Hip Hop Rádio

Beatriz Freitas

“00 Fala Bonito” é o novo single de Papillon

Depois de Chill e In’ -lançadas em conjunto, no início de setembro- e de vários sucessos anteriores, Papillon apresenta agora 00 Fala Bonito. Contando com a produção de Lhast, coprodução de Charlie Beats e artwork de Fiti, esta é uma faixa ritmada, que puxa para a dança e chega até a fazer lembrar dias de sol, apesar da época do ano em que nos encontramos. O artista cumpriu assim o seu objetivo: lançar mais uma das suas “canções com uma energia leve e que nos metem um sorriso na cara”.

Papillon mostrou-se, novamente, como um artista versátil, que nos deixa sempre intrigados relativamente ao seu próximo passo. É de realçar ainda que o próprio é um dos cabeças de cartaz do Festival Rádio SBSR.FM Em Sintonia, que se realizará nos dias 18 e 19 de dezembro, ao vivo, na Altice Arena.

Tristany lança série “Au ViVú”

Depois de muita antecipação, criada pela partilha de vários vídeos na sua página de Instagram, Tristany lança Au ViVú, no Youtube. Esta série consiste em cinco vídeos nos quais o artista apresenta, de forma inovadora, algumas das faixas do seu mais recente álbum Meia Riba Kalxa, reinventadas. Os temas escolhidos foram Verde, Naxer du sol, dividido em duas partes – contando a segunda com a participação de Ariyouok, Suzana, Célio e Black FoxMark Landerz e, por fim, Amor de Jinga. Cada vídeo apresenta um espaço e envolvimento diferente, o que só acrescenta ao caráter criativo desta obra. Seja ao vivo na zona, no estúdio, na cozinha ou até mesmo no túnel, Tristany surpreende com o seu grande talento, sob a direção de Diogo Carvalho e direção de arte de Onun Trigueiros.

O artista atua dia 2 de outubro, no Teatro São Luiz, em contexto de programação especial da Galeria Zé dos Bois.

As versões das músicas apresentadas encontram-se disponíveis em todas as plataformas digitais.

Lhast lança álbum “Amor’Fati”

Depois de ter lançado o single QE em julho deste ano, Lhast disponibiliza agora Amor’Fati , o seu primeiro projeto a solo. Este álbum apresenta assim dez faixas que contam com colaborações de grandes nomes como Slow J -no famoso single 2020, lançado em março- Lon3r Johny, 9 Miller e Chyna. A produção desta obra ficou a cargo de produtores de luxo como Charlie Beats, Holly, Goias, Reis, Mizzy Miles, Ryu e o próprio Lhast.

A faixa Pluto conta já com um videoclipe, lançado hoje, com a realização de Cheezy Ramalho.

O álbum encontra-se agora disponível em todas as plataformas digitais.

Pedro Mafama @ Núcleo dos Anjos 70 – A arte de dançar sentado

No passado sábado dia 19, deste desafiante ano que é 2020, a alegria de experienciar música ao vivo foi-nos devolvida, dentro das regras deste novo normal, no mítico Núcleo dos Anjos 70. O autor desta festa foi nada mais, nada menos, que Pedro Mafama.

O carismático artista lisboeta fez a sua grande entrada descendo as escadas, que se encontravam por cima do palco, ao som de fervorosas palmas da plateia e, abrindo com o chavão “ZIMBORA”, tão característico do mesmo, veio com toda a determinação de fazer dançar o máximo que uma pessoa pode dançar sentada.

Começando por apresentar o  seu mais recente single Não Saio, lançado em quarentena a 3 de abril deste ano, o ritmo manteve-se e  também nós não saímos, à medida que o artista apresentava faixas dos seus dois EP – Má Fama (2017) e Tanto Sal (2018)- como Tomada, Torneira e Fama.

 Sempre acompanhado da aclamação do público que, mesmo de máscara, se fez ouvir, a alto e bom som, as suas músicas com ritmos dançáveis criaram agitação, que embora controlada, foi efusiva. Tudo isto juntamente com os momentos de dança proporcionados pelo artista, levaram o próprio a exclamar “Tá a ficar calor”, uma transição smooth para o próximo single que apresentou, Arder Contigo (2019) . A bonita frase “Eu ato as mãos só para não querer mexer contigo” presente nesta música, fez lembrar que também só atados às cadeiras seria possível não nos mexermos com este som.

