Hip Hop Rádio

Bruno Fidalgo de Sousa

Antigamente fazia "a contagem diária dos cigarros que restam dentro do maço". Hoje fumo de enrolar.

Nerve em modo auto-sabotagem no Salão Brazil

Nerve deixou “só mais um pedaço” da sua vida em Coimbra. Em dia de casa cheia, o piano só foi utilizado para pousar a garrafa de água e o MC português só saiu do Salão Brazil em ovação. Auto-sabotagem em ação. 

A sala de espetáculos da baixa coimbrã voltou a receber Nerve, literalmente dois anos depois do seu último concerto num dos espaços mais culturais da cidade. Desta feita, o rapper não trouxe cópias do álbum de 2016 T&C/AVNP&NMTC, mas sim do seu último trabalho, Auto-Sabotagem, com o qual abriu a noite. Sozinho no palco, vestido de negro e com letras fúnebres e narcisistas, Nerve continua (e continuará?) a atuar de forma singular: um microfone e um público passivo-agressivo.

A sala escura ditou o cenário. Partiu de “Plâncton” a “Breu”, num alinhamento quase perfeito. Deixou “Deserto” como a sexta faixa do concerto e o gancho que permitiu ao MC puxar uma plateia um quanto apreensiva. “Água do Bongo” e “Pobre de mim”, temas habituais dos seus concertos, reavivaram a memória de antigos álbuns. A meio, o rapper debita um “vou só deixar mais um pedaço de mim”, embora seja o seu amigo imaginário que lhe escreve as letras. Percorrendo as restantes faixas do antecessor de Auto-Sabotagem, deu tempo ainda para um “Funeral” sem cigarros e para fechar com as célebres “Nós e Laços” e “Subtítulo”.

Nerve, cujas expetativas “não são cenas megalómanas”, está no seu primeiro ano a viver em exclusivo da música, pelo que este EP, afirma, “é um símbolo dessa disponibilidade que eu estava a falar e a ideia é, de alguma forma, e de uma forma um bocadinho hipócrita, se calhar atacar a indústria que me alimenta, daí o nome auto-sabotagem.”

Em “Pedragelo” dizia que “se a vida são dois dias vou dedicar um dia aos beats e outro dia às letras”. Talvez neste EP, que foi produzido na íntegra por Nerve, já se perceba que os dois dias do MC não foram desperdiçados.

 

 

Por Bruno Fidalgo de Sousa
Fotografia de Diana Reis

 

Sp Deville assina e publica videoclip de “Verdade”

 

Sp Deville assina dedicatória na descrição do videoclip de “Verdade”, publicado hoje no seu canal de YouTube. O vídeo contou com a câmara de Dominant Name e a edição de Melissa Freire e é, depois do single “Longe”, o primeiro tema de dos álbuns mais underground de 2017 a chegar ao público neste formato.

Black Gipsy (editado pela editora do mesmo, Família Bizno), um dos álbuns mais underground de 2017. O artista portuense, que reside agora em Londres, acompanhou a descrição de YouTube com uma dedicatória:

“The Simplest things in life are the most beautiful.
I could have gone deeper with this video, but truly I fell in love with how simple it is.
My friends that work in the video keep not telling me, It’s too dark too mush grain this is that, but you know what?
Sometimes life is like that,Dark and Grainny.
Had all this crazy ideas, to make something epic, but this is what my heart is telling me to put out.

This video is my reflection of how Truth is as powerful as Time.
We live in a World where we are constantly forgetting to be ourselves
this is a reminder to myself and to others, to stop worrying so much and just enjoy whatever the
universe has in line for all of Us.

I dedicated this one to me myself and I…”

Sp Deville

Sem ter ainda anunciado um próximo trabalho, Sp Deville volta a marcar a cena do hip-hop nacional combinando uma sonoridade única com uma produção simples e introspectiva, talhada pelo próprio.

Por Bruno Fidalgo de Sousa
Fotografia com Direitos Reservados

https://www.youtube.com/watch?v=a-WuFKDkCqM

 

Valas e Lhast juntos em “Preciso”

“Preciso” é o novo single de Valas, mais uma vez em dupla com Lhast e com contribuição de Henrique Carvalhal na guitarra. O rapper eborense publicou hoje a sua quinta faixa pela Universal Music (UM) no seu canal de YouTube, com videoclip assinado por Cheezy Ramalho.

Sementes de Pedra em 2014 e Raízes de Pedra em 2016, e, agora como Valas, o próximo trabalho do rapper está no forno. “Preciso” é a quinta faixa solta de um reportório onde também se encontram “Acordar Assim”, “As Coisas”, “Alma Velha” e “Imagina” – estas últimas com Slow J e Profjam, respetivamente.

O tema, que junta novamente Rafael Alves e Valas, é acompanhado por um videoclip assinado por Cheezy Ramalho, com produção da Behind the Scenes e realização da Supply Creativity. Este é o quinte single do rapper desde outubro de 2016, que alegadamente prepara um álbum para 2018.

Por Bruno Fidalgo de Sousa
Fotografia de arquivo

Auto-Sabotagem de Nerve já nas ruas

Auto-Sabotagem é o novo EP de Nerve, publicado pelo artista no seu canal de YouTube esta segunda-feira à noite. O projeto de seis faixas tem uma edição independente e conta com Zé Quintino (ou Dwarf) na masterização e com o saxofone tenor de Notwan em quatro temas.

Nerve tinha anunciado nas redes sociais que haveriam “novidades dentro de, sei lá, horas?”, questão acompanhada com parte do artwork da sua autoria que ilustra o novo EP. “Plâncton”, “Loba”, “Simone” e “Breu” são as novas faixas de um trabalho do qual já se conheciam “Deserto”, lançada em 2017, e “Chibo”, publicada no passado mês de março.

Depois de editar ‘Trabalho e Conhaque’ ou ‘A Vida Não Presta & Ninguém Merece a Tua Confiança’, Nerve volta a mostrar o seu trabalho soturno e triste (“Escrevo quando vem breu. Bem, deu para ver que a música não tem de ser feliz. Nem eu”, ouve-se na última faixa do álbum) e está marcado o primeiro concerto de apresentação, em Coimbra, na próxima sexta-feira e com a cobertura da Hip-Hop Rádio.

O EP está disponível para encomenda em www.nerve.pt. e tem o custo de oito euros.

Por Bruno Fidalgo de Sousa
Fotografia de Daniel Pereira

 

 

 

Nunca foram precisas regras para fazer mossa

Tinha, como título original desta crónica, “Hip-Hop sem leis”, numa tentativa frustrada de comparar o atual panorama do rap português a um western de Sergio Leone – ainda que a banda sonora não seja de Ennio Morricone, mas sim de tantos outros MC’s e produtores nacionais. Os tiros de som ambiente estão, contudo, presentes em ambos os cenários.

