Hip Hop Rádio

gonsalocomc: “Comecei mais ou menos por volta dos 13 anos, foi uma cena um bocado na brincadeira”

Com apenas 17 anos, Gonçalo Lopes, mais conhecido por gonsalocomc, é já uma promessa no que toca à produção de música. Após ter lançado a sua beat tape intitulada “àtoatape 1” e produzido todas as faixas do aclamado EP “Mal Passado Bem Pensado” de Wugori, o artista não parece abrandar, continuando na vanguarda para produzir inovadores instrumentais para outros nomes emergentes como Herege, Tigaz e Guilherme Basta. A Hip Hop Rádio esteve à conversa com o jovem prodígio, oriundo de Braga, com o objetivo de ficar a conhecer um pouco mais sobre a sua arte, o seu génio, e planos futuros.

Primeiramente, porquê “gonsalocomc” ? Há alguma história por detrás desse nome?

Esse nome…eu agora nem gosto muito desse nome, mas foi algo que aconteceu mesmo antes de começar a fazer música. Eu queria um nome diferente para o Instagram, para não estar a pôr “Gonçalo Lopes” porque ficava bué chato, então queria pôr “Goncalo”, só que “Goncalo”, sem a cedilha, faz com que as pessoas tenham tendência a ler mal, leem sempre “Goncalo” em vez de lerem “Gonçalo”. Então pus com “S”, para as pessoas não caírem nesse erro, mas depois como com “S” também ficava estranho, meti com “C”. Depois quando comecei a fazer beats, em vez de inventar um nome artístico, peguei só no do insta, ‘tás a ver?

Embora tenhas começado recentemente, já contas com um vasto reportório de sons, tanto a nível individual, como a nível de colaborações. Fala-nos um pouco sobre como te iniciaste no mundo do beatmaking.

Comecei mais ou menos por volta dos 13 anos, também foi através do telemóvel, uma cena um bocado na brincadeira, instalei o Garage Band só mesmo para brincar. Uns amigos meus já faziam música, Hip Hop, só que não faziam beats e eu comecei a experimentar aquilo, a tocar notas no piano, sem sequer perceber muito de teoria musical e depois, entretanto, apaixonei-me um bocado por aquilo, não conseguia parar, e foi até fazer um beat chamado “Delírio”, do qual me orgulhei mesmo a sério. Nunca cheguei a lançar, mas desde aí nunca mais parei. Fui para o pc, etecetera, e agora faço aí umas cenas.

E como ocorre o processo? Tens um home studio, é individual, ou vais a algum lado?

É tipo um anexo que eu tenho em casa. Não vou para fora de casa para produzir, ainda que um amigo meu tenha estúdio, geralmente é tudo no pc. Agora tenho umas colunas, tenho uma máquina… eu só faço isto mesmo porque gosto, não me obrigo a ir produzir, então é só: apetece-me ir fazer qualquer coisa, ouço uma música que me desperta para samplar, ligo o pc, faço uma cena tipo meia hora, uma hora, duas horas, e depois vou fazer outra coisa qualquer, é mesmo um hobbie.

Onde vais buscar inspiração para fazer a tua música? Quais são as tuas maiores influências?

Costumo inspirar-me bué em filmes, especialmente na banda sonora, para samplar, ou mesmo sons que ouço na rua ou frases soltas que me tocam no dia a dia. Quanto a influência de artistas, tenho bué bases, como por exemplo o Kanye West, Sam the Kid, o oseias., o Profjam também ainda na tuga…o próprio Wugori, que antes de fazer o projeto com ele, já ouvia cenas dele e essas cenas já me puxavam para produzir. Dos States tenho Madlib, DOOM, Standing On The Corner, Slauson Malone, Ovrkast., Gil Scott-Heron. Depois fora de Hip Hop tenho pessoas como o Chico Buarque, o António Carlos Jobim também, gosto bué de música brasileira: Emílio Santiago, Novos Baianos, Mutantes. Mas tenho muitas influências variadas, vai até ao King Tubby, reggae. E é à volta disso.

Nota-se também que és adepto da utilização de samples. De Tim Bernardes a Madvillain, passando por diálogos variados, qual é o critério de escolha? Tens alguma preferência?