Nos intervalos entre cada canção, Mafama expressou o seu contentamento em estar com o público, neste reencontro apelidado pelo próprio como o seu “ primeiro relacionamento depois da quarentena”. O artista avançou ainda que pretendia assim também celebrar esta nova fase da sua carreira, especialmente no Núcleo dos Anjos 70, que confessou ter sido onde tudo começou, no verão, há dois anos. Talvez esta nova fase diga respeito a este momento mais áureo da carreira do artista, recentemente assinado pela Sony Music Portugal.

A agitação continuou com a música Terra Treme, outro single lançado este ano, em colaboração com PEDRO. Segundo o artista, foi a primeira vez que cantou este tema ao vivo, depois de o ter apresentado no Festival #EuFicoEmCasa. O palco tremeu, certamente.

Após fazer novamente o público mexer com Jazigo, seguiu-se outra faixa que partilha com outro grande nome, Dino D´Santiago: Sô Bô. Já em tom de conclusão, levou-nos a um dos sons mais esperados -e também mais populares- Lacrau e terminou a apresentação de músicas do seu repertório com Como Assim.

Mafama tinha, no entanto, uma última surpresa para quem estava presente. Após ter afirmado que não ia permanecer no palco para cantar a última música, apelou ao público para que, quando a ouvisse, evocasse a sua capacidade de interpretação e refletisse sobre “o importante que foi o que está para trás e o que ainda está para vir”. Deixou-nos assim, subindo as escadas por onde entrou e passados alguns segundos, a ilustre música Grândola Vila Morena, da autoria de Zeca Afonso (versão auto-tune, cantada por Mafama), fez-se ecoar pela sala, juntamente com as vozes do público. Foi um bonito momento de reflexão, feita de forma imersiva, numa sala escura, onde predominava uma luz azul forte.

O artista revelou ainda que está a trabalhar num novo disco, pelo qual ansiamos.

Graças às regras impostas por este novo normal, os fãs de Pedro Mafama tiveram assim oportunidade de se tornar mestres na arte de dançar sentados – uma skill fundamental para os tempos que correm- dado o cariz dançável de todos os seus hits. A personalidade  e o carisma do artista fizeram-se notar, através da interação com o público, o que criou uma intimidade e proximidade para com o mesmo, algo muito agradável na ausência da possibilidade de poder ser física. Os ritmos aliciantes, acompanhados de bonitas letras, escritas pelo próprio e por sua vez magnificadas e reinventadas com o auxílio do auto-tune, fazem de Pedro Mafama um artista muito interessante e inovador, a ter em atenção.

Este espetáculo foi então uma boa forma de relembrar como concertos nos podem dar uma sensação de esperança para o que aí vem e distrair por umas horas, o que cimenta a importância da arte nas nossas vidas e o apoio que este setor merece. De realçar ainda o sítio onde tomou lugar este concerto, Núcleo dos Anjos 70, uma comunidade repleta de gente simpática e boas vibes.

Nasty Factor lança “Aperto”

Depois de ter lançado o EP “Terra, Inferno e Céu” no fim do mês de julho, esta sexta-feira Nasty Factor fez jus ao nome e lançou “Aperto”. Dias antes deste lançamento, o artista fez tease do som no seu Instagram, avisando que era uma música mais “atrevida” … e não desiludiu. Com ritmos de verão e rimas sensuais e provocadoras a que o artista nos tem vindo a habituar com sons anteriores, “Aperto” pode muito bem ser considerado um hino de desconfinamento.

Pelos caminhos de Portugal, chegamos ao Raiashopping

Entrámos a gosto, no nosso querido mês de agosto, com todo um novo álbum de um dos nossos Gaienses preferidos, David Bruno.
Por Beatriz Freitas | Fotografia: Daniel Pereira, Direitos Reservados

Depois de nos ter presenteado com o single Festa da Espuma, um verdadeiro hino estilo anos 90, a espera chega agora ao fim e finalmente podemos ingressar na viagem nostálgica que é Raiashopping, desfrutando do próprio artista como nosso chofer.

Tendo como sinal de partida o ilustre poema “Pátria” de Miguel Torga, que se faz ouvir na primeira música do álbum, Introdução, esta é uma viagem com várias paragens temáticas, devidamente ilustradas em vídeo, não fosse esta obra um vídeo-álbum.