“Hip-Hop sem leis” não resultou. Quando se tenta comparar tudo isto a tudo aquilo, verificamos que o género western foi ultrapassado, gasto, deixado no deserto entre cowboys e índios, caçadores de recompensas e palha seca a cruzar o plano. Por outro lado, estou cada vez mais certo que é com Tarantino que se deve teorizar, um pouco mais, este nosso hip-hop. “A vida não presta e ninguém merece a tua confiança” – imaginem qualquer filme do realizador norte-americano e coloquem este conhecido verso no meio: encaixa que nem uma luva. O toque bizarro de Quentin evolui ao longo dos seus dez filmes.

Espero que conheçam o filme “Inglourious Basterds”. Podem precisar desse conhecimento prévio para entender esta crónica. Ou de imaginação.

Imaginem então, se forem audazes para tal, que o general Ed Fenech não é nada mais que Profjam, comandando a tropa de elite sem escrúpulos. De um lado, Oseias, Benji Price, Osémio Boémio, Fínix MG, Rkeat, Ice Burz, L-Ali. Do outro, Donny Donowitz, Hugo Stiglitz, Wilhelm Wicki, Smithson Utivich, Archie Hicox, Aldo Raine.

Profjam tem como missão “matar o game”. Os bastardos inglórios tinham como missão, simplesmente, “matar nazis”. O game não é certamente a mesma coisa que “nazis”, mas o enfoque está na beleza da jornada.

E, não deixando totalmente de fora a ideia (genial, pensava eu) do “Hip-Hop sem leis”, conseguimos perceber isso tanto no ecrã de cinema como no ecrã de qualquer jovem ingénuo que grava um concerto do It’s A Trap em vez de aproveitar o moshpit. Nem os bastardos nem os pensadores se guiam por quaisquer regras pré-definidas e politicamente corretas.

Gson afirma em “Voar” que, permitam-me parafrasear, não é a nova escola e sim a nova escala. Esse tema ficará para a próxima. O que interessa retirar deste texto é que a nova escola não é mais que a mudança do jogo em si, a difusão do hip-hop como movimento maior na cena musical portuguesa, a sua deliberada inovação e frescura. E isso, como todos podemos observar, revê-se nas batidas trap que esta Think Music se serve para renovar o game. Se, como os bastardos fizeram, precisar de o matar, parece-me que irá fazê-lo. Podem não colocar o seu jogo numa nova escola, como o MC dos Wet Bed Gang. Mas fazem esse jogo à sua maneira, avançando a passo rápido na “conquista” nacional como um todo, uma label.

Donny Donowitz brandava tacos de basebol nas cabeças adversárias, Hugo Stiglitz assassinava chefes militares alemães à socapa, Aldo Raine marcava os oponentes com suásticas na testa. Mais uma vez, nunca foram precisas regras para fazer mossa.

Mas quem será o coronel Hans Landa desta história? Não sei se interessa assim tanto. No fim, todos morrem.

Por Bruno Fidalgo de Sousa
Fotografia de Arquivo

 

Lição nº3 e tudo a saltar

Naquela que foi a menos lotada das festas de hip-hop da cidade de Coimbra, o ex libris, desta vez, foi Estraca. Na terceira lição de hip-hop em Coimbra, os fotógrafos subiram ao palco quando o MC do Lumiar desceu, duas músicas depois do início do concerto. Só voltou a subir no encore. Por Bruno Fidalgo de Sousa.

Mais uma noite se passou onde o espaço para a festa foi o Avenue Club. A noite abriu com Why Not, um novo coletivo de Coimbra – que trouxe um formato diferente no seu concerto, alternando faixas originais com DJ-set. Até agora, tem havido sempre espaço para novos talentos do hip-hop coimbrão de brilhar e, desta feita e sem MC Ruze no comando da noite, também um novo coletivo da linha de Sintra se juntou à festa.

Não eram ainda 4h20, mas já os Ivel.inc cantavam que era essa “a hora da oração”. O grupo apresentou-se com Princ€, P.Kappa, El Pedro, Xpress e ChristOnthebeat num concerto que primou por uma boa vibe e bangers face ao pouco público presente.

Também os Ivel.inc desceram do palco para atuar na frontline, mas Estraca fê-lo melhor. Desceu, avançou e foi rodeado pelo público, à medida que cantava faixas como “Palavras”, “Confia”, “Hip Hop” ou “Planeta Novo”. O público estava bem preparado e tanto Estraca como Splinter, que o acompanhava, deixaram-se ficar com “os pés no chão” até ao segundo encore, terminando o concerto com “Clássicos”.

A noite teve tempo ainda para acolher uma nova faixa, com lançamento anunciado pelo MC para dia 30 de março. Antes de subir ao palco pela última vez, um beat de drum catapultou a roda íntima de amigos que o rapper fez nessa noite para um pequeno moshpit. Ao que tudo indica, Estraca queria mesmo “ouvir a voz do povo”.

Fotografia por Bruno Fidalgo de Sousa e Diana Reis

 

“Filhos do Rossi” dedicam-lhe “IV” em dia de aniversário

O colectivo de Vialonga já andava a anunciar nas redes sociais que dia 21 de Fevereiro vinha aí uma surpresa para os fãs. E em dia de aniversário de João Rossa a.k.a La Bella Mafia, apelidado pelos membros do grupo como “Pai da Wet Bed Gang”, o presente foi para todos aqueles que apreciam o trabalho do grupo.

IV é um trabalho original do grupo apenas com 4 temas a solo de cada artista, produzidos por Charlie Beats com Mix/Master do mesmo em “Grillz” (Zizzy Jr) e “Voar” (Gson) e de Michael ‘Mic’ Ferreira, Sine Factory “Chaminé” (Zara G) e “Hot Boyz” (Kroa).

Os temas saíram todos no canal de youtube oficial do grupo com videoclipes bem produzidos por Uzzy (Gson e Zara G); AfroDigital (Kroa) e Supply Creativity (Zizzy Jr).

Este foi o primeiro trabalho de Wet Bed Gang em 2018 e dá um óptimo presságio para o que ainda está por vir aí. O grupo mostra que também a solo “É Fácil” lançar boa música.

Escrito por André Batista
Fotografia: Wet Bed Gang

Lição nº2 sob o feitiço da Bruxa

A certa altura, mais ou menos a meio do concerto, Halloween meteu a controladora ao colo e colocou o microfone no tripé. “Bandido Velho” em versão “unpluguetto” encheu um Avenue que, na segunda lição de hip-hop em Coimbra, se foi deixando enfeitiçar pela Bruxa. Por Bruno Fidalgo de Sousa.