Eu gosto mesmo bué da sonoridade da música Brasileira. Comecei por samplar Jazz, depois saiu-me para o Soul, e agora tudo o que me aparecer e desperte a orelha é alvo de interesse, para ser honesto. Antes ia só para música antiga, depois apareceu-me essa música do Tim Bernardes e eu caguei um bocado nisso de ir só para o antigo, agora tudo aquilo que me aparecer, até pode ter sido feito tipo ontem por um amigo meu, se me puxar para criar alguma coisa, eu vou pegar nisso.

Como foi produzir todas as faixas do “Mal Passado Bem Pensado”? Já conhecias o Wugori?

Imagina, eu tenho um projeto que vou lançar agora chamado “Lavanda”, com um amigo meu cá de Braga, o Tigaz, tem a minha idade e tudo. Quando começámos a fazer as cenas para esse EP já eu e ele tínhamos grande admiração pelo Wugori, que também andava a fazer cenas com as quais nós nos identificávamos, antes até do “Mal Passado Bem Pensado”, então disse ao Tigaz: “Olha se calhar mandávamos mensagem ao Wugori e ele entrava num som nosso”. Esse foi o primeiro contacto direto que tive com ele, é um gajo bué humilde, agora também somos amigos não é, fizemos um projeto. Resumindo, ele entrou no som, eu curti bué do som, ele depois também curtiu bué de entrar no som do projeto que ainda vai sair e até me convidou tipo: “olha queres fazer um EP comigo?”. Isto umas semanas depois de ele me mandar o verso dele. Entretanto comecei a mandar-lhe loops e foi bastante prático, tudo por Whatsapp, uma cena na boa. Se ele não curtisse não pegava, se eu não curtisse também lhe dizia: “olha…vamos fazer outro som”. Foi espontâneo, nem sequer tínhamos uma linha para seguir, literalmente mandei-lhe uma catrozada de cenas que tinha feito, ele pegou nas que mais curtia e escrevia para aquilo e saiu aquilo. Depois ordenámos.

E ainda foram algumas faixas.

Ya, foram umas seis e por acaso agora pus no Bandcamp uma faixa que é bónus! (“…Rascunho “Batman”). Esta não metemos originalmente, mas como está castiça, está engraçada, metemos agora.

Então lê-se “Wuguri” e não “Wugóri”?

Eu costumava dizer “Wugóri”, só que depois falei com ele e o nome pronuncia-se “Wuguri” e até posso explicar, se quiseres fica assim em bónus. O “Wu” vem de Wu-Tang e “Gori” de Gorillaz, que são duas inspirações do gajo. Mas na minha opinião Wugóri fica mais na cabeça.

Na “Só”, faixa que partilhas com Herege, e também na “Vázio”, com Tigaz, não só produziste, como também escreveste. Gostavas de explorar mais esse teu lado de MC?

Eu escrevo mais por necessidade, nunca é para ser rapper, não curto da cena de ser rapper, eu gosto mesmo é de produzir. O que eu quero explorar é mesmo a minha veia de produtor, e ficar cada vez melhor nisso, mas por outro lado também gosto bué de rimar e escrever em si. Eu gosto mais de escrever do que rimar, mas como não vou escrever um livro, prefiro rimar nos beats. Também a cena de rimar dá-me um panorama melhor para produzir, porque assim eu sei o que é que um rapper pensa e essas cenas todas. Por isso estou a pensar fazer um projeto a rimar, mas gosto mais de investir na cena de produção.

Com quem gostarias de colaborar futuramente? Tens alguma colaboração de sonho?

Tenho algumas. O Sam the Kid obviamente, o Benny Broker, grande gajo, curtia bué de lhe mandar um beat…bué pessoal mesmo. O L-Ali por exemplo, o TILT…a tuga tem bué rappers fixes e flexíveis. Também curtia rimar num beat do Vulto., num beat do oseias. Mas vamos fazendo esses connects, eu ia dizer pessoal, mas até já estou a colaborar com esse pessoal. Relativamente aos States, seria sonho fazer um som com o Kanye West, curtia rimar num beat do Madlib…o J Dilla também era fixe, Tyler, The Creator também.

Há algum som teu pelo qual tenhas um carinho especial? E porquê?

Há e é um som que eu nem sequer sei se vou lançar. Chama-se “Mesma Coisa” e é só isso que eu posso dizer, porque não sei se vou lançar ou não e não quero estar a dizer cenas, mas esse som bateu-me bué. O beat é do Wugori, mas eu depois toquei um solo e a letra é muito especial para mim. Mas se for para escolher sons que eu já fiz e já lancei, gosto bué da “”. Esse som está bué introspetivo dos dois, está muito honesto, cru, tanto produzi eu, como produziu o Marco, o segundo beat é do Marco. Muito fixe esse som porque foi gratificante contruí-lo, a estrutura toda, primeiro o meu verso, depois tens aquelas quatro tarolas, depois outro verso, depois o beat do Marco…e foi uma coisa mesmo bué divertida de se fazer.