Segundo o artista, com este álbum o mesmo pretendia não só regressar às suas origens – zona raiana da beira alta e Trás-os-Montes – e prestar “uma homenagem ao Portugal dos cafés com cheirinho, das adegas, das lendas, dos emigrantes, das nacionais esburacadas, do presunto, das tainadas, das avozinhas e dos campeões que bebem minis no café em tronco nu naqueles dias de calor infernal“, como também dedicar o mesmo “a todas as aldeias esquecidas do nosso Portugal interior e à riquíssima cultura que jamais deverá ser esquecida”. O objetivo foi cumprido e assim, a cultura Portuguesa ganhou um álbum de memórias que ficará para a posterioridade.

Ao longo de onze faixas são-nos apresentados – ou relembrados – vários detalhes desta mítica viagem entre Portugal e França, realizada pelos emigrantes – e experienciada também pelos familiares e amigos dos mesmos, todos os anos, pela altura do verão.

A principal caraterística deste álbum é assim o saudosismo, presente em todas as faixas, seja referindo iguarias que eram trazidas – por não serem  muito comuns em Portugal nos anos 90 – como os chocolates Toblerone, Ferrero Rocher, Frutos do Mar da Guylian e Fin Carré de avelã, enaltecidas em faixas como Praliné, ou mencionando Dire Straits, antigos relógios da Casio e a tradição de encher garrafões na fonte – algo tão comum nas aldeias – na faixa Flan Chino Mandarim.

Existe ainda espaço para homenagear os míticos cafés centrais, onde estavam sempre presentes os banquinhos de lareira e histórias de lendas e bruxaria – e casuais visitas noturnas a Espanha, tão bem retratadas em Salamanca by naite. É como se lá estivéssemos.

Esta obra e o momento em que saiu – início do mês de agosto –  coincide com a altura na qual os emigrantes regressam a Portugal para férias, o que pode ser considerada   uma homenagem bonita, especialmente se agora, devido à pandemia, essa mesma viagem não for possível de realizar; homenagem essa que culmina na faixa Momento nº4 e antecede a slow jam Doucement, falada parcialmente em Francês, sobre a mesma viagem e as preocupações de quem fica. Esta canção relembra a música do falecido cantor popular português, Graciano Saga, “Vem Devagar Emigrante”, uma possível influência, o que só realça a estima e o interesse pela Portugalidade que David Bruno detém.

Mais uma vez as samples desempenham, ao longo de todo o álbum, um papel fundamental para representar o saudosismo, como se pode verificar nas faixas Momento nº 1, Momento nº 3 e Momento nº 4, onde se podem ouvir várias pessoas do povo a cantar canções populares como “Laurindinha”, conversas sobre ser camionista – profissão popular entre emigrantes – e outras conversas típicas de café que mencionam bebedeiras e momentos em família.

Raiashopping pode assim considerar-se talvez como o trabalho mais intimista do artista até à data, pois para além do bom synth pop Português e rimas originais a que o autor nos tem vindo a habituar, permitiu-nos desta vez ter acesso a vídeos caseiros da sua infância e memórias pessoais e estimadas pelo próprio, o que só enalteceu o caráter intimista e nostálgico do álbum.

De forma algo cómica, mas totalmente genuína e representativa, David Bruno mostrou novamente como é um artista completo e fiel às suas origens, realçando aspetos da Portugalidade, com muita originalidade e relevância, deixando-nos curiosos em relação a qual será o seu próximo projeto.

É de destacar também o grande talento de Marco Duarte, que proporcionou complexos solos de guitarra que foram fundamentais para construir a vibe melancólica e algo vintage deste álbum.

O vídeo-álbum encontra-se agora disponível no Youtube e as músicas estão presentes em todas as plataformas digitais.

David Bruno convida todos à sua “Festa da espuma” com novo single

Envolvendo-nos de novo em nostalgia, como só David Bruno sabe fazer, com “Festa da Espuma” somos levados para os anos 90, equipados com licra da Cofides e prontos para dançar ao som de Hélder, rei do kuduro.
O título desta música revela-se assim como muito apropriado ao cariz dançável desta faixa, um som repleto de samples, arte que David Bruno domina, complementado por um poema já declamado pelo próprio, numa sessão de poesia que realizou, aquando a quarentena.
Como o artista informou na sua conta de Instagram, esta faixa serve como um “primeiro (e um pequeno) avanço” do que aí vem, pois a 1 de agosto, David Bruno lançará o seu novo vídeo álbum “Raiashopping”. Este álbum terá como temática as origens do artista e navegará por “terras raianas da Beira Alta e Trás-os-Montes até ao concelho de Figueira de Castelo Rodrigo” abordando temas como “tardes no café, mergulhos no tanque, festas de espuma ou incursões ao outro lado da fronteira”.
Ficamos assim ansiosamente à espera por esta viagem, pelos caminhos de Portugal, ao som do melhor synth-pop português.