O Avenue voltou a ser o espaço de eleição para a Hip-Hop Lessons: depois de um bocado de jazz, desta feita foram dois veteranos a atuar no palco coimbrão. Primeiro por Nameless, depois por Allen Halloween, com o newcomer Rafa a abrir as hostes e MC Ruze como host vitalício do evento. O que fica na retina, contudo, foi o espetáculo musical que a Bruxa trouxe à cidade dos estudantes.

A abrir com dois dos seus singles, “Drunfos” e “Livre Arbítrio”, percorrendo, como um professor em frente ao quadro negro a regurgitar matéria, desde o “Projeto Mary Witch” ao “Híbrido” e enfatizando a noite com “S.O.S. Mundo”, “Killa Me” ou “Youth”, faixas fortemente acompanhadas pelos presentes. Nameless, meia hora antes, afirmara mesmo que “quem faz o hip-hop é o público”. Ao que parece, tanto a nova como a velha escola de ouvintes agradeceu o elogio e deixou-se, depois, levar num feitiço melodioso que Halloween sob usar em seu proveito.

Três quartos de hora volvidos: termina o concerto, quatro faixas depois de Allen meter a controladora ao colo para as suas versões acústicas, um dos projetos mais esperados para 2018. Se Halloween faz um filho a cada álbum que edita, acho que se pode começar a felicitá-lo pela nova paternidade – e, se assim não for, pelo projeto pioneiro que está a montar.

A noite continuou com techno – uma lição de hip-hop a fechar com a dupla de DJ’s habituais do evento. Mais uma vez o professor veio de fora nesta Hip-Hop Lesson, onde só faltou “dar o rabo p’ra comprar cavalo”.

 

Fotografia por Bruno Fidalgo de Sousa.

Nova escola, velha escola, Shoutout Talks


Funciona como um talkshow e na sua primeira sessão trouxe à tona a questão do momento: será a velha escola, com o seu boombap e mensagem, superior à nova escola, com o seu trap e prioridade de flow vs conteúdo? O Centro da Juventude das Caldas da Rainha recebeu na passada quinta-feira a primeira edição das Shoutout Talks, organizada pela Shoutout, projeto caldense com âmbito no hip-hop. Por Bruno Fidalgo de Sousa.

Tida há muito como um centro cultural e artístico na zona Oeste, registo comprovado pela presença da ESAD (Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha), é de louvar a qualidade musical que tem o selo das Caldas. Com os já consagrados Stereossauro e Dj Ride e os novos prodígios Holly e Razat a dar cartas na produção, com um movimento “sem regras”, como o MC caldense Scorp afirmou em “Zum Zum”: “nós temos isto a correr no sangue, vivemos disto sem viver à grande”.

Contudo, o hip-hop é uma cultura sem limite de expressão. A ideia do orador e beatboxer Guilherme Oliveira – também conhecido como R.I.P. Mariachi – surgiu devido à sua “estranha obsessão por hip hop”, há cerca de dois ou três anos. Da sua equipa fazem parte Gonçalo Cunha, Hugo Bernardo, Tomás Oliveira e Francisco Montargil, amigos da faculdade e do secundário, agora estudantes universitários na “cidade das rotundas”. Os cinco complementam este projeto que não passa só por palestras e debates:

“A Shoutout, ao contrário do que muita gente pensa, não é apenas o projecto das palestras. Temos muito a ser criado “às escuras” e não será revelado por enquanto. No entanto, posso revelar que, de momento, estamos a pensar em conteúdo audiovisual e, eventualmente até, merchandise oficial, mas os pormenores ficam para depois.”

O “episódio-piloto” das Shoutout Talks, “o projeto de palestras” mencionado, ainda com uma adesão limitada, permitiu aos participantes proporem músicas e debater questões introduzidas pelo orador, todos os conteúdos relacionados com a temática “velha escola versus nova escola”, numa conversa informal com recurso multimédia e com a ajuda dos videoclips de Yuzi, Profjam, Busta Rhymes, DVNI, Amaral Jones ou General D. O cancelamento do convidado e o “cansaço de fim de semestre” da equipa foram “os catalisadores para nos ‘mandar uns abanões’”, afirma R.I.P. Mariachi. Contudo, “correu bem melhor do que estávamos a esperar que corresse”.

“Tivemos que mudar muito a estratégia para o evento. Mas soube tão bem, apesar de tudo, receber todas as mensagens que nos foram mandando a dar feedback positivo e até mesmo algumas críticas construtivas.”

O melhor do ano em 12 álbuns

Quase findado o ano e, inevitavelmente, à espera de Sangue Ruim, Ouro Sobre Azul e a continuidade de Unpluguetto, debruçamo-nos sobre mais um ano de história no hip-hop nacional. Um ano onde os séniores do movimento (Damaia, Gaia e Chelas) adiam novamente os seus lançamentos, dando espaço aos recém-chegados e menos mediáticos que, contudo, fazem deste ensaio um bonito portefólio de hip-hop nacional.

2017 começou em Tilt e terminou em Kappa – pelo menos nos 12 melhores trabalhos selecionados pela redação da Hip-Hop Rádio. Entre mixtapes, EP’s e álbuns, o ensaio que se segue é um sumário de boa música e uma celebração de ano novo sobre o que melhor se fez em Portugal este ano. Por Bruno Fidalgo de Sousa.

 

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=g6FPG_7DC3k]

Tilt – “Karrossel, Karma” (29 de janeiro de 2017)

Depois de ter editado Alimentar Crianças Com Cancro Da Mama, em 2013, Tilt, rapper de Almada que tem cuspido regularmente em projetos como ORTEUM ou Colónia Calúnia, abre o ano de 2017 com Karrossel, Karma, EP de 7 faixas que o próprio caracteriza como “um breve ensaio sobre consciência e transformação”. A verdade é que Tilt é ainda underground no sentido lato da palavra: sem grandes promessas e sem grandes chamadas de atenção, o rapper construiu um EP consistente cujo público viu nascer com bons olhos e que, embora se note a necessidade de o polir, nota-se também um ambiente musical disruptivo que envolve os ouvintes.

Karrossel, Karma é um diamante em lapidação e abre as cortinas para o que aí poderá vir em 2018, seja a solo ou acompanhado.

 

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=rzPGBIPWuHE]

Slow J – “The Art of Slowing Down” (17 de março de 2017)

Foi em março que a redação da Hip-Hop Rádio se dirigiu ao Mercado da Ribeira para assistir à confirmação de Slow J. Se “Vida Boa” e “Comida já tinham granjeado o respeito do público pela boa vibe de “J, o encarnado”, o rapper, crooner, produtor e, acima de tudo, músico, lançou The Art of Slowing Down em 2017 e deixou “a tuga” em alvoroço com a harmonia musical e diversidade na produção do seu primeiro álbum, que também contou com participações de Intakto, Fumaxa, Papillon, Gson e Nerve. Com um variado ecletismo musical, com instrumentais enraizados da música africana, do jazz ou do rock alternativo, com faixas acarinhadas como “Casa”, “Biza” ou “Arte”, TAOSD reconheceu Slow J não como uma promessa do hip-hop nacional, mas como uma confirmação da música portuguesa.

