Hip Hop Rádio

Beatriz Freitas

ENTREVISTA HHR: BENJI PRICE

“Ígneo” é o novo álbum de Benji Price. A Beatriz Freitas entrevistou o rapper e produtor ribatejano numa conversa sobre lírica, pop culture e todo o processo por detrás da criação deste novo trabalho. A entrevista passou hoje, dia 18 de fevereiro às 19:00 no site e na app da Hip Hop Rádio.

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Landim e Progvid apresentam “Programa” ao vivo no Village Underground

No passado sábado, dia cinco de fevereiro, o Village Underground recebeu uma das maiores lendas vivas do rap crioulo, Landim. Acompanhado por Progvid, que incendiou o local momentos antes com um DJ set, onde o trap e o drill foram estrelas, a dupla fez-se ouvir ao longo de quase duas horas de puro “rap da street”.

Num concerto que se anunciou com sendo uma apresentação do álbum “Programa”, editado em 2021, os presentes não puderam ficar desiludidos; de “Intro” a “Outro”, passando por temas como “Sauce”, “Tempu Pouko”, “#1”, “Lenda” e “Tévez”,  Landim, acompanhado dos pesados instrumentais de Progvid, encheu o palco de atitude e barras, mostrando ser, verdadeiramente, um real og do rap crioulo.

O artista aproveitou os vários momentos entre as músicas para dar ênfase a mensagens importantes de forte conteúdo social, o que contribuiu para uma maior interação com o público, sentida em toda a sala. Para além de ter aludido ao facto de alguns dos seus rapazes estarem presos e aproveitado o momento para passar uma mensagem de apelo à liberdade dos seus irmãos, destacamos o comentário relacionado a “Beija-Flor”, que explicou ser uma das mais importantes faixas para si, onde é feita uma homenagem a TWA; uma das suas grandes influências, assim como Allen Halloween, presente na casa nessa noite, que recebeu igualmente uma menção honrosa.

Houve também espaço para um especial comentário que procedeu “Blood”,- tema partilhado com Minigod, que também marcou presença em palco-, onde Landim proferiu um discurso sobre a importância de se manter fiel às suas origens e de propagar uma mensagem de autenticidade: “De onde eu venho são poucas as chances, ou és real, ou vais morrer a tentar ser real. Nós somos real n*****, respeito acima de tudo.”

A apresentação da música “Keeper” também não passou despercebida, com uma especial dedicatória do rapper a todas as mulheres: “Esta é para as minhas soldadas, mulheres guerreiras, ‘tou convosco.”

O artista contou ainda um episódio caricato sobre “Núvens”, antes da sua performance, relembrando o momento em que o seu “mano” Psyco Pdz, com quem partilha esta faixa, estava a dormir no estúdio e acordou quando ouviu o beat para a mesma. Nas palavras de Landim: “Não se dorme no estúdio”.

Numa segunda parte do concerto, o público foi brindado com faixas mais antigas, o que arrancou um elevado estado de euforia por parte do mesmo. Começando com o tema “Agrada só bó” e, logo de seguida, “Real Dimás”, Landim nunca abrandou o ritmo, impressionando com o seu flow e garra, sem nunca deixar de dar destaque às mensagens trazidas pelas sua letras, que reforçam a importância de nos relembrarmos da essência do rap e da sua cultura, como é o caso da letra desta última música mencionada, onde o artista frisa: “rap é uni tropas” e faz alusão a serem filhos de Ghoya, sobrinhos de Praga – constituinte do grupo Nigga Poison- netos de Halloween e sobrinhos de Primero G. Com esta afirmação é reforçada uma homenagem ao facto de Landim e talvez todas as suas maiores influências serem “produto di street”, assim como o rap, de uma maneira autêntica e que não deve alguma vez ser esquecida.

O rapper cantou ainda temas como “Digra”, “10 anu” e “Kruel” e terminou com “Na mó di Diós”, agradecendo ao público “maravilhoso” e deixando algumas palavras de incentivo: “Nunca desistam dos vossos sonhos. Não parem por ninguém, não deixem ninguém vos atrapalhar, sejam boas pessoas, sejam humanos, sejam bem-educados, que isso é que importa.”

Terminou assim um concerto de pura celebração do rap crioulo, da sua expressão, cultura e valores, num ambiente de lealdade ao género. A atmosfera sentida naquela sala é de realçar, pela entrega, não só por parte de Landim e Progvid e pela interação bem-humorada e quase familiar em palco, mas também pelo público, que não desapontou no que toca a apoiar e interagir com aquela que foi a apresentação do seu “primeiro álbum a sério”, como proferido por Landim – talvez por esta ser a estreia em longas-durações para ambos os artistas. Foi um real espetáculo para quem sente o rap na alma e no corpo, fielmente e desde as suas raízes.

O álbum “Programa” encontra-se disponível em todas as plataformas digitais.

Entrevista HHR: Wugori

Depois do sucesso com a estreia do seu EP “Mal passado, Bem Pensado“, Wugori, rapper e produtor oriundo da Amadora, não para de surpreender. A Hip Hop Rádio esteve à conversa com o artista, numa entrevista guiada por Beatriz Freitas, onde ficámos a saber mais sobre o seu processo criativo, influências e planos futuros. A entrevista passou hoje, dia 17 de janeiro às 21:00 no site e na app da Hip Hop Rádio.

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Fotos por João Beijinho.

“God Bless MS” – viagem familiar ao Porto para o Natal (do Marginal)

Com o Natal à porta há quem decore a árvore, embrulhe as prendas e encomende rabanadas. TOM, M.A.C e Silab & Jay Fella decidiram dar um twist à tradição e, neste ano tão atípico, levar a Margem Sul ao Porto no ambiente mais familiar possível, com um concerto de deitar abaixo qualquer decoração. O Natal chegou mesmo mais cedo para todos os presentes, pela mão de Keso, que montou um real festival de hip hop na Invicta, um verdadeiro regalo para os maiores fãs do género.

Pois que se esqueçam as rabanadas, o bolo-rei e a aletria, o mais requintado banquete estava montado no emblemático Plano B -sob as luzes néon vermelhas que, mesmo que por coincidência, tão bem conjugaram com a quadra- servido por uma fina seleção de integrantes da icónica Mano a Mano.

E o que se viveu ali foi, da maneira mais crua, uma exibição de puro talento para o rap numa noite “100% Almadense”, onde o ritmo nunca abrandou, ao longo de quase três horas de espetáculo, com inúmeros convidados e surpresas.

Como apreciadora do género, a atmosfera sentida naquela sala era ímpar. Embora as reações efusivas se tenham iniciado logo a partir do momento em que o primeiro convidado, Mlk Mau Aluno, pisou o palco, quando foi a vez de TOM (Freakin Soyer) marcar presença, a plateia ganhou vida de uma maneira que me fez pensar em como será para o artista receber aquela energia de volta, sabendo que acts como os presentes naquela noite dão tudo, debitando letras com significado atrás de letras com significado, sobre poderosos beats, nunca deixando de fora a extrema interação com o público – algo que é um fator crucial e sobressai, quando falamos em concertos ao vivo.

Ao longo de temas como “Titã”, “VNNO” e “Coisas D’um Louco” a admiração crescia, vendo que a plateia repetia as letras como se os próprios constituintes da mesma as tivessem escrito, constituintes esses que variavam amplamente entre faixas etárias; um detalhe que certamente não vou esquecer tão cedo foi o senhor a meu lado, a quem eu, por estimativa, atribuiria uns nobres 60 anos, que tentava repetir, de forma entusiasta e ao longo de todo o concerto, as letras que ia apanhando e interagia com tudo o que lhe era pedido: de entoações a gestos de mãos.