Passear sem sair de casa: o chão do parque de Zé menos

Numa altura em que estamos fechados em casa, tudo o que estimula o pensamento e a imaginação é bem-vindo. Fazendo-o através da música, talvez um dos melhores exemplos seja o álbum “o chão do parque ” de Zé Menos que, nos convida a passear, sem termos de sair de casa. Lançado em novembro de 2019, este é um álbum que se destaca por várias razões. Ouvi-lo é como entrar numa narrativa sem saber bem para o que vamos, o que nos faz refletir, ao tentar desmistificar os significados por detrás de cada faixa. Ao longo de doze músicas são-nos dadas todas as ferramentas para pintarmos uma imagem mental, através de inúmeras e fortes metáforas, de toda uma paisagem natural que nunca deixa de contrastar com a crueza do chão do parque – ideia muito bem captada na capa do álbum, da autoria de Teresa Arega.

Na primeira faixa “a queda, exposição” Zé menos introduz-nos de imediato ao que vai ser este álbum, por meio de metáforas. Decifrando-a como se decifra também esta obra, esta música é um hino ao medo de sair da sua zona de conforto e falhar, cantado por quem mesmo assim o fez, lançando-se na mesma, em jeito de leap of faith porque “cair também é voar para quem não tem medo” e há algo de libertador nisso.

Segue-se a faixa “gravidadeonde este continua o desabafo introspetivo sobre lutar contra si próprio e aceitar finalmente expor a sua arte – algo mais difícil por este ser um projeto mais autobiográfico –  uma viagem frustrante, como detalhada pelo próprio, pois também o artista quer sair da sua zona de conforto mas sabe que, ao fazê-lo, existe a possibilidade de, assim como as folhas das árvores do parque, o seu destino ser o chão. No entanto, assim se entrega à gravidade pois não deixa de querer tentar.

Sem nunca perder o fio à meada, ao longo de músicas como “41,texturaeninho pt. 18,insensatez” o artista vai explicando os seus medos, vícios e mágoas, sempre invocando elementos da natureza e comparando-os consigo mesmo e com as suas lutas, revelando mais uma vez como este disco possui um caráter intimista tão imaginativo como real.

É pertinente referir que embora esta obra apresente uma narrativa bastante consistente no que toca a temas, nem por um momento se revela monótona, pois existem sempre elementos inovadores em cada uma das faixas, quer a nível de texto ou de melodia e ritmo. Em “o liquidambar”  somos surpreendidos com apontamentos de ritmos brasileiros que se costumam ouvir, por exemplo, no samba. Na faixa anterior o artista também menciona Jobim – Antônio Carlos Jobim, famoso compositor brasileiro –  pelo que talvez este álbum espelhe também os gostos pessoais do autor, neste caso por música brasileira, o que, mais uma vez, atribui a esta obra um caráter não só intimista, como também bastante dinâmico. Outros exemplos de variedade são faixas como “mar morto“, onde o artista apresenta um registo mais ríspido e “Caso Chova“, uma música terna onde o mesmo declama um poema sobre a frustração e angústia de sentir que poderá nunca conseguir alcançar o seu potencial máximo, sobre uma melodia envolvente onde predomina o saxofone.

Gostaria de dar especial destaque a duas músicas: a primeira é  “Olhos negros“, um take fascinante sobre demónios interiores. Embora esta seja uma música alegre que chega a incitar à dança por apresentar novamente ritmos de samba, o significado da letra é bastante profundo e denso e fala – embora que de maneira “mascarada” – sobre como seria se o artista tivesse “olhos claros” – fosse mais positivo, não sofresse de qualquer tipo de insegurança ou autossabotagem. À medida que canta novamente sobre os seus olhos – a  seu ver – negros, a melodia esmorece e é dominada pela revolta do artista.

A outra música teria de serdescalço/os que dançam“, uma das músicas que mais brilha nesta obra. Sem nunca abandonar o registo rico e sentido da escrita, à qual nos expôs desde a primeira faixa, Zé menos criou assim uma música que poderia facilmente ser um hit, sem nunca deixar de passar uma importante mensagem. Esta música fala sobre o medo de se sentir desadequado e desemparado na vida adulta e como é difícil lidar com os desafios que a mesma traz, “porque os outros parecem saber falhar e eu não”.