The Art of Slowing Down é, assim, o melhor álbum do ano para a Redação da Hip Hop Rádio.

 

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=iNhgmg5CyWA]

Grognation – “Nada É Por Acaso” (30 de abril de 2017)

O primeiro álbum de originais do coletivo de Mem Martins não é, de facto, por acaso. Com uma mensagem e contexto vincados ao longo de todo o trabalho (desde o pormenor do artwork da capa à voz de Cláudia Cadima entre faixas), os cinco rappers juntaram-se a Sam The Kid, Dj Ride, Lhast ou Cálculo na continuação do estilo musical de Na Via e de Sem Censura. Sem grande alarido e sem algo que o torne “especial”, Nada É Por Acaso é um registo “grog” de excelência: os temas soltos, com enfoque no dia-a-dia, nas desilusões amorosas e na jornada do grupo e a habilidade de Harold, Prizko, Factor, Papillon e Neck em dissecar rimas sobre variados instrumentais sem nunca perder um fio condutor.

Os Grog são os Grog e nada mais. A sua singularidade torna este álbum num must-see de 2017.

 

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=sZeMfPcz1fg]

Língua Franca – “Língua Franca” (26 de maio de 2017)

Quando duas ou mais línguas coexistiam, surge a língua franca. Mundialmente já foi o latim, o francês, o inglês. Entre nós, a Língua Franca é o hip-hop. Para Valete, Capicua, Emicida e Rael, o Atlântico não precisa de se separar e isso é uma boa notícia. Maio terminou com o lançamento do projeto luso-brasileiro Língua Franca – uma mistura dos quatro rappers supracitados com a produção de Fred Ferreira, Nave Beatz, Kassin e o selo da Sony. Os dez temas que compõem este trabalho por parte de um “supergrupo” são de tácita compreensão: fala-se, entre melodias autênticas como é “Génios Invisíveis” e “Ela”, da condição social, do paralelismo entre o rap luso e o rap brasileiro e da liberdade humana, não fossem Valete, Emicida e Rael pesos-pesados do rap. Capicua também brilha – e com ela a voz feminina no mundo do hip-hop.

Língua Franca é um trabalho de culto. Um álbum com força internacional e que não deixa indiferente quem o ouve. E embora o hip-hop seja minoria, entre nós já só falamos uma língua.

 

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=Oxn83YrAgvk]

Scorp x Stereossauro – “UMPORUM” (30 de maio de 2017)

O MC caldense juntou-se a Stereossauro e deu seguimento ao seu primeiro projeto, Apontamentos, com uma mixtape editada esta primavera pela Crate Records. Com muito boombap, scratch e instrumentais originais, UMPORUM é um regresso às origens: hip-hop em estado bruto. Se em “Não há remédio” ou “Tudo mesma laia” tanto Scorp como Stereo se fazem valer da sua condição natural de conterrâneos e amigos para iluminar o ouvinte com hip-hop “à velha escola”, é nas outras faixas menos mediáticas que o rapper se faz ouvir: “Ponho a alma numa letra/ Nunca escondi a receita/ Sempre a mudar qualquer cena /É foda ter a tape feita” afirma em “Só Quero”. O rap de Scorp é imprevisível e liricamente expressivo e o MC soube bem passar da teoria à prática.

UMPORUM é de audição obrigatória para quem sente falta da velha escola. Duas opções agora: scroll down “ou então mete este som se quiseres abanar os cornos”.

 

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=MDiVm0ynobI]

Wet Bed Gang – “Filhos do Rossi” (31 de maio de 2017)

Os filhos do Rossi foram talvez a maior surpresa do rap nacional em 2017. Com apenas três faixas “cá fora” – “Não Tens Visto”, “Todos Olham” e “Essa Life é Good” – os quatro MCs de Vialonga editaram Filhos do Rossi, EP independente e que nos mostra Gson, Zara G, Zizzy e Kroa como filhos do hip-hop – quem já os viu em palco percebe bem a energia e carisma do grupo. Mas quem é Rossi? O mentor e a pessoa que uniu o coletivo da V-Block e o principal impulsionador do seu rap. De facto, os Wet Bed Gang fazem deste seu primeiro trabalho uma homenagem ao seu “pai”, cruzando letras poderosas e bangers com a voz e melodia de Gson e com uma única participação de Jimmy P, neste que é um álbum delicioso de se assistir em concerto.

Espera-se um bom 2018 para os WBG. E é com este EP que o coletivo ganha o prémio Revelação por parte da redação da Hip-Hop Rádio.

 

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=HER4jFfCkmI]

Bispo x Fumaxa – “Fora D’Horas” (1 de junho de 2017)

Bispo iniciou junho “sem parlapie”. Depois de “Bispoterapia” e “Desde a Origem”, o rapper de Mem Martins veio com a parceria do produtor Fumaxa apresentar “Fora D’Horas”. Com muito boombap e uma musicalidade já consolidada por Bispo em cada faixa que toca, este EP é um trabalho de referência – principalmente no que toca à produção. Fumaxa destaca-se este ano por vários trabalhos, mas é em “Fora D’Horas” (assim como no seu trabalho com Chyna) que a sua sonoridade se combina com a voz de Gson e a melodia de Dino D’Santiago e Bispo.

O alarme inicia este EP que volta a mostrar Bispo como ele próprio: com uma vibe e mensagem muito própria, el cantante de rap. E traz à tona Fumaxa – que magistralmente conecta o melhor de todos os intervenientes com os seus beats.

 

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=nVV7oQS2HdU]

Beatbombers – “Beatmbombers LP” (17 de junho de 2017)

“O que é um Dj?” – perguntam os Beatbombers na última faixa do seu LP homónimo. Dj Ride e Stereossauro, juntos, nunca deixam de surpreender. Este verão a prenda foi um álbum recheado de grandes nomes nacionais, como Slow J, Fuse, Maze ou Phoenix RDC, sem nunca perder a sua principal característica: o scratch e o turntablism, a música eletrónica aqui fundida ao drum’n’bass, dubstep ou trap. A acompanhar a produção, D-Styles, Dj Kentauro, Razat, Holly ou a guitarra de Ricardo Gordo.

Beatbombers LP é um trabalho singular da dupla caldense e ganhou o seu direito a figurar nesta lista – quer pela produção e masterização imaculadas como pela lufada de ar fresco que as batidas de Ride e Stereo fizeram sentir.

