor sabe fazer: apresentar os seus maiores hinos, com uma mestria que certamente intimida muitos, para uma legião de fãs a invejar, pois embora sejam algo longas e complexas as suas letras, todo o auditório as gritava de volta, enquanto fazia o sinal do gancho. Podia sentir-se um intenso calor humano à medida que Don Gula apresentava algumas das mais esperadas do seu reportório como “Langlife”, “Gana” “Mêmo a Veres”, “Casanova” e “Solteiro”, mas a sala incendiou de vez quando entrou Dillaz para se juntar ao próprio e cantar “Wake N Bake”. Destacamos este como um dos momentos mais altos de todo o festival, num concerto que poderia facilmente ficar para a história.
De seguida, acompanhámos a multidão que se deslocava para o Grand Hall Cascais onde iria atuar Rejjie Snow, uma das mais aguardadas cabeças de cartaz. Este pode ser considerado como um dos melhores concertos a que assistimos, não só pelo seu enorme talento para o rap, como pelo carisma apresentado através de animadas e muito frequentes conversas com o público, danças espontâneas, constantes tentativas de aprender a pronunciar a palavra “Cascais” e um grande entusiasmo no geral. “Désolé”, “Egyptian Luvr” e “23” foram as músicas que despertaram uma maior reação pela parte da plateia, também por serem algumas das mais conhecidas, mas a maioria dos presentes estavam prontos para cantar todas as músicas, extremamente emocionados por se encontrarem na presença do seu ídolo, num ambiente de animação e amor à música incrível.
O próximo concerto experienciado foi o da extraordinária Greentea Peng, cantora de R’n’B e neo-soul oriunda de Londres, que esgotou a capacidade da sala Auditorium. Com uma legião de fãs na fila da frente que envergava cartazes e presentes para oferecer à artista, Greentea Peng tem uma das maiores e mais fortes presenças em palco que pudemos testemunhar. Tendo como principais influências Lauryn Hill e Erykah Badu, não é muito difícil de imaginar o nível de performance que nos apresentou, cantando populares temas como “Mr. Sun (miss da sun)” e “Downers” apelidada pela própria como “a música pela qual vocês me conheceram, certamente”, elevando progressivamente o entusiasmo do público com uma voz fora do comum e indumentária a condizer.
Por fim, conseguimos marcar presença no concerto de T-Rex no palco Grand Hall Cascais, um dos nomes mais conhecidos atualmente na esfera do hip hop português. Fazendo jus ao título, o artista atuou para uma volumosa plateia composta por fãs devotos, rasgando o palco com uma energia contagiante que nunca esmoreceu, ao cantar músicas como “Tempo” que partilha com Lon3r Johny, FRANKIEONTHEGUITAR e Bispo, “Volta” e um dos seus novos singles “Pra Mim”. Esta estrela em constante (e rápida) ascensão chamou ainda ao palco os integrantes do coletivo Mafia73, para cantarem juntos o tema “Tinoni”.
Não podemos deixar de mencionar ainda Lon3r Johny e também Sippinpurpp, que atuaram no palco do Room 002 Eristoff, em horários diferentes, mas com salas igualmente cheias, não fossem eles alguns dos nomes mais populares (e requisitados) atualmente.
A noite terminou com um DJ Set de Mike El Nite, onde o hip hop se encontra sempre presente e chama multidões.
Este festival contou ainda com mais um dia, dedicado maioritariamente à música eletrónica, com Dj Sets de nomes como Branko, Pedro da Linha e Major League DJZ. Este género musical esteve, no entanto, sempre presente no festival, através até da sua Silent Disco, uma “discoteca” onde cada um tinha o seu próprio par de headphones.
O ID No Limits voltou assim a estabelecer uma celebração sem limites, num sítio completamente transformado para acolher um cartaz eclético, mas harmonioso. Embora um centro de congressos não pareça, à partida, o local mais apelativo para um festival, tudo funcionou e encaixou no aparente tema deste evento: uma celebração das expressões musicais urbanas, contemporâneas e eletrónicas, com uma vibe algo metropolitana. É sempre agradável ver tantos nomes ligados ao hip hop em festivais com potencial para se tornarem cada vez mais populares, pelo cariz difusor destes eventos. Foram três dias sem limites para a celebração da música, reencontros e convívio, que vieram matar saudades da altura em que podíamos festejar livremente, deixando-nos extremamente entusiasmados para as próximas edições. É ficar atento.