TOM chamou ainda ao palco nomes como Vato, Silva G e Jay Fella, mostrando a sua versatilidade e cimentando o seu nome como um artista que é facilmente capaz de incentivar qualquer pessoa a querer vê-lo ao vivo várias vezes, quer pela sua impressionante presença em palco e pela maneira como o incendeia, como pela destreza que apresenta ao debitar as suas rimas, carregadas de duplo sentido, trocadilhos inteligentes e que contam histórias, mostrando, caso dúvidas houvesse, que o que ele faz “é hip hop memo! não é só ter umas dicas e umas funny punches”.

Ainda com as tábuas do palco a vibrar e sem qualquer tipo de intervalo, foi a vez de M.A.C tomarem o espaço de assalto, atacando com uma mistura de faixas do seu novo álbum “Sem Título” e temas mais antigos como “Criança” e “Deve ser da Guita!!!”, recebidos pela plateia com um carinho e entusiasmo possíveis de sentir a léguas. Destaco a participação de Amaura na bonita faixa “Hoje é dia” e também aquele que considero ter sido um dos momentos altos da noite: numa manifestação do expoente da tão apreciada interação com o público, o palco encheu-se do mesmo e, num clima de amizade e puro entusiasmo, foi cantado o tema “Chokolate Rocka”, a dezenas de vozes, naquilo que parecia uma reunião de família. Este foi um daqueles momentos de realização em que se pensa: “Hip hop é isto. Materializado aqui à nossa frente”.

Houve ainda um importante e merecido shoutout a Keso e a toda a organização do festival, por fazer acontecer este tipo de “cenas que batem cá dentro, para quem ama hip hop”, pois, como dito por M.A.C, este não é um festival só com uma ou duas atuações de hip hop, é hip hop puro durante sete dias, vivenciado por e para quem realmente sente a cena. É de louvar, por ser tão necessário, bem conseguido, e por, – possivelmente- poder inspirar mais pessoal a fazer o mesmo, por este Portugal fora.

Para finalizar esta exímia representação da margem sul, Silab & Jay Fella abriram a sua chegada ao palco com o tema Forty Five, para avisar – em tom de spoil – o que seria a sua performance, como a própria letra anuncia: “Cá na margem sul, we got/Got that atitude and style so dope/Dois oito forty five “. Não foi nada menos que isso, uma verdadeira festa cheia de atitude estilo block party -mas com nuances de r&b- ao som de êxitos desta dupla maravilha, que apresentou músicas como “Já Viste”, “MS Episodes”, “Dillinger, entre muitas outras.

Vindo de alguém que esperava há muito ouvir o bangerDrive” ao vivo, asseguro que não poderia ter sido melhor, por terem surpreendido com a chamada do próprio Blasph ao palco, artista este que nem tinha de cantar a sua parte da música se não quisesse, pois a plateia sabia de cor a letra e fez questão de a gritar ainda mais alto que o artista. Foi bonito. Ao ponto de Silab e Jay Fella terem admitido que “foram o melhor público até hoje” e “vocês estão de parabéns”. Talvez também por isso tivemos direito a ouvir algumas faixas ainda por lançar, uma delas intitulada “Flash”, que sairá em breve.

Terminou assim uma noite onde se revelou, para qualquer pessoa que estivesse a assistir, impossível ficar indiferente à energia e skill trazidas da margem.

O que experienciei foi certamente apenas um vislumbre do incrível que terá sido o festival Natal do Marginal, um festival montado por Keso com “79 artistas, 20 performances, 10 espaços, 7 dias, 0 financiamento público ou apoio municipal, 0 problemas.”, como escrito pelo próprio nas suas redes sociais.

Eventos como este acendem em qualquer amante de hip hop aquela centelha que relembra o quanto esta cultura significa para quem a vive, e a sorte que é poder experienciar acontecimentos como este, especialmente depois de um ano sem acontecer e ainda em tempos tão conturbados. Só serve para relembrar que não só o hip hop está vivo como – sim, atrevo-me a dizer – nunca irá morrer. Pode ter fases, pode apagar-se, voltar à luz, incendiar, mas voltará sempre das cinzas e em constante mutação -ou não- basta haver alguém, movido a paixão pela coisa, traduzido em dedicação. Há que apoiar, consumir, incentivar, criar se assim aprouver, e lá estaremos, para testemunhar noites memoráveis como esta. Que venham muitas, de todas as margens e em qualquer época. (Foi) Um feliz Natal (do Marginal).

Nerve, Blasph e IL-Brutto – Mensageiros do dilúvio a bordo do Titanic sur mer

Numa noite em que escapou à meteorologia adivinhar chuva, ocorreu dilúvio e todos os afluentes foram dar a Titanic Sur Mer, para estar na presença dos mensageiros do próprio: Nerve, Blasph e Il-Brutto, um concílio capaz de abanar qualquer embarcação.

Com uma fila notável para embarcar num navio que, desta vez, se presumia chegar a bom porto, as expectativas eram altas ao entrar no Titanic. Lá dentro sentia-se uma atmosfera que condizia bem com as cabeças de cartaz, já a ser pintada pelos endiabrados instrumentais de Il-Brutto -com direito ainda a um a capella de Freddie Gibbs sobre um beat seu.

Fomos assim embalados antes da tempestade, em águas que, no entanto, nunca se mostraram calmas, até aparecer o primeiro capitão da noite: Blasph aka Frankie Dilúvio.

Para apresentar a primeira música a título próprio: “O Meu Quarteirão”, fez-se acompanhar de Dani, envergando bandeiras de homenagem à Margem Sul e a Caio, um dos seus “irmãos” (como apelidado pelo próprio), perdido para a violência nas ruas, algo que “não acontece só na América”.

Seguiu-se a apresentação de uma panóplia de favoritos do público, constituída por temas como “Cantinho do Mal”, que partilha com Beware, a icónica “Rap D1 Gajo”, “Suspeitos do Costume” e ainda “Incandescente”, recebidas pelos presentes com um entusiasmo de louvar, ação concebida por Blasph, que retirou uns momentos de debitar clássicos para se dirigir à plateia. Num discurso sincero e despido de artifícios, sobre a importância de se saber reconhecer o bem que nos é feito, o artista agradeceu a quem o tinha ido ver e chamou ao palco alguém que lhe “fez muito bem”: TNT. Após uma acesa performance de “Fod** o Rap”, juntou-se o “guilty kid” Kulpado, formando assim 2/2 de M.A.C, para cantarem “Carga Nisso”, single presente no seu novo álbum “Sem Título”.

De volta ao foco principal em palco, Blasph refletiu sobre o facto de não dar um concerto há três anos, enquanto acabava a sua garrafa de Jack Daniels, em tom de celebração do retorno. O artista apresentou ainda os temas “Fardo”, “€uros Ramazotti”, “Nuvens Cinzentas”, “Doses” e “Ondulação”, antes do “Boa Noite” mais aguardado das últimas semanas: trata-se claramente da faixa “Buonasera”, assalto estilo royal flush, servido pelo trio assassino Blasph x Nerve x Il-Brutto. Fazendo jus à vibe da música, antes de pisar o palco, com a pujança de quem se propõe a separar as águas ignorando qualquer tubarão, era ouvida a voz de Nerve em ad-libs na parte de Blasph, como se viesse do além, lembrando quando nos thrillers se começa a ouvir a música que indica a proximidade de um assassino, antes do mesmo se revelar.

A sua súbita materialização em palco arrancou gritos, palmas e entoações de apoio fervorosas, combustível potente para o que foi servido nesta segunda parte do concerto, reservada ao próprio Nerve e convidados.

Tirando um momento para agradecer a presença do público, mesmo após as novas medidas face à pandemia, não poupou ninguém no que toca a “debitar matéria”, apresentando a sua melhor seleção de faixas prosseguindo com “Mínimo”, “Deserto”, “Lápide” e “´98 a capella, que faz sempre uma ponte ideal entre a menção a Carlos Paredes na música e a guitarra portuguesa ouvida no início da faixa seguinte, “Ingrato”, tema que partilha com Stereossauro.