 

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=6SwBBlsOEM0]

Phoenix RDC – “American Express” (7 de setembro de 2017)

Phoenix RDC não é um novato. Renegado, Caos e Drama deram o mote e American Express surge em 2017 como um álbum de 16 faixas, maturo e compacto. Os instrumentais são originais de Charlie Beats e Moreno e a produção ficou a cargo de Shooh, mas foi Phoenix que tornou este trabalho um verdadeiro “expresso americano”, musicalmente sólido, com o registo que o rapper tem habituado os fãs, musicalmente “das ruas”. Vialonga vai subindo a fasquia dos seus MC’s. Em aparente descontrolo face à disruptora descrição do que vê, de onde mora e do que afeta a sua gente, este comboio mantém-se sob carris, cada vez mais destemido.

Phoenix RDC lança American Express – um dos álbuns do ano por ser, mais uma vez, um registo sólido e consciente do rapper.

 

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=TkACAXPWDx4]

Fínix MG – “Níveis” (12 de novembro de 2017)

O novo recruta da Think Music estreou-se bem: Níveis é um EP de cinco faixas de (ex- Phoenixx MG) Fínix MG, com a produção de Osémio Boémio, Rkeat e Benji Price. Os meninos de ouro da label de Profjam encarregaram-se de chegar ao fim do ano para lançar o projeto sem aviso prévio, apenas com o single “Think Music” disponível até à data. Contudo, este trabalho do MC não desiludiu os fãs que caracterizam Níveis como um trabalho repleto de boa vibe, flow e dicção imaculadas e lírica já tradicional nesta família que se foi criando ao longo de 2017. Fínix MG entra deste modo no game e esperemos que não se fique pelo primeiro nível.

“ProfJam, conseguimos” – afirma em “Think Music”. O CEO deve estar satisfeito.

 

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=tnH26C7m4V0]

Blashp – “Stracciatella & Braggadocio” (17 de novembro de 2017)

Nerve, Keso, dB, Here’s Johnny, John Miller, Syniko e Skunk foram os produtores convidados por Blashp a embelezar Stracciatella & Braggadocio, o mais recente EP do MC da Mano a Mano. Frankie Dilúvio rima com confiança e flow e rima… muito bem. Entre faixas como “€uros Ramazotti” e “Apanha Game?”, o baller, como o próprio Blashp se autodenomina, vai dissecando rimas sobre poderosos instrumentais – não fossem os nomes supracitados uma equipa de peso.

Com muito hustle, flow e rimas diretas e refrescantes, o rapper da Margem Sul apresenta talvez o seu melhor trabalho: mais consistente, mais complexo, mais polido. Sem nunca esquecer o belo trabalho que foi “Frankie Diluvio Vol.1.”

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=cf6ssBzYFE0]

Kappa Jotta – “Ligação” (1 de dezembro de 2017)

Foi com muito “Hustle” que Kappa Jotta se foi afirmando “Pela Cidade”. O rapper da Linha de Cascais começou o mês de dezembro a lançar “Ligação”, segundo álbum de uma dinastia a formar. A voz e flow do MC conjugam-se com rimas ásperas e sem rodeios, retrata histórias e retrata-se a si mesmo: “Kappa no compasso é bruxaria/ Continuo o mesmo Kappa da guerrilha”. Em “Ligação” há Lhast, Slow J, Charlie Beats, Khapo, o velho conhecido DJ Big. Há muita rua pela cidade, há um Kappa Jotta em forma e pronto para ir, aos poucos e poucos, cimentando a sua conquista das rádios portuguesas.

“Ligação” é, porventura, um trabalho de reconhecimento na cena do hip-hop nacional. Falta-lhe ainda tempo para se estabelecer.

 

Haka: “Já tinha bué certezas quanto ao rap desde puto”

Foi à janela de casa que Moisés, Haka no mundo do hip-hop, conheceu o Claustro. MCF já era um velho conhecido e Litos e Johnny Nolas não faziam rap. Embora os dois últimos não rimassem, foi ao morar todos juntos que o coletivo Vasconcelos Crew surgiu. O nº 83 da Rua António Vasconcelos, em Coimbra, foi o primeiro palco. O Quente Bar é o “tasco do costume”. Haka, rapper de Ílhavo, Aveiro, é talvez o seu membro mais experiente: a solo conta com dois EP, “Purga” e “Grumpy Moses” e várias faixas soltas, para além do seu contributo diário ao hip-hop nacional com o podcast Mic Matina. Moisés aka Haka tem 27 anos e muitos “Sonhos e Fumo” na bagagem. Por Bruno Fidalgo de Sousa.

 

Antes de mais e para contextualizar um pouco, como é que te iniciaste no mundo do hip-hop? Como surgiu o Haka?
O gosto para a música surgiu naquela idade normal, naquela fase de descoberta com a música que os tios ouvem, que a mãe ouve. Mas gostava de música de uma forma completamente normal, não tinha nenhuma paixão pela música. E depois, como no sétimo ano mudei de escola e fui para a secundária, já havia pessoal mais velho, em Aveiro, e a malta do new metal era completamente predominante, em todo o lado mesmo. Eu nunca me identifiquei com o new metal e cheguei a um ponto onde com 11/12 anos pensava que afinal eu era diferente de toda a gente, que não gostava assim tanto de música. Isto para dizer que depois ouvi a “Não Percebes” e foi esse o momento. Foi o beat, foi a cena do flow, foi o ritmo, foi tudo junto. Percebi que gostava mesmo a sério de qualquer coisa. Depois por acaso coincidiu com ter a TV Cabo em casa. Passados uns meses houve um especial hip-hop 2002 da Sol Musica, passou os clipes todos que estavam a bater naquela fase. Foi talvez o segundo boom do rap tuga, não foi o que fixou, mas foi importante. Descobri Mind da Gap, Dealema, Micro, Boss AC, toda a gente. Nesse ano, 2002, conheci tudo o que era atual e tudo o que era anterior.

E agora, como descreves a evolução? Sentiste as mudanças desde 2002 até agora?
É estranho porque eu era o único, ou dos únicos, a ouvir rap, e eu era o único que ouvia rap no sentido cultural, de movimento, não era só Chullage ou o Sam porque batia. E eu sempre desejei o contrário, ter amigos para falar de rap e para falar de hip-hop. Agora que isso aconteceu e que finalmente é assim, onde a maioria de uma população de uma escola ouve rap, é aquela cena do “cuidado com o que desejas”, porque agora que toda a gente ouve rap aquilo que eu gostava e que eu desejava nisso, nessa circunstância, que era poder haver discussão e partilha e movimento e cultura está lá, mas está muito difundido na música pop. Portanto, aquilo que eu gostava aconteceu em parte, que foi na massificação da música só, da música em si, não do movimento. Sinceramente acho que o movimento em si está igual ao que estava quando eu tinha doze anos em termos de intervenientes, pessoas, valores, está praticamente igual. Claro que há sempre ouvintes novos que se vão identificar e entrar de cabeça e quando a moda passar não vão sair e nesse aspeto claro que a cultura cresce. Mas acho que está muito parecido, sinceramente.