Qual a mensagem que pretendes passar com a tua música?

Por acaso nunca tinha pensado nisso, é grande pergunta. Talvez seja a cena de expressar qualquer energia. Imagina, eu gosto mais de expressar cenas melancólicas, porque expressar é uma maneira de lidar com as coisas. Só escrever as coisas num papel, fazer alguma coisa, tocar um apito (risos). Se estiveres triste sai, se estiveres feliz também sai, eu acho que música é uma cena para expressar qualquer tipo de energia e o que eu vou sempre fazer com a música vai ser isso.

E curtes pensar em cenários nos quais o pessoal possa estar a ouvir a tua música?

Um bar de Jazz. Mas em vez de ser Jazz, era eu a passar beats tranquilos e alguém a cantar o que sente. Uma cena relaxada, tipo aqueles concertos em que o pessoal está sentado, ou de pé, mas calmo, bué na sua, sem aquela coisa de moshpits nem nada. Respeito essa cena, mas não associo à minha música.

O que podemos esperar de ti relativamente a projetos futuros?

O “Lavanda” que falei há bocado, que é com o Tigaz, tem colaborações do Herege, do Wugori, e de um gajo da nossa zona que é o Compasso, também é grande artista. Esse projeto é muito sobre a evolução individual das pessoas, e ao mesmo tempo é o que eu e o Tiago andamos a fazer há uns anos, desde que começámos a fazer música. Foi ele a primeira pessoa que pegou nos meus beats e esse projeto já é mesmo velho. Para este ano, projetos que eu sei que vão sair é mesmo esse,  o “Lavanda”, que é uma cena muito importante para mim, porque é o mais puro que eu e ele andamos a fazer. É um EP para pôr Braga no mapa.

Vês-te a apresentar a tua música ao vivo?

Vejo. Por acaso eu e o Tigaz demos um concerto há pouco tempo no Mavy, foi o Compasso que nos arranjou. Acho que vou dar mais este ano, se não estou em erro, e até vai ser com o Wugori, mas eu prefiro passar som a rimar ao vivo. Mas são cenas fixes, eu gosto de ter pessoal num café a ouvir as cenas.

E isso seria mais por Braga ou pensas em expandir?

Não, claro, se fosse para apresentar música ao vivo, se quisesse dar concertos relativamente relevantes, talvez fosse para o Porto, gostava de tocar no Maus Hábitos, também curtia de tocar na Zé Dos Bois, em Lisboa. Um dia.

A que nomes acreditas que a tuga tem de estar atenta?

A tuga está a dormir bué no Wugori, no DoisPês, gajo de Ermesinde, grande beatmaker. Guilherme Basta, o Tigaz, mas vou lançar EP com ele, o Herege, o moisés, o bedhop, Parker. Tenho-me conectado com bué pessoal. O Mura também, há bué pessoal de Lisboa, daquela mixtape “De Rajada” … sei que me estou a esquecer de pessoas, mas por exemplo, mesmo fora do Hip Hop, eu tenho uma banda que são os Tulipas e estão lá bué pessoas talentosas, vou já aqui dizer nomes: Zaga, Sami, Pastor Citadino. Ainda não saiu nada…, mas vai sair. Estejam atentos.

Queres deixar uma mensagem para quem está agora a começar a aventurar-se no que toca a produzir sons?

Toda a gente que estiver a começar a fazer música, eu acho que não devia de ter medo de fazer os sons, por muito que tenha duas ou três ‘views’ por cada som que lança, porque eventualmente vai haver alguém que vai conectar com a música, se estiver a ser feita do coração. Por exemplo, uma cena que eu sofria bué, é que eu fazia bué beats e ninguém pegava neles, mas para todos os beatmakers, alguém há de pegar no beat, por mais maluco que seja. No início a cena de ter bué poucas ‘views’ desmotiva muito, até dá para ponderar desistir. Eu por acaso nunca pensei muito nisso, porque também nunca fiz muito por isso, mas pessoal que seja mais influenciado por esse feedback, acho que não deve mesmo ligar nada a isso, desde que esteja a gostar do que está a fazer.

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