Seguiu-se a apresentação de “Gangrena”, num ato de benevolência e com um tom algo humorístico, para com quem não segue o artista no Patreon, onde este tema se encontra disponível.

Ainda em clima de partilha e interação com o público, foram apresentadas três faixas reinventadas sobre instrumentais de Il-Brutto, sendo a primeira “Monstro Social”, um dos temas que mais incita o diálogo entre o público e o artista, e as restantes “Fumigajas” e “Pobre de Mim”, fundidas num medley que se destaca pelo seu cariz íntimo. O tom confessional da poesia a ser declamada sobre este novo instrumental lento e envolvente funciona como um contraste com as rimas habitualmente mais agressivas, sendo possível ter um vislumbre de Nerve enquanto poeta e declamador, caso dúvidas houvesse entre quem nunca frequentou uma sessão de Purga.

Aproximando-se da reta final, mas ainda com espaço para algumas surpresas, o artista brindou a plateia com “Subtítulo” e as tão aguardadas “Nós e Laços” e “100 problemas”. Celebrizada no programa “Primeira Vez”, esta última faixa conta agora com sucesso tal que com certeza consagra Nerve como o único rapper que alguma vez pôs uma plateia a tentar entoar a palavra “dimetiltriptamina”.

Antes de terminar, foi chamado ao palco o último -mas certamente não menos importante- elemento chave para encerrar o ritual, Tilt, juntando-se assim 3/3 de Escalpe na proa, prontos para agitar marés ao som de “Thomasin” e “Quezília”, nova faixa do trio mortífero, que ameaça um dilúvio por enquanto só possível de sentir ao vivo. Por parte de quem já ouviu, que se imagine uma escrita e instrumental de fazer cair uns quantos santos do altar.

A viagem concluiu-se ao som de “Tríptico”, ideal para quem acabou de sair do barco e precisa de chamar um táxi; um verso que suscita a entoação pujante de todos os presentes, progressivamente mais entusiasta a cada concerto que ocorre.

Finalizou-se assim um concerto repleto de rimas excecionais que, de facto, podiam virar regra. A performance dada pela parte destes nomes de peso demonstra um talento, que embora já se mostre mais à tona de fundas águas, continua a revelar apenas a ponta do icebergue para a mestria que possuem. Da escrita genial de Nerve e Tilt, aos instrumentais sem comparação de Il-Brutto e passando pela entrega de Blasph, fica bem claro que o que quer que seja que venha daqui não é passageiro.

Prova disso são as sessões, esgotadas ou não, onde se nota claramente que quem marca presença não só consome a obra, como a interpreta e reconhece a sua importância, validando a crença de que artistas como Nerve possam estar “a escrever em pedra“, no sentido em que o seu legado poderá prevalecer durante muitos anos. Não é – de todo- música de dança, mas certamente dá espetáculo e quem vai sai impressionado.

O próximo concerto de Nerve e Il-Brutto tomará lugar no Porto, no âmbito do festival Natal do Marginal. Bilhetes disponíveis aqui.

Tilt na Casa Independente: De volta ao Karrossel

Passados dois anos desde o seu último concerto a solo, voltamos a dar uma volta no Karrossel com Tilt. Desta vez com a instalação montada na Casa Independente, o rapper agraciou-nos com um concerto repleto de convidados especiais, temas novos e interação com o público, numa véspera de Halloween que voltou atrás na hora, como que deixa dos astros, para podermos celebrar durante mais tempo este regresso cósmico.

A noite arrancou com DJ Ketzal, que abriu a bilheteira e iniciou o espetáculo com um DJ set onde demonstrou as suas skills de scratch. Após ter guiado o público durante uma hora de viagem pela mais refinada seleção de rap tuga, preparando-o para o que estava para vir, a personagem principal do espetáculo revelou-se, sorrateiramente, por detrás da cortina lateral e avançou, pronto para assombrar.

Tilt pisou o palco ao som de “Epidural“, com toda a vontade de aniquilar e uma saudação: “Boa noite, sobreviventes do apocalipse! Que bom ver-vos.”, o que verdade seja dita, não tem tanto de hipérbole como se possa pensar num primeiro instante, relembrando-nos do surreal que é poder-se finalmente celebrar música ao vivo nestas condições.

Prontamente levou-nos numa volta alucinante ao som de temas como “Tecnologia Primitiva, O Museu“, uma faixa “com dez anos, mas sempre atual”, “Perdido e Hashado” produzido por Metamorfiko, -apresentado por Tilt como um dos seus produtores preferidos-  e “1926”, onde foi feito um feat com o público, entusiasta, na parte do refrão.

O artista apresentou ainda temas como “Bilheteira” e “Calhau” -uma faixa pela qual admitiu ter um carinho especial- antes de chamar ao palco a primeira grande convidada da noite: Cora. Juntos apresentaram o seu novo tema “Orla”, que se encontra presente no primeiro álbum da artista, “Trochilidae”.

Seguindo o tema de diversão efémera, lema pelo qual se parece reger, o rapper anunciou que iria fazer uma “brincadeira”, que se traduziu num medley pesado onde juntou os temas “Ugh”, com beat de IL-BRUTTO, “Eliminação”, “Doentes” e “Mercenários”.

Logo de seguida e sem dar tempo ao público para recuperar do arraial de lírica que tinha acabado de testemunhar, foram chamados ao palco os próximos convidados: Nero e Mass, completando assim 3/3 de ORTEUM em palco, para cantarem “Indigesto”. Antes de se retirarem, Tilt anunciou concerto do conjunto dia 19 de novembro, no Musicbox.

Mas a procissão ainda ia no adro no que toca a surpresas. Em mais um momento de partilha a mãos largas, o artista revelou que está a preparar um novo disco intitulado “Espirro” e presenteou-nos com um sneak peek a capella mortífero, com a qualidade de barras a que já estamos habituados: “Música para os teus ouvidos era cair-te um piano em cima”.

Para o deleite do público, a faixa que se seguiu foi a emblemática “Homem do Lixo”, que arrancou fortes entoações da letra, da parte dos presentes, prosseguindo-se de “Amor a Roma” e ainda “Lei”, antes de ser evocado o último convidado especial da noite: Nerve. Uma das duplas mais temidas juntou-se em palco, para abanar placas tectónicas ao som de ”Thomasin”, naquela que não seria a última performance de 2/3 de Escalpe naquela noite.

Depois de apresentar a sua mais recente faixa “Treze”, humoristicamente dedicada por Tilt “às pessoas que tiveram que comprar bilhete à porta” e “Amor Romano”, sobre um instrumental diferente e numa performance intimista, Nerve marcou novamente presença em palco, para nos brindar com a maior surpresa da noite: em celebração do primeiro aniversário de Escalpe, assinalado naquela noite, a dupla apresentou um novo som, ainda sem título, que vamos apelidar de “uma promessa de rebentar com a tuga”. Foram assim levantados mais uns milímetros do véu sobre o que será Escalpe, um projeto há muito a ser magicado e por isso coberto por uma aura de misticismo, que os fãs urgem em desmistificar. No entanto, ainda não existe data para a grande revelação, pelo que é recomendada paciência.

Ainda com a cabeça à roda de tal volta no Karrossel, foi a vez de DJ Nelassassin apresentar um DJ set de hip hop maioritariamente internacional, para uma pista repleta de pessoas determinadas a dançar, que certamente não ficaram desiludidas. Podia sentir-se na atmosfera a euforia e uma desenfreada vontade de dançar, consumada ao som dos inúmeros temas que o DJ ia passando, enquanto riscava os discos com uma mestria invejável.