O teu percurso foi-se também construindo com a coletividade. Qual é a tua história tanto com o coletivo AVC como com a Vasconcelos Crew?
Eu já tive vários coletivos ao longo deste percurso. Começou com 12 anos, em que passado pouco tempo conheci o Spasm, o gajo da AVC que também é de Aveiro. Depois viemos a conhecer um amigo nosso na escola que também fazia rap e a partir daí fizemos um coletivo, uma cena de estar em casa com os amigos só. Depois AVC já foi uma cena mais a sério, que eramos nós, eu e o Spasm de Ílhavo, e dois amigos nossos, o Sarcamo e o DJ Profail de Ovar e acabamos por nos conhecer, por sermos da mesma zona, por nos identificarmos. Na zona centro o rap de punchline ou de egotrip não era muito aceite, tinha de ser streetrap, quanto menos flow tivesse melhor. Nós identificámo-nos uns com os outros e assim começou a AVC. Entretanto cada um foi para o seu lado, eu vim para Coimbra e comecei a passar bué pouco tempo em Aveiro. E aqui conheci a malta da Vasconcelos Crew. Eu tinha o microfone em casa, gravávamos todos juntos, eu ia trabalhar e eles ficavam lá em casa no meu microfone, até que surgiu o chavão: “Vasconcelos Crew”, por ser o nome da rua, António Vasconcelos. Pegou o nome, e pegou o nome até antes de ser um grupo, eramos um grupo de amigos e depois pensámos: “já temos três ou quatro sons gravados” e eles como nunca tinham gravado tinham aquela pica de meter na net, ver as reações, e foi assim.

Como foi estudar e rimar ao mesmo tempo?
Foi péssimo. Péssimo mesmo. E a faculdade foi a que sofreu mais. Eu, se trabalhar numa cena fora da área, seja na minha área de formação ou da música, vou dispersar. Comecei a ver que estava a dispersar muito. Entretanto, eles, também com música e faculdade, começaram a trabalhar. Os objetivos de vida foram mudando um pouco, também. Eu já tinha bué certezas quanto ao rap desde puto, não quero dizer necessariamente viver disto, mas fazê-lo para sempre e arrumar a minha vida de acordo com isso. Eles não, e descobriram isso numa altura mais tardia do que eu. Então tomaram a decisão para que nem que seja daqui a um ou dois anos fazer rap regularmente.

E a relação entre vocês?
Somos amigos porque já éramos antes do rap e isso aí facilitou muito as coisas. Claro que também arrasta bué discussões só que agora neste momento já somos um grupo de amigos adultos, que trabalham. O dinheiro pesa bué em todo o tipo de decisões quotidianas ou em relação ao rap e em relação a estarmos juntos mais vezes. Tem as dificuldades e as benesses de qualquer grupo de amigos.

E agora, como está a Vasconcelos?
Vivíamos todos na mesma rua, agora, entretanto separamos-nos um bocadinho. Agora só vive o Carlos lá, mas o café é o mesmo, vamos sempre ao mesmo tasco. Estamos sempre juntos, claro. No outro dia o MCF teve lá na minha casa em Aveiro a gravar comigo e a preparar o EP da Vasco.

Como é que está a correr?
Lentamente. Já está escrito e produzido. Agora é termos tempo para arranjarmos folga e irmos a Aveiro gravar as demos comigo e depois para o estúdio.

Depois de uma fase onde foste lançando sons com mais regularidade, o que anda o Haka a fazer agora?
Se um rapper se sente bem a fazer só um som por ano, por exemplo o Dillaz, cujo primeiro som do ano foi este mês, acho que isso não tem mal nenhum e acho que a cena do teres medo de ser esquecido é idiota. Mas funciona assim. Eu tive bué tempo em que fazia um som por ano ou três participações, este ano gravei bué sons, um por mês durante uma fase, agora só não lanço musica há um mês ou dois, mas já se nota a falta de ritmo. Mas há o podcast também, não quero estar a fazer isso e a lançar música à pressa. Estou em casa a fazer música sozinho e sinto que o tempo que estou a perder ainda não compensa o alcance que está a ter, então quero limar melhor a cena e continuar a trabalhar.

Grumpy Moses foi o teu último trabalho. Em entrevista à R&B, afirmaste que “‘Aqui sou normal, nos círculos sociais convencionais sou grumpy, e desta vez colei o rótulo a mim próprio por uma questão de comodidade.” Consegues desenvolver essa questão de comodidade?
Um gajo que gosta de discutir é tido como resmungão ou casmurro ou o que quer que seja e antes que mo digam vou eu dizê-lo sobre mim próprio. Eu usei o adjetivo por achar que não temos mesmo uma tradução literal que reflita a palavra. Sou refilão, se tiver que dizer mal também digo, às vezes exagero-me e sou um gajo que considero que tenho um sentido de humor nada óbvio, mas isso não me impede de dizer as merdas à minha maneira. Mas não gostei nada desse EP, foi na fase em que quis gravar regularmente e lançar regularmente e foram algumas das piores músicas que fiz este ano.

Quem ouve a tua música não consegue deixar de reparar em paralelismos como a “Foder Contigo” e “Cortar Contigo” ou “Índico” e “Pacífico” …
Olha, pegaste nas anteriores à Grumpy e nas posteriores, gosto muito de todas.

Como surgiram estas semelhanças?
A “Índico” surgiu antes da “Pacífico”, e fiz a “Índico” sem pensar em mais nada. Mas depois apetecia-me fazer uma cena na mesma onda, cantar um bocadinho. E depois pensei que condizia bué bem com a “Índico” até porque a foto da capa fui eu que a tirei e depois a fazer a capa para a “Pacífico” a foto que eu curti mais também era minha e as cores são bué quentes e bué frias e achei que condizia.

A tua música é um retrato teu?
Sempre. Às vezes exagerado, às vezes também escondo, não digo tudo, mas também perco um bocadinho por isso, mas sim, são retratos do dia-a-dia.

Olhando agora para o início deste percurso, o que sentes? Nostalgia?
Normalmente a minha tendência é de avaliação, é ver como é que a música envelheceu, aquilo em que se tornou boa, aquilo em que se tornou má, e o overall. Nostalgia? Às vezes. Acho que todos os anos existe aquela fase em que se ouve sons antigos e pensa-se: “eu aqui é que tinha alma, é que tinha feeling, é que tinha aquela pica”. Mas depois tens as outras fases em que pensas “ainda bem que envelheci e mudei isto”. Independentemente de tudo pode haver pormenores que cada vez menos gente gosta, mas desde que eu goste deles cada vez mais que se foda. Mas isso também é um problema de estarmos a lidar com um público que não é público especifico do rap, porque o público especifico do rap nunca se preocupou que um Sean Price tivesse muitas pausas na sua métrica. É uma cena que qualquer gajo do rap aprecia. Eu aprecio bué isso na minha escrita. Uma cena que eu ouço desde sempre é “olha, ali pausaste demasiado”. Eu gosto, eu cada vez gosto mais e não vou sentir-me nostálgico, lá está, por ter evoluído num sentido contrário.