A última faixa “o voo” é uma completa contradição à primeira música e assim oferece uma conclusão perfeita a esta obra. Num tom mais animado, o artista revela o que aprendeu ao sair da sua zona de conforto, algo que acabou por ser uma experiência positiva e por isso incentiva as “folhas” a fazerem o mesmo, triunfando sobre o medo.

Tendo mantido uma consistência enorme no que toca à intercalação dos elementos da natureza com os seus demónios interiores, Zé Menos mostrou-nos assim, em forma de arte, o processo de luta contra o medo de se expor, a si e às suas inseguranças, tendo saído triunfante no final. O caráter confessional e pessoal deste álbum faz com que o mesmo se destaque de muitos, por o fazer de uma forma tão bem conseguida, o que traz uma lufada de ar fresco à esfera do hip hop atual. Esta é uma obra que puxa pelo sentido de interpretação de cada um; um bom exercício para se fazer durante a quarentena.

“You Are Forgiven” de Slow J – Crítica

Por Beatriz Freitas | Fotografia de Alicia Gomes

“You Are Forgiven” não é apenas o mote para este álbum: os fãs também perdoam Slow J pelos meses sem música. Lançou o single Teu Eternamente” a novembro de 2018 mas após um período – não necessariamente longo, mas que assim pareceu – de ausência, o rapper, que nos surpreendeu pela primeira vez em 2015 com “The Free Food Tape”, já deixava saudade. Autor de verdadeira poesia em forma de música de que são exemplo famosos temas como “Serenata” e “Às vezes” , Slow J presenteou-nos em 2019 com nove faixas de puro exorcismo emocional, dotadas de uma escrita bastante crua, à qual nos tem vindo a habituar e que se faz acompanhar de melodias produzidas com a ajuda de produtores de luxo como Lhast, Charlie Beats e Dj Ride. Entregues ao público pela sua voz ora melódica, ora assertiva, com a qual sabemos que podemos sempre contar quando se fala deste artista, algumas das faixas presentes no álbum contam ainda com participações de Papillon – popular nome na esfera do hip hop atual- e da icónica Sara Tavares .

Ao longo de nove músicas somos transportados numa viagem de autoconhecimento, carregada de sentimento, sofrida pelo autor, onde nos é confidenciada a história de dor, perda e de redefinição pessoal que o artista viveu no decorrer da realização deste disco, culminada em faixas como “Lágrimas”, talvez a música mais emotiva do álbum, e “Também Sonhar”. Em canções como estas conseguimos perceber a sua acentuada mudança de mentalidade no que toca à fama e a maneira como o artista necessitou de dar “um passo atrás” e analisar o que, de facto, é mais importante para si, num ato individual de redefinição de prioridades face a esta nova fase da sua vida, após ultrapassar novos desafios a nível pessoal, na maioria trazidos pela paternidade -como explana no vídeo – e letra – de “Lágrimas”.

Existe espaço ainda para faixas onde reina o sentimento de celebração da vida, acompanhado de ritmos mais dançáveis como a faixa “FAM, que conta com a participação de Papillon. Através desta colaboração, o membro dos Grognation conhecido por usar ritmos mais animados – como nos mostrou no seu álbum de estreia “Deepak Looper” e tem continuado a mostrar com os seus mais recentes lançamentos- vem assim atribuir um vento de mudança com ritmos quentes que contrastam com todo o sentimento mais melancólico do álbum, oferecendo um escape dançável.

Com este álbum, Slow J veio assim cimentar o lugar de destaque que ocupa no hip hop português, posição conferida pela sua autenticidade enquanto artista, nunca pretendendo dar mais importância à fama do que à mensagem que pretende passar e que, por isso, nos apresenta cada obra carregada de honestidade e intimidade -para com os ouvintes – muito caraterística. Não tendo segredos com os fãs, pode inclusive ouvir-se na música “Onde é que estás”: “diz ao mundo se estás triste, deixa o mundo saber disso”.

“You Are Forgiven” apresenta-se assim como um hino de superação por viver, dividido por múltiplas faixas que demonstram, como mapa, o caminho percorrido pelo artista na complexa viagem da qual foi protagonista, dando-nos a possibilidade e o prazer de, agora e de certo modo, acompanharmos o itinerário percorrido, visto pelos seus olhos e contado pelo próprio.