Foi assim o regresso de Tilt em nome individual aos palcos, num concerto marcado por convidados especiais, surpresas e pela destreza lírica do artista, que nunca para de surpreender. Com barras mordazes inseridas em verdadeiros poemas, -que contam elaboradas histórias que muitas vezes não parecem encaixar neste mundo, mas que talvez encaixem noutros- Tilt pode ser considerado como detentor de um dos melhores pen game do rap português, mostrando-se ciente do peso que a lírica possui no género e carregando-o às costas “até que o ombro estale.” Concertos como este fazem-nos relembrar do incomparável que é ouvir rap puro ao vivo, deixando-nos cada vez mais impacientes na expectativa do que mais poderá vir por aí … é de ficar de olho na Raia.

Fotografias por Sebastião Santana.

Red Bull Francamente: Um duelo de titãs na arte do improviso

No passado domingo, a Hip Hop Rádio esteve presente num dos eventos mais marcantes do ano: Red Bull FrancaMente. Inspirado no Red Bull Batalla, o maior evento de rap do mundo que já originou competições em países como Japão, França, Rússia e Brasil, foi a vez de Portugal organizar um duelo de titãs do rap de improviso… e certamente não desiludiu.

Tudo começou com a criação da app Red Bull Francamente, onde cerca de mil participantes por todo o país se puderam inscrever, através do envio de vídeos individuais. Os melhores 22 tiveram posteriormente a oportunidade de avançar para as próximas fases de seleção, que decorreram de agosto a outubro, culminando na grande final onde pudemos ver 16 dos melhores nomes na arte do improviso de Portugal: 7am de Beja, Arokon3 do Porto, Breakout de Lisboa, Composto de Esmoriz, Dyabetik de Faro, Filtro do Entroncamento, Isaac do Porto, Iseejohny de Ovar, Jap de Lamego, Krazy Dread de Évora. Marka do Porto, Notorious bag de Braga, Pikkas de Beja, Possessivo de Vila Real de Santo António, Sena de Setúbal e Titan de Matosinhos.

O palco escolhido para o derradeiro duelo encontrou refúgio na Voz do Operário, localizada na Graça, que se vestiu para a ocasião com as cores da Red Bull (azul e vermelho), numa produção de luxo, com atenção a todos os detalhes, enaltecendo o ringue central onde os 16 combatentes teriam de batalhar, exibindo os seus maiores truques de destreza e criatividade lírica em frente a um júri de peso: 9 Miller, Eva Rap Diva e Mundo Segundo.

Com o mote dado por DJ Kronic e guiado pelo ilustre anfitrião Sam The Kid, o tapete foi inaugurado para se averiguarem os sobreviventes da primeira batalha – os Oitavos de Final – onde os concorrentes puderam escolher contra quem combater. Assim, o público fez as suas apostas num placar que contava com promessas de disputas acesas: Sena vs. Krazy Dread, Jap vs. Breakout, Notorious bAg vs. Isaac, Dyabetik vs. Filtro, Composto vs. Pikkas, Possessivo vs. Iseejohny, 7am vs Marka e Arokon3 vs Titan.

Ao longo de quatro horas de pura desgarrada, os MCS lutaram pelo título de campeão, deixando o público – restrito, mas que se fez ouvir- de boca aberta, aumentando o entusiasmo a cada ronda.

Depois de servirem as suas melhores dicas, mano a mano, apenas oito MCS passaram às próximas batalhas: Sena, Breakout, Notorious bAg, Dyabetik, Composto, Iseejohny, 7am e Titan foram os escolhidos pelo painel de jurados. Com toda a garra e vontade de aniquilar, a luta prosseguiu ao longo dos quartos de final, batalha de terceiro lugar, primeira meia-final – disputada entre Break0ut e Notorious Bag – e segunda meia-final – disputada entre 7am e Iseejohny.

Sobrevivendo – com distinção- a desafios de lírica que deixaram qualquer um impressionado pela rapidez de pensamento, criatividade e destreza e eliminando adversários um a um que nem Squid Game, chegámos assim à grande final, disputada pelos dois últimos gladiadores de pé: Break0ut e Iseejohny.

Com o título em mente e cada vez mais perto de ser obtido, a derradeira batalha iniciou-se com a colocação de duas caixas repletas de objetos no ringue, uma para cada MC. Cada um teria assim de improvisar sobre os objetos, da maneira mais rápida e criativa possível, caraterística comum às restantes rondas de tema livre, que nunca desiludiram. A qualidade das battles levou a uma grande indecisão pela parte dos júris, que votaram inúmeras vezes a favor de réplicas (4×4 B2B livre, 5 entradas) antes de se consagrar o grande vencedor desta batalha, anunciado por Sam the Kid estilo boxing match: Break0ut.

O anúncio da sua vitória foi recebido com gritos e entoações de apoio, enquanto caíam confettis e os adversários se abraçavam, parabenizando-se, abrindo alas para o momento final do espetáculo no qual todos os concorrentes se juntaram para celebrar o evento, cuspindo barras mais uma vez, com a mesma garra e determinação com que iniciaram a competição.

Assim, perante uma plateia de convidados em chamas, envoltos num ambiente de verdadeira competição e simultâneo amor e dedicação à cultura, Portugal coroou o seu rei do rap do improviso, num evento que fez jus ao nome e ao que o rap é, na sua génese: FrancaMente, mentes francas, do adjetivo de ser desimpedido ou livre, desembaraçado, “que não apresenta obstáculos ou impedimentos”, o que se verificou, constantemente e ao longo de largas horas, pela parte de 16 competidores com um stock ilimitado de rimas que faziam qualquer um gritar “damnnn”, de queixo caído e já na expectativa do próximo assalto.

O vencedor desta competição viajará em dezembro até ao Chile, como convidado de honra da Final Internacional do Red Bull Batalla 2021.

Red Bull Francamente foi transmitido em streaming, apresentado por Soraia Carrega e NTS e encontra-se agora disponível no Youtube.

HHR no Festival Iminente ’21: Quatro dias na Disneyland da cultura Urbana

Depois de alguns avanços e recuos e toda uma pandemia pelo meio, um dos mais míticos eventos voltou em toda a sua glória, para nos agraciar com o melhor que sabe fazer: enaltecer a cultura urbana. A Hip Hop Rádio marcou presença na décima edição do Festival Iminente, que decorreu entre sete a dez de outubro de 2021, quatro dias repletos das mais orgânicas expressões de arte, oferecendo exposições, instalações, graffiti, dança, tatuagens, e música…muita música.

Anteriormente realizado em Oeiras e depois no famoso Miradouro Panorâmico de Monsanto, este festival criado por Vhils tem agora uma nova casa:  Matinha, localizada num dos mais recentes e prolíficos focos de cultura em Lisboa, em constante expansão, o Beato, perto da Underdogs Gallery.

Desta vez com um tema relacionado com feira popular, fazendo alusão à diversão efémera, fugaz e elétrica da qual sentimos tanta falta, foi-nos proporcionado um recreio de arte espalhada, paredes outrora abandonadas vestidas de graffiti e outras obras de arte ocupando os espaços por artistas como Mariana a Miserável, Pedro Podre, Pipoca e OpenField, honrando um dos principais conceitos do festival: pegar em algo abandonado e fazer dele uma enorme instalação de arte, como tão bem sabe Vhils fazer.

Depois de mais de um ano a conter a vontade de atender a um bom festival, com copos reutilizáveis, pó, espaços cheios de gente e a correria entre palcos na esperança de apanhar todos os preferidos, o retorno teria de ser épico: e foi. Com cabeças de cartaz de luxo como Slum Village e The Alchemist, capazes de fazer qualquer hip hop head largar tudo e ir, a vasta oferta de performances não ficou por aí, podendo contar com mais de 50 artistas distribuídos ao longo de quatro dias cheios de cultura, na sua maioria esgotados, não diferindo muito das edições anteriores.