Também produzes?
Fiz três beats na vida. O único que eu gostei foi o Centenário, o da Purga, o meu EP. Mas nesse beat também foi curioso ser o único que gostei porque foi o único que fiz de raiz já a saber o que queria fazer. Cheguei a casa, sentei-me e pensei: “hoje quero fazer um beat. Quero fazer um beat com um loop em reverse e com helicópteros. Quero um sample em reverse para dar a ideia de confusão e uma bateria normal de 4×4.” Conheces os centenários das Repúblicas (tradição coimbrã)? Era isso que eu queria mostrar, uma noite dessas, a confusão, o barulho, em que se tudo correr bem não te vais lembrar dela. E por acaso consegui reproduzir bué bem o que tinha imaginado e por isso é que o usei.

Porquê Centenário?
A Purga, no fundo, é uma cronologia. Por isso é que acaba no trap, por exemplo. Não é só a minha cronologia, mas também a cronologia daqueles anos em que fiz o CD.

Quantos anos ao certo?
Foi desde o fim do verão de 2013 até ao fim do verão de 2016. Aliás, fiz em meses porque tudo o que fiz nos primeiros dois anos e meio não serviu para nada, sinceramente. Serviu para purgar muitos assuntos, mas que não senti necessidade depois de os explanar.

Tens neste momento um podcast online, o Mic Matina. Qual a grande diferença deste projeto para tantos outros no YouTube?
A diferença é o conteúdo. Sinceramente, tirando o Três Pancadas e pouco mais, eu acho que sou, tirando os grandes inevitáveis, o único gajo na tuga que é um gajo do hip-hop a fazer um podcast para um gajo do hip-hop. De resto há o pessoal dos reacts que fazem vídeos para dizer bem de tudo, seja o Waze ou seja o Sam vão dizer bem de tudo porque dizer mal de alguma coisa hoje em dia é um tiro no pé. Mas eu estou-me um bocado a cagar porque eu como público também sempre senti falta de ter alguém que falasse de nós para nós, é mesmo isso, e o Sam disse isso “meio na tanga” no Três Pancadas, “for us by us”. Mas isso faz todo o sentido e eu sou um gajo que não tem pudor nenhum. É altamente discutir e dizer “não gostei” e nada me impede de ser contraditório o suficiente para gostar hoje e não gostar amanhã e vice-versa e é também por aí que eu quero ir com o podcast.

Foste talvez o primeiro MC a utilizar o Patreon. Qual o feedback?
Falando de hip-hop, em Portugal fui, possivelmente. Tem corrido bem porque tenho crescido bem. Comecei no fim do verão com três patronos, dois dos quais eram amigos. É o que conta mais, e tenho amigos a dizer-me “oh, mas eu nem vale a pena ser patrono, um gajo já está contigo e apoia-te no dia-a-dia” mas não, porque os olhos também comem e veres uma página que já tem 20 ou 30 seguidores dá-te outra confiança para apostares na cena. Mas cresceu bem, agora estou com 19, que já não é nada mau, pelo menos para aquilo que eu estava à espera. Até ao fim do ano é muito bom. Quer queira quer não são 19 pessoas que escolheram ouvir o que eu tenho para dizer e que valorizam aquilo que eu tenho para dizer e sei que não são só 19, por isso já vale a pena.

Podemos então dizer que tens uma fanbase?
Eu acho que podemos e porquê? Para já tenho bué patronos não oficiais que me fazem transferências e que me dão aquele feedback diário e tenho os do site que todos os dias falam comigo por chat, pelo Patreon ou que já eram meus amigos antes e que agora para além de falarmos das nossas cenas falamos daquilo e todos os dias sugerem e dizem o que está fixe. É a tal cena, se concordar é na hora porque adoro perceber-me das merdas. Mas a fanbase é brutal. Por exemplo, quando fui tocar ao 36, a Lisboa, ao Bairro Alto, estava lá bué pouca gente mesmo, mas estavam lá cinco, seis bacanos de Lisboa presentes e cantaram as letras todas. Músicas antigas, músicas recentes, e no fim ficamos lá horas a conversar, a beber, a fumar uns cigarros, a conversar como pessoas que se conheceram, criaram uma empatia, porque ela existe e é muito bom quando digo uma dica que ninguém percebe (penso eu) e alguém te perguntar “olha, o que querias dizer naquele som de 2012?”. Tu não sabes se é possível, e conhecê-los pessoalmente e reconhecê-los como pessoas que eu já tinha visto o nome da net e dali a uns tempos estar novamente com eles ou falar novamente com eles é incrível. Vale a pena por cada 19 pessoas.

Algum futuro projeto para revelar?
A cena é que não sei mesmo. Tenho escrito bué e não tenho gravado para não cair na tentação de despejar música à toa na net e quero fazer qualquer coisa com isso. Mesmo em termos de flow, de entrega, tenho tentado, não digo variar, mas fazer outras merdas, outras métricas, e ando a gostar bué do processo criativo e ando a gostar tanto que o quero guardar por enquanto.

Podemos esperar um novo trabalho para o ano?
Quase de certeza. Este ano pode-me cair a ficha e querer gravar alguma coisa de repente, mas nada programado.

Para finalizar, uma pergunta que gosto sempre de fazer, como descreverias a tua música a um surdo?
Era uma questão de estar comigo e de observar, acompanhar. Era a melhor maneira. E depois ler as letras e imaginar o flow.

 

Fotografia cedida pelo artista.

 

Entra na batida, mesmo que a agulha te salte

“Abram alas, equipa de salvamento, 100% pelo hip-hop eu represento”, diziam os Sindicato Sonoro no final da primeira década do século XXI. Se vocês, como eu, leram esta linha a cantar, podem imaginar do que vos vou falar. Afinal, o hip-hop nacional está vivo e bem representado, o público está cada vez mais ativo, mais consciente, mais verdadeiro. A cultura cresce, o graffiti é cada vez mais aceite (fruto do bom trabalho que tem crescido em várias cidades do país), o “apadrinhamento” de Slow J ao b-boy Speedy ou o reconhecimento internacional dos Momentum Crew abriu também a visão dos fãs ao breakdance, um dos pilares do hip-hop que nunca se afirmou, de verdade, entre o público nacional. O DJing não é exceção: Lhast, Oseias, Fumaxa, Here’s Johnny, Holly, Spliff – produtores que vão, a pouco e pouco, alcançando o topo. Fazemos do hip-hop o ar que respiramos, todos os dias, quando metemos os fones na viagem de autocarro ou quando bombamos as colunas com “malhas” que saem todos os dias, para nosso gáudio.