Sabotage à pinha para ver (e ouvir) o Rei da Lírica – NERVE

No passado sábado dia 6 de março de 2020, Nerve saiu das sombras para nos agraciar com a sua presença no famoso bar do Cais, Sabotage Club  ; numa noite que prometia convidados e surpresas, o público certamente não ficou desiludido. Sendo este o seu primeiro concerto em 2020 – tendo no entanto já marcado presença este ano não só em Lisboa como no Porto com o seu projeto de poesia apelidado de Purga – Nerve,  que afirma que sobe ao palco e tem um monólogo, provou ser um Monstro Social arrancando várias gargalhadas – através de saídas de humor negro- assim como fortes entoações das suas letras cativando a audiência para um espetáculo imersivo de batidas obscuras e lírica complexa, tão características da sua persona.  

Il- Brutto, produtor em ascensão, ficou encarregue da primeira parte do concerto, pintando uma atmosfera para o que se avizinhava, com os seus beats sombrios e pesados perante uma sala escura com apontamentos de luz vermelha que combinavam perfeitamente com Nerve, o artista principal da noite, que apareceu de seguida – sorrateiro, mas firme – e pisou o palco ao som de Queimar Pontes – faixa do seu EP “Água do Bongo”- criando uma enorme e prevista exaltação pela parte do público, ansioso com a sua chegada. Seguiu-se a faixa Lápide e, não perdendo o ritmo perante um Sabotage completamente esgotado para ouvir o autor de Auto -Sabotagem, levou-nos numa viagem por faixas dos seus outros projetos como ´98 e Água do Bongo e parcerias como Ingrato, tema que partilha com Stereossauro e Dj Ride, a sua parte em Umbilical, com Colónia Calúnia – desta vez sobre um beat diferente – e ainda Funeral, pareceria com Mike El Nite.

Como grande surpresa da noite tivemos a presença de Tilt  que foi chamado ao palco para ambos o destruírem com o tema Eliminação, o que levou os fãs ao rubro. No fim foi ainda anunciado o projeto que aí vem e que se adivinha que vá incendiar a tuga – “Escalpe”, que, nas palavras de Nerve, é nada mais, nada menos que um álbum do próprio em pareceria com Tilt e com instrumentais de IL- Brutto.

Depois deste grande momento, o artista voltou a entusiasmar o público recitando a sua emblemática canção Loba à cappela  antes de fazer a plateia explodir de novo apresentando pela primeira vez ao vivo a sua mais recente faixa, Tríptico – música produzida por IL-Brutto que conta com três instrumentais diferentes. Este era um dos mais esperados momentos da noite que fez o público vibrar e gritar ,a plenos pulmões, a frase : “esqueci o teu nome, acho que vou chamar-te …um táxi “.

Após essa impressionante atuação e não dando sequer tempo aos fãs de recuperarem surpreendeu-nos, de novo, com outra obra de arte de três partes. Novamente sobre um beat de IL – Brutto, apresentou-nos um medley de músicas suas : Fumigajas do seu projeto “Palha, paus e pérolas” lançado em 2014, a emotiva Pobre de Mim do EP “Água do Bongo”  e por último, como golpada final, presenteou-nos com um novo tema de cariz  extremamente emotivo e vulnerável mostrando, novamente, no caso de ter restado qualquer tipo de dúvida, o talento raro que o artista possui no que toca à escrita – e também à maneira como a apresenta.

Com o culminar de um concerto em chamas – figurativa e quase literalmente, dado o calor humano que se fazia sentir –  e num segundo momento à cappela recitou a sua parte em Às vezes – famosa faixa na qual participou com Slow j – fazendo assim transição para a penúltima música, a aclamada Nós e Laços. Em tom de despedida cantou Chibo, poupando assim os fãs ao suspense de um encore.

Após esta noite de puro sucesso perante uma casa a abarrotar para o ver, Nerve veio deste modo relembrar o  artista completo que é – o que faz com que seja difícil nos cansarmos de o ver ao vivo. Acompanhado pelos endiabrantes instrumentais de IL- Brutto não restam dúvidas de que este génio lírico manda “linhas que linhagens hão-de ouvir nas aulas”, por enquanto, podem ir-se ouvindo as mesmas, em memoráveis concertos como este.

Foto-galeria disponível aqui.

Texto por Beatriz Freitas. Fotografias por Beatriz Dias.