A festa nunca parou, tomando lugar em três palcos, para além de todo o recinto que respirava arte: Palco Gasómetro, com maior capacidade, o Palco Choque, uma literal pista de carrinhos de choque e o Palco Cine Estúdio, que nos matou as saudades de uma boa estufa de calor humano e entusiasmo.

Começámos o primeiro dia logo com uma grande voltagem de energia, numa data que parece ter sido estipulada para dançar, como tanto tínhamos saudades. Honrando o sentimento, a primeira atuação vista foi uma batalha de breakdance no Palco Choque, que mais tarde continuou no Skate Park. Acontecendo duas vezes por dia, as batalhas de breakdance revelaram-se como uma das mais entusiasmantes performances a não perder, reunindo sempre uma grande e entusiasta multidão para as ver, sempre acompanhadas pelo host Wilson e thebboywannabedj.

Não abrandando na energia e adicionando-lhe mais uns quantos volts poderosos, dirigimo-nos ao Palco Gasómetro para ver Pongo, num concerto que incendiou o palco, a plateia e todos os que poderiam estar a ouvir, mesmo que de longe. Este concerto foi a personificação de tudo o que mais sentimos falta, a energia radiante e unida de todos os presentes, o cantar em uníssono, a dança desenfreada, os empurrões, coros e pó levantado; tudo isto coordenado pela artista, que dançou e cantou incansavelmente, levando-nos desde hits como “Bruxos” -que apresentou no A COLORS SHOW – a uma nova versão de “Kalemba (Wegue Wegue)“, não fosse ela uma exintegrante de Buraka Som Sistema. A artista chegou a saltar do palco e ir dançar para o meio da multidão, tal não era a energia sentida, naquele que foi um verdadeiro grito desafogado de liberdade em forma de concerto.

 Seguiu-se Herlander, artista lisboeta que espalhou magia para uma também considerável multidão, desta vez no Palco Choque, e voltámos para o palco principal para ver outra das cabeças de cartaz da noite, Plutónio.

Não se afastando muito da energia sentida em Pongo, Plutónio veio devolver algo há muito em falta: um moshpit, ao som de “Cafeína”, um dos seus mais conhecidos temas. Este concerto serviu para mostrar que o público nunca parou de ouvir as músicas que mais gosta, como o próprio agradeceu pelo feito, tendo como prova disso o coro de vozes em uníssono, que respondia a todas as músicas apresentadas. Este coro explodiu em “Lisabona”, validando os versos: “Depois do coliseu, a única coisa que bateu mais que eu foi o corona”.

O ritmo não esmoreceu, passando desta vez para o palco Cine Estúdio com Scúru Fitchádu, numa performance de pura garra e calor humano, e seguiu-se o Palco Choque, que não estava menos cheio, onde uma multidão fez papel de carrinho, na área dos carrinhos de choque e se agrupou para ver DJ Glue. Este icónico DJ eletrizou todo o recinto, com remisturas de hinos do rap, do mais antigo ao mais recente, arrancando aplausos e gritos da plateia.

Em simultâneo estava a acontecer o concerto de DJ Shaka Lion no palco principal, numa onda mais reggae, naquele que foi um dia de triunfo para DJ’s. A noite acabou honrando este facto, de forma explosiva, com DJ Ride a causar estrago no palco Cine Estúdio, com uma destreza invejável, exibindo diversas técnicas de scratch e domínio da mesa de misturas.

Ainda a recuperar do dia um, seguiu-se o que considerámos o dia mais aceso do festival. Para além da promessa da enorme cabeça de cartaz reservada para este dia, The Alchemist, avizinhava-se um verdadeiro arraial de dança com nomes como Julinho KSD, Dino D´Santiago, Cintia e Holly.

Começando pelo concerto de Julinho KSD, naquela que foi a tão esperada apresentação ao vivo do seu primeiro álbum “Sabi na Sabura”, sentiu-se no ar toda a libertação após ano e meio de dançar em casa. Com convidados como Dino D´Santiago para cantar o tema “Kriolo” e Instinto 26 para cantar os hits “Gangsta”, “Sólido” e “Bandidas”, o público não parou um segundo, dançando ao som dos ritmos quentes e dançáveis de populares temas como “Mama Ta Xinti”, “Sentimento Safari” e “Hoji N´Ka ta Rola”. Este concerto terminou com uma roda, que levantou muita poeira ao som de “Stunka”.

De seguida dirigimo-nos ao Palco Choque para mais uma eletrizante performance, desta vez pela parte de Cíntia, que também fez uma multidão dançar ao som de populares temas como “Savana”, “African Queen”, “Grana” e um dos seus mais recentes singles “Je t’aime”. Este mesmo palco acolheria mais tarde HOLLY, que manteve em chamas todos os presentes, com ávidos remixes de obras como “Donda” de Kanye West, envergando uma sweat estampada com o nome e imagem de um dos grandes nomes do hip hop, DMX, falecido recentemente.

Este dia contou com uma das mais aguardadas e entusiasmantes performances: The Alchemist, uma verdadeira lenda no que toca a produção. Depois do aclamado álbum “Alfredo´s” que partilha com outro dos maiores nomes do hip hop atual, Freddie Gibbs, o artista preparava-se para atuar para um recinto cheio de pessoas que envergavam o merchandising da obra, em pulgas para ver um dos maiores produtores existentes, diretamente da Califórnia. The Alchemist encheu o recinto do Palco Gasómetro, onde fãs deliraram ao assistir a um puro espetáculo de mistura de poções, fazendo jus ao nome, obtendo as maiores manifestações de entusiasmo com a batida de “$500 Ounces”, ou qualquer outra faixa presente em “Alfredo´s” e beats que pareciam estar a ser cozinhados à nossa frente.

O penúltimo dia de festival não esmoreceu em termos de cabeças de cartaz de luxo, sendo o prato principal desta vez Slum Village, diretamente de Detroit.

A festa começou no palco Gasómetro com GHOYA, rapper criolo, que contou com leais fãs nas primeiras filas a cantarem os seus temas. Seguiu-se Tekilla no Palco Choque, que encantou mais uma vez com temas como “Sinónimos”, faixa que partilha com Sam The kid, “Love You”, uma das preferidas do público e mais canções do seu mais recente álbum “Olhos de Vidro”.

 O Palco Gasómetro foi ainda pisado por Chullage com o seu projeto Pretú, onde cativou toda a audiência com as suas letras carregadas de mensagem, sobre beats mordazes, alguns em colaboração com grandes nomes como Scúru Fitchádu e Cachupa Psicadélica.

 Mais tarde foi a vez de Nenny se estrear neste festival, para uma multidão enorme que ansiava a performance de temas como “Tequila” – também presente em A COLORS SHOW-, “Bússula” e “Sushi”. O principal destaque foi, no entanto, para a música “Dona Maria”, onde a artista chamou ao palco a sua mãe, acompanhada de vários familiares, para dedicar esta profunda canção, num momento que não deixou ninguém indiferente, em busca de lenços para toda a emoção sentida.

Sem grande tempo para recuperar de tanta emoção, seguiu-se um dos momentos mais altos da noite, Slum Village, que proporcionaram um concerto que ficará para sempre na história. A performance de conhecidos temas como “The Look of Love”, “Selfish” -que partilham com Kanye West- “Fall in Love” e inúmeras menções e homenagens a J Dilla vieram mostrar como se faz, num display assertivo de MCS old school, que sabem como levar uma plateia à euforia.

Seguimos para dar mais uma volta no Palco Choque onde atuou Carlitos Lagangz, rapper que deu uma aula de drill internacional aos ouvintes, colados a colunas que quase rebentaram com a agressividade das batidas.