E, como todos os movimentos, evolui. Move-se. Cresce. O hip-hop e a sua vertente social também muda, avança, altera-se. Assim como o contexto em que é produzido. O rap de intervenção, “sujo”, como disse Valete, sempre foi uma constante e uma mais-valia, expondo os problemas de uma sociedade minoritária que lutava todos os dias para sobreviver, trazendo à tona as questões do racismo, da desigualdade, da xenofobia, do que é marginal, posto à parte. Porque era isso que quem cantava, na altura, vivia, e quem canta o que vive canta muito melhor. Alguns espelhavam a sua ideologia política ou as suas ideias de “abstenção”. Outros criticavam o “suor do trabalho escravo”. Outros falavam de crime, da propensão violenta das ruelas da cidade, das “drogas e bottles”. O gangsta rap falava da rua e era na rua que se fazia, fruto da rebeldia dos que bebiam as palavras dos seus ídolos. Sem censura – é assim a maneira mais rápida para descrever o hip-hop. É o que é, sem medos, sem receios, diz o que interessa dizer. Um pouco como serviço público, embora a maioria do público não o compreendesse. E, novamente, foram-se aflorando novas tendências: os sons de amor, como se diz por aí, o storytelling inteligente que contava romances, aventuras, experiências de vida. É inegável que todo o género musical é propenso a mudar. E o conteúdo e mensagem desenvolveu-se muito, ao longo dos anos. O que não implica que a forma não possa mudar também.

Já não é só o boombap que nos vem à cabeça quando se fala de rap. A batida trap, acompanhada do “blink blink” e da fama, do sucesso, da ideia que um rapper é o novo rockstar, com o seu jeito deslocado e coloquial, já é uma constante em Portugal e no rap tuga – com tendência a evoluir cada vez mais. Profjam, por exemplo, assim como a sua label – Think Music – ou a dinâmica musical e o aparato lírico da Superbad. são os pioneiros da nova escola no que toca à vertente mais superficial (sem qualquer conotação negativa). As duas labels não podem ser comparadas, é claro, falo somente desta nova dinâmica musical. Holly Hood, por exemplo, seguiu as pisadas do padrinho Don Gula com o seu rap atrevido e explosivo, o toque de bad bitches e Money. Prof ou L-Ali trouxeram algo diferente nesta nova escola, também. A batida mais trap que o habitual a encantar as faixas é um exemplo disso, assim como L-Ali se desdobra em participações com VULTO, Pesca ou Secta com as suas fonéticas temíveis e beats underground.

Infelizmente, é isso que vem trazendo a discórdia aos fãs. Contextualizando tudo até aqui: estas recentes mudanças têm irritado profundamente o público. E foi Valete que lançou a controvérsia, com “Rap Consciente”. Os que antigamente talvez até adorassem o MC, agora apontam-lhe o dedo à falta de moral (dez anos sem álbum a provocar a ira dos mais ansiosos) e ainda ao facto de tentar voltar com o mesmo rap com que “saiu”: o “rap de combate”, a criticar e a julgar os restantes MC’s da tuga, que se apoiaram em Prodígio na sua nova música – “manos em 2017 ainda vendem revolução?” – com a ideia que o rap de revolta contra o sistema já está obsoleto. É essa a maior crítica que se aponta a Keidje Lima: os tempos que se vivem já não pedem tanta revolução como antigamente, e a mensagem que ele passa pode ser demasiado forçada. Do outro lado, vivem os fãs incondicionais do boombap, que criticam por seu lado o trap e a sua associação ao hip-hop. De fora, observam os “restantes”.

Esta discussão provoca, cada vez mais, alterações ao conceito de “bom rap”. Vou generalizar. Colocando Valete na prateleira de cima, juntamente com quem partilha da sua opinião de rap sujo e revoltoso, e colocando Profjam, a sua label e quem prefere o rap trap na prateleira de baixo (claro que não falo só de Valete e Prof, mas uso-me de ambos como exemplo neste argumento), temos uma estante recheada de talento. Em ambas as prateleiras se pode ver talento e amor ao game. Em ambas as prateleiras existe cultura, knowledge, respeito. Há quem diga o contrário, mas eu gosto de falar de factos e, embora este seja um artigo exclusivo da minha opinião, factos devem ser expostos e discutidos. E o único facto que está presente é a qualidade dos dois MC’s e respetivas “etiquetas”, respetivas prateleiras. Valete vai lançar “Homo Libero” e Profjam vai lançar um novo projeto. Valete diz “está de volta ao rap de combate” e “à arte de iluminar”, Profjam traz batidas trap com mortalhas de conhecimento e “está no topo do seu game”. Ambos (e relembro, mais uma vez, que estou a generalizar para melhor entendimento – não falo especificamente de nenhum dos dois, mas sim do que simbolizam) trazem coisas novas (e menos novas, talvez, mas com um novo ressurgimento, sem dúvida) e atitude.

O rap evolui, e ainda bem. Afinal, como eu comecei por explicar, cada um canta aquilo que vive, e é assim que se canta melhor. Os “restantes”, que acompanharam a passagem dos tempos, apreciam, cada um à sua maneira, a beleza que nasce nas variações e hip-hop e no florescimento de novas experiências, novas misturas, novos contextos. Porque é o contexto que mais importa: “para onde vou, com que estive, com quem estou, de quem fui, de quem sou”, como já os Dealema diziam. No hip-hop, e na música em geral, nada é intocável. Tudo se pode misturar e cruzar, passar a novidade, tocar pessoas diferentes. As batidas vêm e vão. O orgulho de pertencer ao movimento é uma constante. E daí, há mau rap e bom rap? Revolução versus Fama, Luta versus Status. Boombap versus Trap, Velha Escola versus Nova Escola. Será que estas discussões beneficiam alguém? É importante não confundir o conceito de conteúdo e forma. É importante apreciar o hip-hop no seu estado mais natural, seja sobre uma beat trap ou boombap. E é importante apreciar a mensagem de revolução que nos é transmitida, mas ainda mais importante manter o apreço que se tem pela mensagem de rebeldia face aos problemas da sociedade e do sistema. E é importante saber também que o rap espampanante, “javardo” (como já ouvi dizer) e virado para a ascensão à fama e vida de excessos é também rap, e está já vincado no movimento – sempre seguindo o exemplo dos states, afinal, em Portugal tudo chega com atraso.

O hip-hop tuga está vivo. Metam os braços no ar, levantem-se do sofá, vão para a rua partilhar melodias em forma de rap, mostrem aos vossos pais, irmãos, amigos. Façam parte deste movimento que nunca deixa ninguém de fora, independentemente do que preferirem ouvir. Critiquem o que têm a criticar. Formem a vossa opinião. E ouçam com o coração.

ARTIGO ESCRITO POR: BRUNO SOUSA