A noite terminou com um DJ Set esgotado de Branko, que fez todo o recinto, na sua capacidade máxima, dançar ao som dos seus temas, não fosse também ele um ex-integrante de Buraka Som Sistema. A quem sobrasse dúvida, podia verificar por todo o merch, vestido pelos fãs presentes no recinto.

Não menos entusiasmante foi o quarto e último dia de festival, que arrancou com a performance de um dos mais icónicos gaienses, David Bruno, acompanhado pelos seus fiéis e talentosos comparsas, Marco Duarte e DJ António Bandeiras.

 Num trio apelidado por David Bruno como “Os power rangers de Rio Tinto”, com indumentária à altura, constituída por e somente um fato de treino, estes artistas brindaram-nos com as habituais histórias, interação com o público, crowd surf de António Bandeiras e o lançamento da regueifa e rosa de António Bandeiras, num concerto que nunca nos cansamos de ver, por ser sempre diferente, divertido e, especialmente, único.

A noite contou ainda com Pedro Mafama, na apresentação do seu novo disco “Pelo Rio Abaixo” e  Eu.Clides, que mostrou os seus dotes de cantor e produtor, tendo encantado todo o público do palco Cine Estúdio.

De destacar ainda a incrível e derradeira batalha de breakdance que ocorreu no Palco Choque, onde nem o público esteve a salvo. Os moves apresentados numa que foi uma das mais e impressionantes exibições de talento em todo o festival, acompanhados da reação efusiva de todos os que viram, vieram relembrar a relevância desta arte e a importância de se dar mais atenção à mesma. Um verdadeiro bónus em pontos de nostalgia, para quem cresceu a ver America´s Best Dance Crew, vidrado no ecrã.

Terminou assim mais uma edição de um dos mais importantes festivais para a nossa tão adorada cultura. Este festival de cariz nómada consegue ser pioneiro na sua essência e conceito, sendo assim importante enaltecer a excelente plataforma que oferece a um grande número de artistas, nas mais variadas vertentes. Depois de todos os contratempos sofridos com a pandemia e a ressacar há mais e um ano sem festivais, Vhils montou uma verdadeira Disneyland para a cultura urbana, onde certamente todos nos sentimos crianças livres e felizes outra vez, rodeadas de arte na sua forma mais pura e crua, durante quatro dias onde só apetecia gritar “finalmente”.

Beat deu concerto: Wugori ao vivo no Com Calma

Calmamente -mas dificilmente contendo o entusiasmo- voltamos ao ritmo da vida noturna em Lisboa, entrando desta vez pela porta dos fundos e em direção às catacumbas, para nos deleitarmos no escuro ambiental do underground. A descida foi proporcionada mais uma vez pela LUME, no que foi mais uma sessão de LX RAP Clandestino.

Sessões que anteriormente encontraram refúgio em lugares como a cave da FLUL, em estilo clandestino que sempre fez jus ao nome, têm agora uma nova casa: o espaço Cultural Com Calma, sediado em Benfica, ideal para acolher todos os corpos e almas movidas a cultura. De fachada colorida à beira da estrada, cativa o olho mais atento a entrar e descer para descobrir o que mais esconde, ao passar pela entrada com exposições na parede e estantes de livros, cuidadosamente organizados alfabeticamente, o que contribui vivamente para o ambiente íntimo e acolhedor do espaço.

O tesouro escondido tinha desta vez o nome de Wugori, rapper oriundo da Amadora, que deu cartas e abriu o apetite de toda a gente com o EP Mal Passado Bem Pensado, produzido por gonsalocomc, outro diamante em bruto, formando uma dupla que certamente causa estrago.

O primeiro a segurar a tocha para guiar os curiosos exploradores do under foi Saraiva, que proporcionou um DJ set constituído por uma vasta seleção de hip hop, de Portugal aos Estados Unidos, passando pelo Brasil, num warm up que deixou a sala no ponto para receber o ato principal. Já na reta final fez-se acompanhar por DAMAZ MC, constituinte do coletivo UMRAP, que atuará dia 15 de outubro, na mesma localização.


Chegando sorrateiramente pelo meio da plateia, como quem se desculpa por chegar atrasado a uma sessão de cinema, Wugori pisou o palco desta vez acompanhado de Snootie Chainz, para apresentar algo diferente do que se esperava: uma demonstração de beats e remixes.

Qualquer um dos presentes que se pudesse ter mostrado apreensivo por não ir experienciar o típico concerto de hip hop, rápida e certamente mudou de ideias, ao ver o alquimista com a poção a cozinhar, no que parecia uma sessão de estúdio, mas desta vez com audiência.

Sem mais tempo para demoras começou a magia com pads, PC e teclado, num espetáculo de produção. Alternando entre temas onde se verificava a mestria em utilização de samples, produções mais lo-fi e reinvenções de clássicos do rap americano como “Scarface Nigga” de  Roc Marciano, estava montado um display de tentativa-erro, porque desenganem-se, nem todas as refeições foram pré-preparadas, algumas pareciam estar a ser cozinhadas à nossa frente, a ver os ingredientes a irem para o caldeirão.

Embora fosse aparente o entusiamo ao mostrar os instrumentais , como quem está a mostrar poesia pela primeira vez, muitas vezes não conseguia conter a vontade de debitar barras em cima dos mesmos, mostrando a proeza na entrega de rimas. Ainda meio tímido, desistiu de deixar os beats falarem por si, culminando na performance da faixa “Olhocerrado”, com o habitual flow do Kong, mas sobre um instrumental diferente, arrecadando vários gritos da plateia.

Seguiu-se a faixa “Tia May”, naquela que foi a performance mais íntima da noite. Uma letra já profunda foi entregue em tom de confissão, sobre uma batida algo melancólica e exaltando as linhas “Tou de rastos mãe vem dar um abraço, um homem quer afeto mas há quem ainda faça caso”. Num concerto que foi sobre desconstruir o que já foi feito, reinventar e manter interessante, constantemente em busca de se tentar melhorar, esta música veio exemplificar a força que se pode encontrar na vulnerabilidade da arte, com uma mensagem importante: “Mais amor bro, isso não faz de mim frágil, dá valor tho”.

Continuando no registo do seu mais recente EP, brindou-nos com “Trolley”, e ainda  “Trata”, single de 2020,  também apresentadas em forma de remix. E se Wugori vê o mundo pelos quadros que pinta, nós vemos o mundo dele pelos beats e rimas que entrega.

Com a plateia em chamas e não abrandando na viagem, o artista procedeu na amostra da sua versatilidade ao apresentar, algo reticente, um drill que levou Snottie Chainz a improvisar o início da “Off The Grid” de Kanye West. Um instrumental que prometia: “Se eu acertar é banger”. Acertou e confirmou-se.

Houve ainda espaço para vários leaks, como prometido inicialmente, que não só deixaram água na boca a todos os presentes – mas calma, que está para breve- como vieram cimentar o percurso artístico, e talvez pessoal, deste artista; a frase: “Desde puto que tenho um caso com a música” ouvida numa delas esclarece, caso dúvidas houvesse, que toda esta criatividade e skill não vêm de agora: é acordar que ainda dá tempo para apanhar o comboio.

A partir daqui, especialmente, foi festa agressiva na cave. Depois de ter esclarecido “já cantei o que tinha a cantar, a partir daqui é só desgraça”, o gorila lançou beats de uma violência, que correu o risco de se tornar num Harambe 2. Com drops agressivos e ad libs de Snottie Chainz, a energia sentida na sala era contagiante e a plateia já só pedia mais. E ele dava, servindo um buffet de fusões de drill, funk, afro, trap e mais viessem, agora quentes e prontas a servir, a uma multidão faminta, há muito à espera. E foi assim até ao fim.

De destacar, especialmente, um beat afro que ironicamente continha um sample onde se podia ouvir “Tão tímido porquê?”, que foi talvez a surpresa da noite.  Wugori é para todos, ou não fosse a junção do seu nome Wu-Tang com Gorillaz, no entanto descobrimos que se pode mutar e ir até um DJ MARFOX. Caso para dizer que beat deu concerto e nem a malta do tarraxo está a salvo.

Com talento para as rimas já amplamente mostrado ao longo da sua obra, com este concerto Wugori veio demonstrar a sua versatilidade no que toca à produção de beats, numa performance marcada pela exposição de domínio de vários géneros e mestria de reinvenção das suas faixas, com uma abertura e à vontade dignas de ser registadas.

Despido do medo de falhar, e se o tinha, a honestidade sobrepunha-se, Wugori fez do Com Calma um recreio revestido para todas as acrobacias e experiências que quis fazer, todas bem recebidas pelo público, que retribuía com gritos de apoio, palavras de motivação e entoações, tudo isto fruto do que se estava a viver ali: uma partilha de algo que parecia inédito, numa sessão de estúdio, que podia muito bem estar a acontecer no quarto do artista. Exemplificou-se assim o expoente máximo do que é o hip hop underground: verdadeiros génios, não necessariamente à vista de todos, que muitas vezes passam despercebidos.

Assim revela-se a importância de projetos como o LX Rap Clandestino e todos os eventos produzidos pela LUME, que tanto fazem pelo panorama atual do rap underground em Portugal, trazendo à luz nomes mais escondidos, para quem possa andar perdido e não saiba onde explorar; mas fica a dica: se ouvires sons de festa vindos de uma cave mais próxima, é descer e explorar, afinal de contas, é preciso escavar para encontrar diamantes.

As próximas datas e respetivos bilhetes encontram-se disponíveis no instagram da Lume Portugal, podendo contar com UMRAP dia 15 de outubro e Vácuo dia 29 de outubro.

O EP Mal Passado Bem Pensado de Wugori x gonsalocomc encontra-se disponível em todas as plataformas.

Fotos da autoria de Tiago Gonçalves.

Tekilla no Time Out Market: Shots de energia numa festa de reencontro

Na passada quarta-feira, dia 22 de setembro de 2021, noite de trovoada, o Time Out Market recebeu mais que um abalo que abanou (e de que forma) as suas estruturas: Tekilla, uma força da natureza.

Uma noite que estava destinada à apresentação do seu novo álbum “Olhos de Vidro”, e na qual se prometia a presença de vários convidados especiais, acabou por ser muito mais que isso: uma verdadeira festa, onde se celebrou o lento e há muito esperado regresso à normalidade, na presença de amigos, fãs e família. A energia elétrica de Tekilla fez-se sentir em todos os segundos do concerto, onde houve momentos de dança, extrema interação com o público, desabafos e até abraços, num culminar de um concerto eletrizante. E nós estivemos lá para testemunhar.

O ambiente foi preparado pelo DJ Kool Isac Ace, que proporcionou ao público uma viagem aos primórdios do hip-hop, deixando de imediato a sala na expectativa do que se avizinhava: uma performance conduzida pela vontade de passar a mensagem, da maneira mais crua e eletrizante possível.

A suave mas inesperada transição de hip-hop para a música “Saudade Vem Correndo” de Stan Getz trouxe com ela uma bailarina de dança contemporânea, indicando assim a chegada próxima do tão aguardado artista, que surgiu breves momentos depois, estreando o palco com o seu tema “Homens”.

Frisando sempre a gratidão sentida em relação a este regresso à normalidade, e agradecendo com largos elogios ao público que saiu de casa para o ver, o artista prosseguiu com o tema “90s”, incitando os presentes, fervendo para se levantar, a abanarem a cabeça, mencionando o quanto arriscaram para realmente proporcionar uma performance “à altura” pois, nas palavras do artista, o seu objetivo é sempre apresentar a melhor performance possível, “não só porque ouviram e gostaram do álbum, mas para superar as vossas expectativas”.

De seguida, foi aberto o leque de convidados especiais com a chamada ao palco de Ana Semedo, apelidada de Underground Diva, para cantarem o tema “Puxão de Orelhas”.

Não faltaram momentos de interação com o público entre músicas, onde Tekilla fez questão de relembrar o seu principal objetivo no rap: passar a mensagem. Estando há mais de 20 anos no rap, o artista defende que não é, nem alguma vez foi a parte financeira que o estimula, mas sim o veículo que esta forma de arte proporciona, para poder passar a mensagem.

Seguiu-se a apresentação do tema “Love you”, que suscitou um pico de energia na sala. Tekilla incentivou todos os presentes a proferir as palavras “Fuck You”, num exercício libertador de expressão, contra as amarras da liberdade de expressão artística, o que abriu caminho para o próximo tema apresentado: “Tem Juízo”, “aquele single mesmo sujo, onde tens que cuspir muito”, nas palavras do próprio.

A plateia ao rubro ficou de novo em silêncio, para mais um momento de conversa, onde o artista elaborou sobre a existência de dois tipos de pessoas: os sugadores e os doadores. Identificando-se como um doador, Tekilla mostrou-se agradecido pelo sentimento de reciprocidade sentido na sala, uma das principais ignições de um espetáculo tão voltaico.

A festa continuou com o tema “Se Eu”, com direito a solo de bongos no fim, por Afrogame, pintando o ambiente para a faixa especial apresentada de seguida: “Sinónimo“, um clássico que partilha com Sam the Kid.

Em mais um momento de interação com o público, em tom de desabafo, o artista proporcionou um momento refletivo onde falou sobre deixar a sua música falar por si, independentemente das opiniões de outrem, afirmando que sabe quais são as suas causas e as lutas que abraça. Tekilla explicou que atribui a maior importância ao facto de pretender espalhar uma mensagem de inclusão, especialmente depois de uma pandemia: “agora é uma bênção estar a partilhar convosco cada minuto.”

Com influências de nomes como Method Man, “Oportunistas” foi um dos temas onde mais se sentiu a energia presente na sala, tendo Tekilla saltado para o público enquanto cantava o tema, porque seria, a seu ver, “uma falta de respeito não transmitir esta energia”; uma energia que foi certamente recebida e interiorizada, pelos gritos que se ouviam na sala a perguntar onde era a after party.

Com a aproximação do final do espetáculo, Tekilla apresentou o tema “Olhos de Vidro”. Sendo o tema homónimo do seu álbum, foi apresentado um momento especial: reforçando a importância dada à letra e à passagem de uma mensagem, o artista proporcionou-nos com um momento acapella.

Não abrandando nos momentos especiais, foi chamada Amaura ao palco, para brilharem “Em Sintonia”, como o próprio título da música indica.

Com uma plateia em chamas, envolta num ambiente de intimidade quase familiar, juntou-se desta vez Dino D´Santiago em palco, para incentivar à dança com a melódica “Meu Bem”, faixa que o público recebeu levantado e com toda a vontade para se mexer.

Estando o ambiente de festa no auge, como tínhamos tantas saudades, Dino não abandonou o palco, presenteando-nos desta vez com uma homenagem a Tito Paris e aos anos 90, com o tema “Dança ma mi criola”, onde se juntaram todos os artistas convidados, assim como a plateia, numa animada dança que honrava tradições.

Terminou assim o concerto, em nota alta, com a entoação dos parabéns ao DJ presente e com a apresentação de toda a equipa e convidados, acompanhados de uma vénia coletiva ao público. Foi ainda possível ouvir a entoação, em cântico, das palavras “Olhos de Vidro”, seguida de um abraço pessoal a cada pessoa do público, pela parte de Tekilla.

Mais que um concerto, este evento revelou-se como uma experiência: um hino de volta à normalidade, um grito de esperança e uma relembrança do que é dançar, numa sala envolta em energia. Embora permaneça o distanciamento social, Tekilla, honrando o papel de Master of Cerimonies, não só entregou uma performance cheia de garra, como há muito não se via, como moveu toda uma sala pelo espírito de união e amor pela cultura, uma das melhores sensações que a música pode proporcionar. As rimas mordazes com os beats ferozes, acompanhados pelos bongos de Afrogame e seguimento de DJ Kool Isac Ace, fizeram a sala do Time Out Market parecer menos um amplo sótão, e mais um transporte aéreo para a viagem vivida pelos presentes. Tekilla chegou viu e venceu e pela importância dada à escrita, cultura e entrega, parece-nos que veio para ficar.

O álbum “Olhos de Vidro” encontra-se disponível em todas as plataformas digitais.

Noite de sombras na Casa do Capitão

Ontem reinaram as sombras na fábrica da Casa do Capitão.

Nerve pisou o palco para assassinar rimas, sobre mordazes beats de Il-Brutto e ainda com um convidado especial: Tilt. 

Mas as surpresas não ficaram por aí. Antes de Nerve, Il-Brutto assombrou-nos com meia hora de um DJ set, onde mostrou sneak peaks de música nova de Tilt, Nerve, e o assombroso trio em Escalpe. Com o couro cabeludo ainda em sangue de tal puxão, Nerve apresentou uma faixa nova intitulada “TDE”, que fez questão de repetir duas vezes, não fosse algum ouvido mouco não estar atento ao sermão. Depois de uma hora e pouco de concerto em forma de poesia declamada, o Monstro Social retornou às sombras, deixando os reféns sedentos por mais, num começo de espera por novos mandamentos.

À Conversa com Tranquilow: Tranquitape e a ressurreição das compilações

Tranquitape, novo projeto da Tranquilow, veio trazer o desfibrilhador para reavivar a cultura de compilações que, embora algo esquecida, parece estar a dar sinais de vida ultimamente. Movidos pela vontade de dar a conhecer novos nomes da esfera do hip hop, ao longo do ano de 2020/2021, a página divulgou 48 novos artistas nacionais, num total de mais de 200 participações, que foram alvo de votação pela parte dos seguidores da página e de toda a comunidade. Todo este processo culminou nesta tape, numa primeira edição que contou com participações de Rodo, Krazydread, Benito, Tsuki, Madmarcu$, Kitos, Vácuo, Big S, AËM, Calha, NastyBee, Primo e Vlad.

A Hip Hop Rádio esteve à conversa com Miguel Varela, membro da equipa da Tranquilow, que nos veio falar sobre este projeto, objetivos e planos futuros.

De onde surgiu a ideia de fazer esta tape? Como foi criado este conceito?   

Este projeto nasceu quando o Afonso da Tranquilow entrou em contacto comigo. Na altura eu não fazia parte da equipa e foi este o projeto que me fez entrar. Ele contactou-me na quarentena, quando todos estávamos com tempo, e disse-me que queria fazer uma cena original para divulgar artistas, no fundo, para não ser um simples post, queria fazer algo diferente e criativo. Depois foi reunir e tentar montar uma ideia do que podia ser, o que não podia ser e a ideia nasceu daqui.

E como ocorreu o critério de seleção?

Todos os artistas concorreram por escolha deles, eles enviavam-nos o som e nós, em equipa, selecionávamos os que achávamos melhores, ou que sentíamos mais. Depois todos os meses era feita a divulgação de quatro artistas e desses quatro os nossos seguidores escolhiam quais gostavam mais.

Existiu algum método para a maneira como as 13 faixas foram ordenadas na tracklist? Foi pela ordem de temporalidade em que foram escolhidas ou houve um critério específico?

Foi por ordem de temporalidade. Basicamente é uma faixa por mês, desde a primeira até à última. Só existe uma faixa bónus.

Qual a razão por detrás da faixa bónus? Fala-nos mais sobre a escolha do artista, neste caso, Vácuo.

Como as outras doze foram escolhidas pelos nossos seguidores, nós quisemos escolher uma. Das 48 que tinham sido selecionadas, a faixa “Estilo 90s” do Vácuo foi a escolha da equipa, por ter sido uma das músicas que mais sentimos.

Já se pensa num volume 2 da tape? Pensam em fazer mais algum outro projeto deste género?

Como este correu bem, estamos a pensar fazer o volume dois, ainda não temos data, mas sim. Agora outro projeto deste género, para já, não está nada falado, mas pode surgir. A ideia agora é: como esta compilação correu bem e como quase não há compilações agora, como havia antes, como a Hip Hop Nation ou a Hip Hop Series e sabendo que não há muitas compilações conhecidas no Hip Hop Português, talvez isto seja uma nova cena, espero eu.

Há possibilidade de apresentar esta tape ao vivo?

Era fixe, era bué louco, mas é muito complicado, uma vez que temos MC´S de Norte a Sul e das ilhas inclusive. Se às vezes reunir duas pessoas já é complicado, então reunir treze era bué complicado, tinha que ser quase por partes, um concerto aqui, outro ali. Não está previsto, mas se acontecesse um dia era fixe. Nem que seja reunirmo-nos para outra cena, quem sabe, mas era fixe.

Mas isso é fixe porque mostra a abrangência de MC´S que entraram na tape, reuniram pessoal de Portugal inteiro.

Sim, do país inteiro mesmo.

Como acham que este projeto influenciou os artistas participantes?

Espero que com isto estes artistas tenham sido ouvidos por mais gente, que estas músicas tenham chegado a mais lados, o que no fundo era o objetivo principal, divulgá-los para pessoas que ainda não os conheciam. Espero que tenha ajudado, nem que seja com mais um ouvinte novo.

Estava estipulado desde o início que seria uma edição física? Quem foi o responsável pelo design da tape e qual a inspiração por detrás?

Quando anunciámos a iniciativa foi logo dito que ia culminar na edição física, que era a cereja no topo do bolo, para celebrar a cena. Quanto ao design, a responsável foi a Piedade que trabalha connosco e demos-lhe livre-arbítrio, carta branca, “como queiras, como achares melhor”; basicamente, foi ela que decidiu tudo (risos), por acaso nessa parte foi grande à vontade.

Consideram que atingiram o objetivo que tinham em mente ao terem realizado este projeto?

Sim, sim. Às vezes achamos que a iniciativa não chegou a muitos lados, que podia ter chegado mais longe e o facto de isto ser uma compilação na qual todos os meses era escolhido um som, o facto de ser muito longo o processo, havia aquela preocupação relativa a se as pessoas iam acabar por se esquecer um pouco da cena, como também vivemos numa época de consumo rápido, um ano é muito tempo… mas foi assim que se decidiu e quem quiser estar atento está, quem não quer não está.

Também sabemos que lançaram recentemente merch e tiveram a vossa primeira Tranqui Sesh em Lisboa. Que mais podemos esperar da Tranquilow num futuro próximo?

É isto, mais iniciativas, mais festas se permitirem, se a DGES permitir e merch novo também, já daqui a uma semaninha. Esperem mais festas em Lisboa, como a nossa primeira Tranqui Sesh em Lisboa, com Sillab e Jay Fella.

Para encomendar uma cópia da TranquiTape dirige-te ao site da Tranquilow ou ao instagram da página, onde podes encontrar todas as informações.

Foi feita uma segunda parte desta entrevista na qual Beatriz Freitas esteve à conversa com Krazydread, um dos artistas integrantes da TranquiTape. A escolha do artista foi feita através de um sorteio realizado pela equipa e passará em formato áudio hoje, dia 12 de setembro, às 22:00 horas, no site da Hip Hop Rádio ou na nossa app.